Wesen Para Matar

Beijos e vícios, parte 1


"Musa, me diga, pois por qualquer fonte, vós podeis conhecê-los."

*

Acordei no dia seguinte sentindo os leves resultados de uma noite meio que mal dormida.

Eu estava ansiosa para ver o que tinha no computador do capitão, o que valia a pena ele tomar um tiro. Devia ser algo importante, político? Ou da nossa “área”, minha e dele, de conspiração? Se a Verrat tivesse descoberto algo...

Bom, também poderia ser aleatório; mesmo que pequena, havia a chance de ter sido um atentado de algum inimigo que ele tivesse feito como capitão. Ou alguém da própria Verrat que quisesse, ainda, eliminar o bastardo. Mas as duas hipóteses soavam idiotas e completamente rejeitáveis. Rejeitáveis no sentido de precisam ser rejeitadas.

Enfim, acordei e me espreguicei e suspirei e aí fui olhar o horário. Rosalee havia me pedido para ir lá às nove, então eu só iria mais cedo, pra assegurar que iria fazer direito. Mas nem tãããão mais cedo.

Pulei da cama e fui logo separando as roupas que usaria no meu primeiro dia. Depois de uma blusinha confortável e uma calça jeans, desci as escadas rapidinho pro café.

− Bom diaa! – Emily me cumprimentou alegre, com o namorado do lado dela, passando a mão na cintura da minha amiga e sorrindo como se não fosse... Estranho.

É sério, havia algo de muito estranho no carinha. De extremamente estranho. Alguma coisa... predatória. Como se ele caçasse mulheres.

− Bom dia. – Respondi, pegando um pãozinho e cortando-o para recheá-lo com várias coisinhas gostosas.

E então vi a Barbie descendo as escadas.

Ela estava com a pior cara do século. Parecia que ela havia passado a noite inteira acordada, chorando. Seus olhos estavam inchados, o nariz meio vermelho, o cabelo estava quase parando em pé.

− Barbie? – Chamei, meio assustada, esperando que a cabeça dela girasse 180° e ela começasse a espumar alguma coisa gosmenta e preta. (O Exorcismo da Boneca Asiática... Hm, gostei.) – Tudo bem?

− Ahn? Tá, tá sim... – Ela veio de pés arrastando até a mesa e se sentou na cadeira do meu lado. – Tô bem...

− Você acha que a gente é cega? – Emily colocou o bule de café na mesa e correu até Barbie. – Menina, o que aconteceu?

− Eu liguei pro meu irmão... – Ela explicou. – Nós conversamos, e Cristo, eu sinto muito a falta deles. Sinto tanto... Que eu decidi que vou embora.

Por três segundos, eu fiquei me perguntando se meus olhos só estavam na minha cara porque eu não a havia abaixado.

− Não! Bárbara... – Alisei o cabelo dela com as mãos enquanto enxugava o rosto dela com a outra. – Calma, amiga. Podemos, sei lá, ele não pode vir aqui?

− É complicado, Alicia. – Ela fungou. – Mas não foi você que atravessou meio mundo só pra encontrar seu irmão? Deveria me entender.

− Mas...

− Mas nada. Eu vou. E falta só decidir quando. – Ela ajeitou o cabelo. – Mas eu volto, amigas. Prometo. – Ela me abraçou e abraçou a Emily.

Eu e a minha melhor amiga rica ficamos encarando nossa outra melhor amiga.

− Se isso te faria feliz, então pode ir. – Emily respirou fundo. – Só quero o melhor pra você, é minha melhor amiga.

Ela sorriu e se ajeitou um pouquinho.

Só eu que havia estranhado aquela história além do possível?

*

Depois de ter me arrumado, e estava bem mais disposta e recuperada emocionalmente da sessão Bárbara em Desespero, eu estava pronta pro meu primeiro dia trabalhando. Fui até a casa de Monroe quase voando de alegria.

− Bom dia, baixinha! – Ele me abraçou e eu bati nas costas dele.

− Baixinha é sua irmã! – Reclamei, com um sorriso. – Então, vamos?

− Vamos. O que conseguiu com o computador?

− Não sei. Nenhuma de nós sabia o que fazer, mas Michael sabia, então passei o computador pra ele. – Suspirei. – Ele é de confiança, vai saber o que fazer.

− Achei que você hackeava.

− Hackeio, mas não sei de tudo sobre computadores. Eu não sabia como tirar o HD interno de lá nem se tinha como sem danificar as informações. Me julgue.

− Não vou. Mas esse Michael não vai, sei lá, esconder algo?

− Ele não faria isso, eu já disse que podemos confiar nele. É meu namorado. – Suspirei. – Só vamos.

Perguntei ao Nick como estava o capitão, e ele me disse que não sabia, mas provavelmente bem, porque ele parecia bem quando o tinha visto. Só de pensar no capitão, minhas coxas meio que ficaram quentes e inquietas, e vieram à minha mente quarenta memórias de nossos beijos e toques, mas foquei a mente em outras coisas.

− Ei – Chamei. – Minha amiga quer viajar pra Espanha, pra ver a família dela, mas ela não pensa na gente. O que acha disso?

− Como assim, em vocês?

− Que nós também somos a família dela e vamos sentir falta dela, poxa. – Suspirei. – E agora?

− Bom, mesmo que vocês também sejam a família dela, tem a outra parte. Eles também sentem a falta dela. E vê-la os deixaria bem mais felizes, sabendo que ela está viva, segura e, bem, feliz na medida do possível. – Ele deu de ombros. – Seria bom pra todo mundo. E ela não vai embora pra sempre, vai?

− Segundo ela, não.

− Então pronto. Dá pra sobreviver uns meses, não dá? – Ele sorriu e eu me contagiei com o sorriso dele.

Logo chegamos no meu novo local de trabalho, e Nick me desejou boa sorte e força. Eram oito e meia; e Rosalee já estava lá.

