Welcome to Silent Hill

Capítulo 2 - Pesadelo em Silent Hill


Eu podia ver parte dos prédios através da camada densa de cinzas que cobria o ar em toda parte. Sabia o que era porque ao tocar meu rosto, a senti se desfazer. Minhas roupas estavam sujas, efeito da minha exposição excessiva sob elas. Me lembro de ter andado um bom tempo pelas ruas até avistar o vulto de uma garota que pela minha visão precária me pareceu familiar. Eu a segui enquanto gritava qualquer coisa que a fizesse parar, porém nada a convenceu, ela continuou correndo e ficando cada vez mais longe da minha visão, até finalmente atravessar um beco entre dois prédios e sumir em um lance de escadas que a levou para algum lugar mais baixo e escuro. Decidi ir com cautela enquanto descia os degraus, eu não sabia aonde aquele lugar daria ou se estaria segura lá embaixo, foi quando ouvi o soar de uma sirene. O som fez com que eu voltasse meus olhos para o topo da escadaria e parasse no meio do caminho. Curiosamente, o céu se tornou escuro de repente deixando o beco que já não estava iluminado ainda mais assustador. Eu não podia voltar, e não sabia se queria descer, mas foi o que fiz. Eu apalpei meus bolsos a procura de um isqueiro que pertencia ao meu pai. Ele havia dado a mim me fazendo prometer que nunca usaria para acender um cigarro, deveria carregá-lo comigo apenas para o caso de estar encrencada e precisar. Eu girei a valvura fazendo a chama brotar iluminando parcialmente o local onde eu me encontrava. Para minha surpresa, nada estava como antes, as paredes cobertas por cinza deram lugar a tinta descascada e algo vermelho que parecia sangue. Tentei manter a calma enquanto meus pés me levavam para baixo, e segui até o final da escadaria, virando a direita por onde andei até chegar a um corredor largo e umido. Haviam latas de metal no caminho sobre os quais eu tropecei, também notei grades que cercavam todo o lugar mais a frente. Eu não tinha certeza de que prédio era aquele, mas lembrava um tipo de depósito. Novamente eu vi a garota que estava seguindo, ela correu por entre o corredor cercado e eu a segui, tentando chamá-la. Corri sem ver exatamente para onde ia, até parar no centro de uma sala vazia onde vi uma cama velha de metal com trapos queimados em cima. Ouvi o sussurro de alguém, quase um gemido assustador. Descobri que o som agonizante vinha de uma das grades, mais precisamente de um corpo pendurado na cerda de ferro. O homem vestia uma espécie de macacão escuro e seu rosto estava coberto por uma máscara de minerador, ele estava vivo e olhando direto pra mim. Apavorada eu dei alguns passos para trás esbarrando em algo, parecia uma criança com o corpo completamente queimado, tinha olhos terríveis, e fedia a carne morta. Aquilo tentou me segurar antes que eu pudesse gritar. Eu corri sem direção certa, esbarrando contra outras daquelas coisas. Desesperada me debati contra as grades gritando por socorro. Por uma fenda em uma das grades eu finalmente pude escapar, mas aqueles aberrações assustadoras me encontraram e tentaram se agarrar a mim. Encontrei uma porta de metal no final do corredor na qual me joguei com o peso do corpo até que ela se abrisse. Meus ouvidos não ouviam mais nenhum som, eu caí no chão e tentei me arrastar para longe daquelas coisas enquanto elas arranhavam minhas pernas com suas mãos ásperas e sujas. Um zumbido em minha cabeça fez com que eu apagasse totalmente.
(...) Eu queria chegar logo em casa, estava cansada da última aula de educação física e de toda a perseguição de Lindsey. Meus fones de ouvido me salvaram do barulho irritante dos carros da rodovia enquanto eu andava pela calçada. Pude ouvir meu nome vindo do outro lado da rua, quando passava em frente a locadora do bairro. Retirei os fones assim que vi quem era. Jonathan era amigo do meu irmão Shay há pelo menos uns quatro anos, ele sempre frequentava a nossa casa e minha mãe adorava ele. Jonathan tinha cabelos loiros, os mantinha em um corte errado, como se ele mesmo aparasse as pontas em casa com uma tesoura cega. Sempre se vestia como alguém que não liga pra moda, calça jeans rasgada nos joelhos, piercing na sobrancelha, all star desbotado e camisas de banda. Nada daquilo é claro o deixava menos bonito do que era. Jonathan era lindo, e estava sempre sorrindo. Fazia o tipo estrovertido e brincalhão. Eu tinha uma queda por ele desde que o vi pela primeira vez tocando guitarra na garagem da nossa casa durante um ensaio da banda que ele e Shay tinham. Meu irmão havia entrado para a banda um ano depois que se conheceram, e não havia nada no mundo que ele se orgulhasse mais.
Jonathan subiu a calçada e continuou andando até estar diante de mim. Ele sorria, como sempre, mostrando seu melhor lado. Com as mãos nos bolsos, ele deu início a uma conversa assim que parou.
— Oi! - disse ele parecendo tão sem graça quanto eu.
— Oi! - respondi sem conseguir disfarçar minha reação boba.
— Eu, vi você do outro lado da rua, tá indo pra casa?
— Tô. Acabei de sair da escola.
— Ah, legal. Eu precisava mesmo ir até lá, falar com o Shay, mas preciso voltar pro trabalho. Você pode fazer um favor pra mim?
— Tá, claro. O que quer que eu diga a ele?
— Eu to com uma grana que ele me emprestou, já deveria ter pago, mas... Você se importa?
— Não, tudo bem, eu levo pra ele.
— Legal. - ele tirou as mãos dos bolsos e junto uma carteira de onde apanhou algumas notas. - Olha, diz pra ele que o lance do ensaio não vai dar, e que a gente combina tudo depois, tudo bem? - Jonathan entregou a mim o dinheiro.
— Tá. - eu estendi a minha mão para alcançar as notas. - Quer que eu diga mais alguma coisa?
— Não, é só isso.
— Tá legal.
Por alguma razão idiota eu fiquei parada ali, apenas sorrindo enquanto olhava para Jonathan. O formato da boca dele enquanto sorria de volta pra mim era uma forte distração.
— Bom eu, vou indo nessa. Se é só isso...
— É, é isso aí.
Talvez eu estivesse fantasiando demais, mas tive a leve impressão de que Jonathan também não queria sair dali. Mas eu precisava voltar pra casa um dia, e ele provavelmente tinha trabalho pra fazer e eu estava atrapalhando.
— Então tá!
— A gente se vê, Alice.
Outra vez a sensação de que Jonathan não estava muito a vontade para ir embora me deixou animada. Ele se virou devagar com as mãos de volta nos bolsos e atravessou a rua. Devo ter ficado parada ali, feito uma boba apenas o olhando de costas. Voltei pra casa logo depois com meus fones nos ouvidos e um sorriso completamente idiota na cara.
(...)