Entrar na loja foi uma explosão de cheiros, imagens e, sim, sons novos. Foi como um soco na consciência.

− Oi, Alicia. – Ela sorriu. – Pronta?

− Opa. – Ajeitei o cabelo que, com meu pulinho, tinha meio que avançado na minha cara. – Então, chefia, o que eu faço?

− Vai mesmo me chamar de chefia? – Ela sorriu. – Enfim, vamos entrar. Tem uns pacotes pra abrir, então vou te explicando um por um, porque vou precisar bastante da sua ajuda pra preparar as misturas que os clientes pedirem.

E começou uma aula sobre as funções de cada coisinha, cada pó, cada solução, que mistura fazia isso e aquilo. Ela me dizia para sentir o cheiro, observar a cor, tocar. Fomos armazenando cada coisa em seu devido potinho, e as prateleiras eram enormes.

− Não fica perdida com tanta coisa?

− Não, tem um sistema de organização que pode parecer complexo, mas o costume ajuda.

− E o Nick vem muito aqui?

− Cada vez mais. – Ela riu pelo nariz e eu a acompanhei, porque ela contagiava. – Sempre que posso, eu ajudo. Com zaubertranks, soluções pra zaubertranks, Wesens que ele não entende...

− E sempre dá pra ajudar?

− A gente faz o que pode. – Ela pegou um pote grande de cima da prateleira e começou a enchê-lo com pedras brancas, aparentemente pó em pedra, ou coisa parecida. – Vem cá. Isso... – Ela tirou uma das pedrinhas. – É Toxidendra. Sente o cheiro.

Era algo que realmente parecia pó e pedra, mas um cheiro mais... Fúnebre, pros dois. Algo mais pesado.

− Suponho que seja tóxica.

− Geralmente perde a potência na maior parte das misturas. Mas, puro, faz estragos. A sorte é que, em pedra, é bem fixa e difícil de soltar o pó. Logo, é mais seguro mexer com ela.

− Ufa. Não quero morrer de intoxicação.

E continuamos. Fomos até a hora de abrir, quando ela me disse para ficar ali atrás, estudando os livros dela, e ocasionalmente ela voltava e me vinha com um pedido de um cliente. Anotava os ingredientes e a receita para que eu fosse preparando tudo.

E Monroe apareceu.

− Oi, Alicia. Rosalee me pediu pra vir te ajudar.

− Valeu, porque estou encarando os potes com medo de fazer algo e ferrar tudo. – Ele riu e foi me ajudar, basicamente fazendo quase todo o trabalho enquanto eu simplesmente o servia com as porções das coisas necessárias.

Até que eu estava gostando do meu trabalho. Era bem instrutivo, bacana, tinha gente legal, e sinceramente, qualquer grana era bem vinda. Depois de ter trabalhado por uma noite como stripper, tava valendo até limpar vidro de carro. (Visualizem-me dando de ombros e sorrindo, porque eu estou assim mentalmente.)

Era tão legal ver como os componentes se misturavam nos vidros que eu ficava encantada. Monroe me dizia pra misturar alguns também, então eu não ficava tão sonhadora o tempo todo. Começamos a conversar de assuntos aleatórios, coisas quaisquer, até que Rosalee entrou.

− Se divertindo? – Assenti alegremente. – Bom. A mistura pra sra. Letters tá pronta?

Procurei o vidrinho que eu tinha deixado separado e entreguei a ela. Rose agradeceu, sorriu um pouquinho carinhosamente demais pro Monroe e saiu.

− E quando almoçamos?

− Meio-dia. Ainda são nove e meia, relaxe.

− Mas eu estou relaxada. – Sorri. – Monroe...

− Pode falar.

− Acha que aqui tem algum zaubertrank para ataque de pânico? – Nos encaramos, por um longo tempo, ou pelo menos pareceu um longo tempo.

− Talvez. Quer procurar?

− Eu ficaria gratíssima.

− Mas, considerando sua natureza peculiar, talvez alguma coisa não dê certo... – Ele alertou, mas eu dei de ombros:

− Só preciso achar um remédio pra isso. – E aí eu ouvi uma voz muito conhecida minha: a da Juliette.

*Nick*Retrocedendo bastante*

Hank me chamou para tomarmos café antes do dia começar em uma cafeteria qualquer pela cidade.

− Bom dia. – Ele me disse, passando-me um copo de café. – Acordou bem?

− Acordei cansado. – Ele riu. – E como vai a vida?

− Sozinha. – Tomamos, cada um, um gole dos nossos copos. O gosto do café puro pareceu turbinar minha cabeça, e os sons ficaram mais claros pra mim. – E a irmãzinha?

− Levei ela pra trabalhar hoje. – Hank curvou uma sobrancelha pra mim. – Quê? A menina queria uma vida decente, estou ajudando ela com isso.

− E onde ela está trabalhando?

− Com Rosalee. – Ele me encarou de um jeito que dizia “sério?”. – Eles são boa companhia pra ela. Consigo manter o olho nela por mais tempo, ela aprende algumas coisas, e ganha seu dinheiro.

E ouvimos um tiro.

− Acho que não foi escapamento. Liga pra Central – Instruí, e saí correndo para o local de onde vi pessoas saindo aos montes, obviamente, sendo onde o atirador estava.

Quando entrei, a livraria estava quase vazia; umas últimas pessoas saíram, e eu vi um corpo: aparentemente o escritor havia sido baleado na cabeça, o sangue escorrendo pela mesa toda. Não deu nem uns segundos e ouvi um grito, agudo e feminino. Se não fosse minha audição, não teria ouvido a conversa.

− Venha.

− Me solta, Anton! – Saí do meu mini-choque e corri para as escadas; a conversa vinha do segundo andar do local.

− Khloe, temos que sair daqui agora. Vamos, querida! – Eu já estava mais perto dos dois, mas ainda não os via. As próximas frases me guiaram para trás de uma prateleira.

− Anton, por favor!

Era um Wesen, algum tipo diferente, o rosto todo coberto de pelos, perfeitamente coberto. Ele puxava uma garota pelo braço, cabelo castanho, jaqueta azul. Ao grito dela, ele saiu da woge, sacudindo o cabelo preto e rebelde, e ele usava umas roupas bem surradas e cheias de tinta.

Decidi que já tinha visto o suficiente e saí de trás da prateleira.

− Solte ela! – Tudo teve que ser rápido; empurrei a garota para longe dele, agachando-me e forçando-a a fazer o mesmo enquanto o tal Anton dava um tiro. Quando olhei de novo, ele já estava quase sumindo e tinha derrubado uma prateleira, mas ainda poderia persegui-lo.

Não pensei duas vezes e fui.

Estávamos indo pela escada de incêndio; e eu ainda tinha que ligar para Central para informar minha situação. Aquilo não era fácil, e me deu uma boa desvantagem na perseguição.

Passei o endereço às pressas pelo telefone e desliguei, enquanto irrompia numa espécie de saída emergencial; uma escada que tinha os fins em curva e descia até o chão, ou uma plataforma, eu supunha, porque estávamos acima da água.

Anton estava quase no fim da escada quando cheguei, e eu falhei quanto a alcançá-lo: ele passou por cima do corrimão/grade e se jogou na água.

Quando olhei, só havia o ponto turvo e as marolas de onde ele havia mergulhado.

*

− Fiquei sabendo que o suspeito deu um mergulhinho.

− Sim.

− Vivo ou morto? – Hank me perguntou, e eu estava meio frustrado de ter que falar, agora que tinha deixado nosso atirador e assassino escapar.

− Não sei, mas, se emergiu, foi em algum lugar que eu não pude ver. Mas... – Abaixei o tom de voz. – Ele era Wesen.

− Então ele pode ter sobrevivido.

− Talvez. Os mergulhadores estão procurando. – Decidi também parar de falar do meu fracasso e voltar a focar no claro homicídio que tínhamos ali. – Essa é nossa vítima, Evan Childs.

− Ele era escritor, era a sessão de autógrafos dele.

− E a garota? Me pareceu que ela conhecia o atirador.

E aí o Wu e suas informações do bloquinho salvador mágico apareceram.

− Ela conhece. Ela, vulgo Khloe Sedgwick, 30 anos, namorada da vítima, o nome do atirador é Anton Cole. – Fui fazendo anotações no meu próprio bloquinho. – Estamos averiguando a casa dele.

− Ela disse como se conheceram?

− É o ex dela.

− Ah, então esse é um crime passional – Hank disse, meio que traduzindo meus pensamentos.

− Era o meu palpite.

− Tudo bem, vamos falar com ela. – Guardei o bloquinho no bolso e nós fomos atrás do Wu, que nos levou até um canto perto da escada que eu subi para salvar a garota Khloe.

− Olá. – Nos apresentei, e ela estava com jeito de quem tinha chorado. – Precisamos lhe perguntar umas coisas sobre o ocorrido.

− Tudo bem. – Ela passou as costas da mão pelo rosto.

− Há quanto tempo conhece Anton Cole?

− Pouco mais que dois anos. Terminamos há uns seis meses...

− Foi quando começou a sair com o Sr. Childs?

− É, eu acho.

− Estava saindo com os dois ao mesmo tempo? – Hank perguntou, um tom meio acusatório na língua.

− Não, eu não faço isso. O Anton, ele não queria esquecer. Ele ficava me ligando, querendo que voltássemos, e Evan começou a ficar chateado, e Anton apareceu lá em casa, dizendo que Evan não era bom o bastante pra mim e que ele era. – Voltei a tomar notas.

− E você informou algum desses acontecimentos à polícia? – Quando ergui meus olhos da folhinha, ela estava me encarando.

− Você não entende. – O olhar dela era levemente assustador e ao mesmo tempo meloso. Eu fiquei sem jeito e fui voltando meu olhar pro Hank, pedindo socorro.

− Por que não nos conta?

Quase gritei um “amém, cara”, mas me controlei muito bem e me voltei para a testemunha.

− Isso vai soar horrível, mas os homens se apaixonam por mim muito facilmente. – Aquilo soou como uma garotinha convencida, e eu não pude evitar o sorrisinho e o olhar zoeiro direcionado ao meu parceiro, que parecia bem entediado e de saco cheio com o papo de menininha a seguir. – E quando acontece, eles simplesmente não param. Isso pode ficar bem opressivo. Não quero soar convencida, mas é como é. Se não fosse por você... – Ela pegou minha mão e, erguendo-a até os lábios, beijou meus dedos próximo às juntas. – Ele teria me matado.

Ok, aquilo me pegou de surpresa. Seus olhos eram grandes e castanhos, e algo neles me lembrou um cervo encurralado, um animal indefeso. Não pude deixar de encarar e buscar a fonte da leve luz que vinha deles...

− Obrigada.

O súbito incômodo me tomou, e, despertando para a vida, puxei minha mão dela e fui me afastando. Dei uma olhada (a terceira do dia) pro Hank, que sorriu faceiro e olhou pro outro lado.

− Você vai ficar bem. – Consolei-a.

− Mas você ainda não o encontrou.

− Ainda não. Mas deixaremos um policial na frente da sua casa até encontrarmos. Se o vir, ou se ele fizer contato, me ligue. – Passei o cartão com meu número pra ela, e nos afastamos.

Parecia que, de repente, eu podia respirar de novo.

− Vai lavar a mão? – Hank perguntou.

− Como é? – Ele riu. – Me dá um tempo.

E, mais uma vez, o baixinho asiático surgiu do nada.

− Temos um 20-1* na casa do Anton. Loft no sudeste.

*

Foi meio que cansativo chegar até lá; minha mente parecia cansada e pesada, como se cada pensamento fosse um fiozinho de metal, algum metal bem pesado, passando pelos meus neurônios.

E, pra completar, a mulher, que me pareceu legal no começo, simplesmente não calava a boca.

− O Anton era uma pessoa tão boa, uma alma tão boa, amorosa, talentosa... Ele terminou com a namorada e isso acabou com ele. E depois disso, se fechou.

− E quando vinha aqui, sobre o que conversavam? – Eu perguntei, contra a minha vontade. Com sinceridade, estava de saco cheio pra ficar perguntando e ouvindo aquela mulher tagarelar.

− Basicamente sua arte, e sobre Khloe, a namorada dele. – Lá vinha. – Ele dizia que ela era a inspiração dele, e eu achava isso super romântico. Bom, pra ser honesta, acho que ele deu muito crédito a ela. Mas amor é assim, não é?

− Obrigado pela sua ajuda, vamos dar uma olhada por aí.

− Me liguem se precisarem, estarei no andar de baixo. – E finalmente a linguaruda se foi.

Wu colocou a mão na maçaneta, meio que parecendo se preparar.

− A equipe de busca acabou de informar: não acharam o corpo do Anton. Não quer dizer que ele não esteja rio abaixo, mas...

− Esse “mas” que me assusta. – Hank adicionou, e eu não pude deixar de pensar “e daí?”, mas mantive a boca fechada.

Como eu estava chato.

O policial abriu a porta, e eu invadi, esperando que Anton estivesse ali para que eu pudesse prendê-lo. Mas nada.

O lugar tinha paredes azul claro, mas era quase impossível determinar aquilo, sendo que estava tudo coberto por pinturas. Quase literalmente, tudo. Pra onde se olhasse se via o rosto de...

Khloe.

Khloe, Khloe, Khloe, muitas Khloes, para todo lugar. Pouquíssimas, porém, eram realmente fiéis à verdadeira, com o cabelo castanho ondulado e os olhos de cervo...

− Livre! – Declarei, e Wu continuou vasculhando enquanto eu olhava as artes por ali. Hank foi entrando, depois da minha varredura.

− Livre. – Wu voltou. – Em minha humilde opinião, o sr. Cole estava levemente obcecado, e bem pouquinho fora de si, pela Khloe Sedgwick.

− Você acha? – Hank satirizou, e eu só queria que eles calassem a boca. Eu estava analisando uma das pinturas mais fiéis, feita em placa de vidro, só com as cores da pele de Khloe e a cor do cabelo. Parecia ter sido uma das últimas, porque ainda estava no cavalete.

− Impressionante que seu estilo vá do impressionismo ao “que diabo é isto?”. – Por alguns segundos, os dois fecharam a matraca, e eu pudia olhar as formas dela com paciência e paz. Mas não durou muito.

− Melhor darem uma olhada nisto – O negro chamou, e eu o esmurrei mentalmente. Droga, eles não ficariam quietos?

Parei por um segundo, tirando os olhos da pintura, e refleti. Mas o que, em nome de Deus e de tudo que é sagrado, estava acontecendo comigo? Por que eu estava mentalmente agressivo daquele jeito?

A sanidade esvaiu-se devagar enquanto eu dava uma última olhada em Khloe e afastava-me para o outro quarto.

Lá, havia a única pintura que não fazia alusão à Khloe; Evan Childs, com a cabeça sangrando, caído em meio a pilhas de livros.

− Crime passional pré-ilustrado.

− Prova de premeditação – Reforcei, e tirei uma foto daquilo com o meu celular. Foi só eu apertar o botão que Juliette me ligou.

Os dois encararam meu celular, e eu resisti ao impulso de xingá-los enquanto me afastava para atender.

− Juliette.

− Nick! Estou feliz que atendeu. – Bom, eu não estava tão feliz, mas era bom ouvir a voz dela.

− É, estou no meio de uma investigação.

Ah, tá, me desculpe, mas isso só vai levar um segundo. Escute, sei que vai parecer meio repentino, mas você poderia vir jantar comigo?

Eu pensei naquilo. Parecia que tinha algo que eu estava esquecendo (e tinha, mas veremos isso depois), mas eu não lembrava o quê, então...

− Sim, claro, é algum problema?

Ahn, não, não é nada, só achei que seria bom que nós pudéssemos conversar. – E a voz dela foi me alegrando mais e mais.

− Tudo bem, que horas?

Que tal às oito? – Eu sorri, genuinamente.

− Ok, oito em ponto. Te vejo lá.

− Ótimo. Até lá. – Quando desligamos, parecia que a luz que tinha acendido em mim foi se apagando, como uma vela que fica sem oxigênio.

− Vai fazer algo com a Juliette? – Hank me perguntou, mas eu fique meio distraído pela foto rasgada em cima da mesa.

Anton em uma parte, Khloe na outra.

− Vamos jantar.

− Hum, as coisas estão melhorando? – Ele provocou, mas eu nem ligava mais. Estava absorvido pela foto, a figura feminina sorrindo para ele.

De um jeito falso.

Peguei a foto na mão, escaneando, memorizando cada detalhe, cada traço do rosto de Khloe, cada tom, cada...

Ela não estava sorrindo de verdade, ele não fazia bem pra ela. Anton não era pra ela. Eu poderia ser pra ela.

− Nick, vamos.

− Hum? – Desviei os olhos do pedaço de papel alguns centímetros, sentindo a força afrouxar.

− Vamos.

Assenti, bem pouco, e devolvi a foto pro lugar. Coloquei as mãos dentro do bolso e saí do santuário da Khloe, mesmo sem querer.

*

De volta ao precinto, eu estava rabiscando num bloquinho de papel o Wesen que Anton era, ou o que eu tinha visto. Aquela coisa em mim havia desligado, ou se retirado para algum lugar distante e escuro; eu não sabia o que havia dado em mim, e estava com, sinceramente, muita vergonha de ter agido daquela maneira.

− Tenho um encontro com a fisioterapeuta, falo com você mais tarde. – Ele baixou a voz para perguntar:

− É o Anton?

− Sim. Não consegui ver bem, mas isso é basicamente o que eu vi antes dele fugir. – Virei meu bloquinho pra ele. Parecia, sei lá, uma toupeira.

Hank deu de ombros.

− Gostaria que pudéssemos colocar um alerta nisso aí.

Eu sorri.

− Não tenho certeza de que ajudaria. – Voltei-me para a minha mesa, onde uma versão impressa do desenho de Anton com Evan Childs morto repousava.

− Mande um oi pra Juliette. Espero que corra tudo bem no jantar.

− Eu também.

Talvez a testemunha (eu meio que estava tentando tirar o nome dela da cabeça) soubesse algo sobre o desenho, mas eu não sabia a que conclusão aquilo me levaria.

*

− Ei, detetive!

Aproximei-me do policial que tínhamos deixado de guarda na frente da casa de Khloe.

− E então?

− Tudo bem calmo. Ninguém entrou, ninguém saiu. Ela está lá dentro.

Agradeci e fui até a porta cuja numeração era a do apartamento dela. Bati, e demorou para eu ter uma resposta.

Quem é?

− Detetive Burkhardt. Está tudo bem, pode abrir a porta. – Ouvi as trancas abrindo, e a porta abriu lentamente, revelando a mulher num roupão azul. Ela estava sorrindo, bem pouquinho.

E alguma coisa em mim até tentou despertar, mas eu a chutei de volta pro buraco.

− Desculpe incomodar, são só algumas perguntas.

− Entre. Só preciso me vestir. – Ela afastou-se, dando espaço para eu entrar.

Assim como na casa de Anton, o local era recheado de pinturas, mas aquelas eram pinturas normais e não a tinham como foco de adoração. Mas o lugar era extremamente bem decorado, talvez um pouquinho demais. E tinha a escultura de um gatinho.

Eu fiquei esperando e estudando as pinturas, até que ela apareceu.

− Desculpe te deixar esperando... – Khloe estava toda produzida, o cabelo, a roupa. – Sobre o que queria falar comigo?

Voltei-me para ela, meio sem jeito.

− Ainda não achamos o Anton. − Ela pareceu um pouco perturbada com a notícia.

− Então ele está vivo. – Foi algo entre uma pergunta e uma afirmação, e eu meio que respondi:

− Temos que proceder como se ele estivesse. – Ela me olhou e então eu senti o toque de sua mão no meu braço, fazendo uma carícia leve.

− Não precisava vir até aqui pra me dizer isso, poderia ter ligado. – A voz dela foi como um ronronar baixinho, suave e bonita...

− Ah. – Balancei-me, meio que me afastando da mão dela. – Bem, não é por isso que estou aqui. – Mostrei o desenho pra ela. – Já viu isso? Conhece? – Ela me pareceu afetada com a imagem.

− Ah, não. – Ela foi se afastando. – Mas é trabalho do Anton, eu reconheço.

− Parece que o Anton planejava isso há muito tempo. – Pronunciei o nome dele com um pouco de desgosto. – Encontramos isso no loft dele. Quando foi a última vez que esteve lá?

− Há dois meses.

− Você foi o objeto de muitas pinturas dele. Posava para ele? – E ela finalmente se voltou para mim.

− Sim. – E sorriu lindamente. – Mas tenho feito isso para outros. É assim que consigo toda essa arte, nunca poderia pagar de outra forma. – Comecei a andar, passando pela frente dela.

− Então você tem uma queda por artistas? – Eu ouvi o estalo dos saltos dela atrás de mim.

− Eu tenho uma queda por pessoas que veem o mundo de forma diferente. Eu as inspiro. – Parei e observei o andar de felina dela.

− Ah, é? Como? – Eu estava descrente, apesar de ainda lembrar o que havia sentido mais cedo, ao ver todas aquelas pinturas, e sentir algo desconfortável se mexer dentro de mim, ansiando por alguma coisa que eu não sabia o que era.

Khloe parou na minha frente, a alguns passos.

− É meio difícil de explicar.

− Por que não tenta?

Ela sorriu ainda mais.

− Ok. – E, simplesmente assim, ela avançou e, apesar de eu ter me afastado, segurou minha nuca e me beijou.

Alguma coisa na boca dela a fez formigar contra a minha. Meu coração bateu com força, e de repente foi como se o mundo percebesse que girava em torno do astro errado; era em torno dela que ele deveria girar.

Khloe, Khloe, Khloe... O nome dela era poesia, e os lábios dela eram macios. Ela me beijou por alguns instantes, e eu correspondi, ansioso por mais de qualquer coisa dela, até que ela nos separou e seu polegar delicado passou pelo meu lábio inferior.

− É assim que começa, mas nunca é assim que termina. – E ela foi se afastando, e eu queria segurá-la ali, embora fui sentindo a mão que estava em meu ombro escorregar pelo braço, e então tocar a minha, e, lentamente, se soltar. – É algo que acontece...

Enquanto ela andava para longe, ficou tão óbvio sua classe e beleza, o rebolar suave e requintado dos quadris, as pernas longas e bonitas, o sacudir suave do cabelo a cada passo. A luz não vinha de nenhum outro lugar senão era.

− Não é algo que possa ser controlado, não é algo que deve ser controlado. – Ela se virou para me olhar, e minha boca ficava seca, e eu a segui com meu olhar, vendo como a mão dela alisava os móveis, enquanto ela girava em volta da escultura do gato... – Nunca me imponho a eles. Eles me querem, e precisam de mim.

Eu nunca senti um ódio tão poderoso por alguém, principalmente por alguém que eu não sabia quem era. Mas eu não queria que ninguém mais a tocasse, porque Khloe deveria ser minha. Eu seria o homem para ela, eu seria digno dela, porque Khloe era uma musa, era linda, perfeita, e só merecia o melhor.

− E nem sempre termina bem. – Eu comecei a andar na direção dela, porque sua força gravitacional era poderosa e eu não ficaria mais longe dela. Ela era perfeita e linda e eu a queria mais do que qualquer um. Todos os meus anos sem ela eram um desperdício, porque ela era a única coisa que fazia qualquer coisa valer a pena.

E ela vinha em minha direção, e eu precisava dela... Como eu queria outro beijo dela...

− Muitos jovens artistas morreram jovens e violentamente, meio loucos... – E ela passava por mim, e nossos corpos se tocaram, e foi violentamente incrível, e eu queria beijá-la e puxá-la contra mim. – Mas duvido que qualquer um deles trocaria a fama por banalidade e uma vida longa.

Eu não a largaria, porque ela era tudo. Eles deveriam ter pensado daquela maneira, que não iriam deixá-las, mas foram estúpidos de fazerem exatamente isso. Eu não faria isso.

− Então, como os escolhe? – Eu deveria ter o que ela queria, e se eu não tivesse, eu criaria aquilo. Eu faria qualquer coisa por ela.

− Eu sinto um talento. A atração. Uma paixão, como o que sinto em você. – Eu fiquei satisfeito por ter o que ela queria.

− Eu não sou um artista.

− Talvez você só não saiba. – E ela se aproximou, segurando meus braços. Que perfeita... – Tem algo profundamente poderoso em você. Não sei o que é, mas me sinto atraída por isso.

Eu não poderia dizer que estava feliz, nem alegre, mas só se a esses sentimentos algo sombrio pudesse ser adicionado. E eu queria ampliar o que a atraía, para evitar que ela sequer pensasse em se afastar de mim...

− Isso te assusta? – Seus lábios se aproximaram dos meus.

− Deveria?

− Só você pode responder.

− O que te assusta? – Porque eu iria destruir o que quer que fosse.

− O que pode acontecer se você ficar. – E Khloe se transformou no Wesen mais perfeito que eu já tinha visto em toda a minha vida.

Sua pele era azul, translúcida e brilhante, cheia de pontinhos brilhantes, e suas orelhas eram como as de um elfo, pontudas; seus lábios eram rosadinhos, e suas maçãs do rosto eram coradas, e seus olhos brilhavam com uma cor azul céu, e seu cabelo era um vermelho divino, e ela era toda perfeita.

Eu me inclinei para beijá-la de novo, mas ela se afastou como se eu fosse uma doença, e aquilo foi como milhões de tiros. Minha musa não poderia me rejeitar.

− Eu não deveria ter feito isso. – Eu precisava trazê-la de volta para mim.

− Eu não vou machucar você.

− Eu sei o que você é. – Os olhos dela mostravam todo o seu medo. – Olha, isso foi um erro, você precisa ir embora.

− Khloe, estou aqui pra te ajudar. Não precisa ter medo de mim. – E eu avancei, porque só precisava dos lábios dela comigo de novo, nos meus, precisava ser absorvido por ela, e eu a puxei pra mim, ansiando todos os nossos beijos, porque ela seria minha pelo resto das nossas vidas, mesmo que eu tivesse que morrer amanhã, minha, e ela ficava se esquivando como se doesse mas eu iria mostrar pra ela que éramos feitos um pro outro...

E meu celular tocou.

A raiva me consumiu todo e completamente, mas eu atendi o celular mesmo assim, só com o objetivo de dar a resposta mais grosseira da minha vida. Eu não tirei os olhos dela por um segundo, porque nenhum ser humano desprezível tinha o direito nem poderia me fazer parar de olhar pra ela...

− Burkhardt.

− Então vai jantar com a Juliette? – A voz do Monroe foi como um balde de água gelada em uma velinha.

Foi como se milhares de vidros tivessem quebrado, uma caixa inteira, e eu estava dentro dessa caixa, despertando rapidamente do meu transe.

O que...

− Monroe?

Sim, com sua irmã e dois bifes veganos descongelados. – Nós tínhamos combinado de ir jantar, antes de eu ir ver o Hank na cafeteria e toda aquela maluquice começar. – O sino do jantar tocou?*

− Ah, meu Deus, eu deveria estar na casa da Juliette. – Ouvi a voz da minha irmã no fundo, mas não soube o que ela dizia até que ela estava falando ao telefone:

− Ou com o Monroe, tadinho, você deu um bolo nele. – E então voltou pro Monroe. – É, ela ligou. Foi quando eu suspeitei que você não apareceria.

A culpa foi me tomando, e todo aquele sentimento entorpecedor pela Khloe foi sugado para algum vazio, e eu até me senti mais leve.

− A não ser que você queira jantar duas vezes hoje.

− Estou no meio de uma investigação agora – Anunciei, meio que lembrando que era esse meu primeiro objetivo. – Eu te ligo de volta.

− Tudo bem. – E ele desligou.

Nunca me estranhei tanto quanto naquele momento. O que havia dado em mim? De novo? Que espécie de substância teria em alguma coisa que eu tivesse comido, ou bebido, ou sei lá?

− Tenho que ir. Tranque a porta quando eu sair. – E eu saí daquele buraco negro, estranho e pesado.

*

Bati na porta de Juliette, sentindo minha mente meio distante, mas ainda determinado a estar ali.

E ela abriu, tão... Juliette quanto sempre, mas eu não me senti iluminado como eu costumava me sentir antes.

− Desculpe o atraso.

− Eu estava preocupada, pensei que tinha mudado de ideia.

− Não, só fiquei preso em um caso. – Olhei o cabelo dela. Era ruivo, um ruivo castanho, bonito, e eu amava o cabelo dela, então o que tinha acontecido comigo que eu não me sentia mais tão encantado pelo cabelo dela?

− Está tudo bem, só estou feliz que esteja aqui. – Ela sorriu, e foi bonito, mas... Bonito. – Entre.

Entrei e tirei meu casaco, analisando qualquer coisa pra ver se ela tinha mudado algo. Não tinha, mas mesmo assim, eu disse:

− A casa está incrível.

− Ahn, eu não mudei nada. – A mão dela parou no meu ombro, e foi só isso. Só a mão dela no meu ombro. – O jantar está meio frio, então vou esquentar.

E ela se foi.

Joguei a jaqueta sobre o sofá e levantei as mangas de minha camisa de um jeito meio desleixado. Aquela casa pra mim antes era um lugar seguro, um pequeno santuário pra ficar com Juliette, um local com luz e alegria. Mas estava...

O problema era comigo, mas o que era?

− Então... Sobre o que quer conversar comigo? – Decidi ir logo ao assunto, para sair dali. Alguma coisa estava me incomodando, e mesmo que eu quisesse ficar, queria sair.

− Ah, direto ao ponto. Tudo bem, acho que não há razão pra não ser... – E eu ouvi a voz da minha musa.

− Se não fosse por você...

− As coisas estão começando a ficar mais claras pra mim. Bom, claras talvez não seja a palavra certa. Seja lá o que for... – Ela deve ter continuado falando, mas eu não estava mais ouvindo a voz dela. Estava ouvindo a voz de Khloe.

Eu sinto um talento, uma atração... – A voz dela estava vindo de algum lugar perto da janela. – Como o que sinto em você...

Aumentei meus passos e afastei um pouco a cortina, olhando para a escuridão lá fora. Eu não a via, mas ouvia a sua voz... Ela deveria surgir e logo toda a escuridão acabaria, porque ela era pura luz, ela e sua pele brilhante, incrível, e seus cabelos totalmente vermelhos...

− Uma paixão...

− Nick? – Juliette me chamou, e eu tive que olhar para ela.

E então eu entendi o que faltava naquela casa: Khloe. Juliette nunca seria Khloe e era por isso que aquele lugar não valia mais nada para mim.

E me doeu um pouco o coração pensar daquele jeito, porque parte de mim ainda amava a Juliette e ainda se segurava àquele sentimento e à esperança de tê-la de volta.

− Sim?

− Estou tentando me desculpar.

− Pelo quê?

− Por como as coisas têm sido entre nós, e... Como o tenho tratado. – Ah, era aquilo. – Pensei que estivesse enlouquecendo. E, para todos os propósitos, eu estava perdendo a cabeça mesmo... – Eu não sabia o que fazer, só sabia encarar. O que eu deveria fazer? Enfim, dei um sorrisinho meio duro. – E acho que eu precisava disso, porque minhas memórias de você estão voltando...

E a voz de minha nova mulher me chamou de novo.

− Nick. – Prestei mais atenção...

− Talvez não nitidamente...

− Nick.

− Ou logicamente. Mas quero que saiba que estou começando a me lembrar de você, e das coisas que fazíamos e do que eu sentia.

− Nick.

E ela surgiu, tão linda e incrível naquele roupão azul que nunca seria tão macio quanto sua pele, e seu cabelo vermelho incrível e estonteante, e sua pele, que ora estava normal, mas logo se transformava na linda Wesen que eu tinha visto antes.

A Juliette continuava falando, mas e daí? Tudo que me importava era Khloe. Tudo o que eu desejava era Khloe. Khloe era tudo, e nenhuma mulher nunca seria tão incrível nem tão perfeita para mim como Khloe.

Eu sorri. Ela tinha vindo, percebido como éramos feitos para ficarmos juntos e tinha vindo me buscar. E eu iria embora dali, e ficaria com ela, e eu seria o homem que ela nunca trocaria por ninguém.

Coloquei a mão na moldura da janela, encantado por ela, e pronto para abri-la, até que fui interrompido pela mão de Juliette (ela ainda estava ali?) no meu ombro.

E Khloe se foi.

− Você ouviu o que eu disse? – Aí eu acordei pra vida.

− Desculpe, o quê? – E ela ficou com um olhar triste que me fez sentir mal. – Olha, eu estou me sentindo meio desligado hoje. Acho que o trabalho está começando a me afetar.

− Tudo bem, talvez essa não seja uma boa hora. – Ela se afastou um pouquinho, e eu queria dizer algo para consolá-la, mas a minha mente, eu, estava em outro lugar. Com a Khloe.

− É, você deve estar certa. – Saí de perto dela e peguei a minha jaqueta, indo para a porta, para longe dali. – Obrigado. Nos falamos em breve.

*

Dali, eu fui pra casa do Monroe, até meio surpreso que eu não tinha batido o carro, e me sentindo meio irritadiço. Eu só queria beber uma cerveja e dormir, ou ir até a Khloe, para que não passasse nem mais um segundo longe dela.

Enfim, eu teria que pelo menos ir dormir, mas foi só abrir a porta que eu ouvi a voz do cachorro.

Nick? – E a da minha irmãzinha querida.

− Oi, mano! – Ela apareceu com um copo de água. – Estávamos meio que falando de você.

− Já chegou em casa? – Quase revirei os olhos. Não, não era eu. Era meu clone, quê isso.

Ele surgiu da sala onde ficava para consertar os malditos relógios.

− Cara, espero que não tenha vindo pra um segundo jantar, porque eu meio que chamei a Alicia e ela comeu o outro bife. E eu estava só brincando. – A garota sorriu, toda se fingindo de inocente, e eu me perguntei quanto tempo mais teria que aturar aqueles dois.

Eu não estava prestando atenção, estava analisando o local, ansioso, esperando que Khloe voltasse. Onde estava ela?

− Então, como foi? – Como eu fazia pra Monroe calar a boca? – Ela fez parecer que seria um jantar importante.

− Ele voltou muito cedo – Alicia observou. – Sei lá, eu esperava que ele ficasse por lá.

− Nós não comemos – Respondi, querendo, pelo amor de Deus, que eles se calassem.

− Hmm... Foi até a casa dela pra jantar e não comeram?

− Mas o que você não comeu, especificamente? – A outra falou, maliciosa, e quase deu pra ouvir a piscada irritante nas voz irritante dela.

− Bom, vocês devem ter conversado muito.

− Não, não conversamos.

− Bom, deixe-me dizer... Huh. – Esse deveria ser o grande momento, sabe? Ela está se lembrando de você, te chamou pra jantar...

Aquele era o meu limite. Minha cabeça estava pulsando e a garota esparramada no sofá só me fazia lembrar o quanto Khloe era superior a todas elas.

− O que você quer? – Atirei, e vi os dois se retesarem.

− Que diabo é isso? – Alicia exclamou, mas com um tom baixinho.

− Não é o que eu quero, só estou querendo apoiar. – Monroe deu de ombros, claramente confuso, mas eles dois estavam passando do limite de suportáveis.

− Por quê? A minha vida pessoal te interessa tanto assim? – Os dois meio que ficaram super surpresos, e eu ouvi os saltos dela fazerem baques no chão.

− Como? – Esse foi o Blutbad.

− Nick, que diabo deu em você? O Monroe só está te perguntando como foi! E eu também quero saber, né.

− Por que alguma coisa tem que ter dado em mim? – Me levantei, e a minha altura a mais não a intimidou. – Olha, nós não comemos, nós não conversamos. O que mais vocês precisam saber?

− Talvez porque você está agindo assim. – Eu ergui uma mão pra ela, como quem diz “cala a boca”.

− Exato.

− Eu não entendo isso. – Risadinhas irônicas foram junto com a frase. – Eu não preciso ser grelhado quando chego em casa, o trabalho já faz muito isso.

− Grelhado? É isso que acha que estou fazendo? Quer saber, há algumas horas atrás eu estava mesmo grelhando. Ou, cozinhando, na verdade, pra um jantar que você se comprometeu.

Ah, pronto, era tudo pela maldita carne, que nem era carne?

− Meu Deus, quer que eu te pague pelo bife vegano?

− Quer que eu te dê um murro na cara? – Alicia ameaçou.

− E você lá tem altura pra isso? – Ela grunhiu, e até avançaria em mim, se não fosse o Monroe:

− Alicia, não. E eu não quero que você... Ah, esta não é a questão. – E ele assumiu um tom mais... Autoritário, o que era quase risível. – Há meses, está morrendo para que Juliette se lembre de você. E agora, ela finalmente lembra e você nem... Me desculpe se estou confuso.

− Todos estamos.

Eu definitivamente não iria dizer mais nada, nem responder mais nada. Eu não precisava deles. Eu precisava de Khloe, e de cerveja, e de Khloe. Eles pareciam os gêmeos mais irritantes da Terra, um do lado do outro.

− O quê? Vai me deixar falando? – Ele perguntou, quando passei por eles, indo pra a porta. – Ah, você vai sair, que legal, vai pra onde?

− Que tal você procurar uma vida pra cuidar? – Rebati, e fechei a porta com força. Ainda deu pra ouvir os dois reclamando:

Que babaca, cara.

− Acho melhor ele começar a procurar a própria casa.

*Alicia*Antes disso*

Assim que saímos, me despedi de Monroe e Rosalee (novos melhores amigos) e fui para a casa do capitão.

Não, não havia nenhuma sessão pegação reservada para as nove hoje, eu só queria ver como ele estava do tiro.

Isso soou como a maior desculpa esfarrapada do século, mas ok.

Enfim, eu fui mesmo, e eu estava pensando em começar a inovar na maneira de entrar no apartamento dele (quem sabe de tocaia no corredor?) quando ele atendeu.

− Posso saber o motivo da visita de hoje? – As pupilas dele estavam levemente dilatadas quando os olhos dele passearam pelo meu corpo.

− Eu ouvi as más línguas dizerem que você tinha tomado um quase tiro. E eu vim ver o estrago. – Sorri pra ele e entrei. – Então?

− Deixa eu só pegar um uísque. Só fiquei com cortes do vidro na nuca, na verdade. – Ele pegou um copo e colocou um pouco da bebida de cor dourada dentro. – Quer?

− Sou do champanhe, sinto muito. – Ele deu de ombros e bebeu. – Hm, acho melhor você sentar se quer que eu veja a gravidade dos cortes.

− Eu não quero, mas sinto que não tem opção. – Ele rodeou o sofá e sentou, e eu me aproximei enquanto ele abaixava a cabeça.

Havia cortes ali mesmo, curtos, mas meu medo era a profundidade deles. Uns deles pareciam recentemente abertos, pelo menos mais recentes que o resto.

− Fez alguma coisa pra abri-los? Tem uns aqui que parecem ter sido...

− Não, nada. – Ele me interrompeu, e eu estranhei aquilo. – Fora uns exercícios*. Só.

− Hm. – Eu já tinha terminado a análise, mas meus dedos ficaram passeando pela nuca dele. – Pelo menos não machucou.

− O Nick te pediu ajuda pra descobrir quem atirou em mim? – Assenti. – A cara dele. E o que descobriu?

− Fique chocado, porque era uma híbrida. – Ele se virou pra mim. – Te garanto que não foi nem eu nem nenhuma das minhas amigas.

− Tem mais algum híbrido na cidade?

− Sim. Querendo te matar. – Deslizei a mão pro ombro dele. – Eu prometo que vou pegá-la, ok?

− Não precisa se meter com isso. – Ele me olhou, e eu apreciei aqueles olhos verde oliva que eu nunca mais poderia ter.

− Já foi.