— SAIAM DAQUI!
Eu acordei com a cabeça dolorida, e a sensação de que aquelas coisas ainda estavam ali em algum lugar, mas ao abrir os olhos me deparei com a luz do dia entrando pelas janelas do lugar onde me encontrava. Ao me levantar foi que descobri onde estava o tempo todo. A pista de boliche estava empoeirada como o resto do lugar, os pinos jogados uns sobre os outros assim como plástico e bandeiras rasgadas cobriam o chão. Eu saí as pressas pela porta da frente e corri pela estrada de volta até o carro. Procurei por algo dentro do automóvel que fosse útil, depois tentei novamente dar a partida sem sucesso. Apanhei o diário do meu pai de dentro do porta luvas e o guardei comigo o atravessando na cintura abaixo do jeans. Depois desci do carro e andei para a pista oposta de onde tinhamos vindo até encontrar a placa com o nome da cidade bem grande escrito nela. WELCOME TO SILENT HILL, era o que dizia. Não havia mais estrada depois daquilo, o que era assustador porque eu tinha certeza que aquele era o caminho pelo qual tinhamos vindo.
Uma mulher apareceu do nada, ela vestia farrapos rasgados e sujos, e tinha os cabelos brancos, cobertos de cinza. Tal mulher andou até mim com uma das mãos esticadas enquanto repetia:
— Alessa. Alessa... Minha doce Alessa.
— Desculpe, eu não sei de quem você está falando.
— Eles a queimaram... Minha menina, eles a deixaram morrer. É tudo culpa deles. Eles pagam agora... Cada um deles vive o inferno que criou. - ela repetia tais coisas sem que eu pudesse entender do que se tratava.
— Por favor, eu estou procurando meus amigos e meu irmão. Pode me ajudar? - eu disse ao me aproximar.
— O pesadelo dela. Ninguém está seguro. Todos vamos morrer...
Aquela mulher estava delirando, ela apontava para meu rosto enquanto andava em direção a mim. Precisei desviar de sua atenção antes que caísse no penhasco que a estrada havia se tornado. Eu voltei correndo para a cidade, e em frente ao carro encontrei algo sobre o asfalto. Um recorte de jornal que não estava ali antes, estampava a fotografia de uma escola. Eu o guardei no bolso do jeans e corri até uma parada de ônibus onde pude me localizar através de um mapa que mostrava a linha por onde os onibus da cidade passavam. Curiosamente uma das paradas era a escola estampada naquele recorte de jornal. Eu corri de parada em parada, sempre seguindo o mapa em cada poste, até finalmente chegar a tal escola. Notei que minha perna estava suja com meu próprio sangue, o que me motivou a procurar pela enfermaria em busca de algo útil para fazer um curativo. Enquanto vasculhava as gavetas da sala de primeiros socorros, ouvi passos pesados que vinham do corredor. Eu andei até a porta e avistei trÊs homens vestindo macacões e máscaras de gás. Apavorada, recordando o homem que tinha visto assim que desci aquelas escadas no beco, eu descidi me esconder. Corri o mais rápido que pude pelos corredores até estar no pátio da escola, por onde atravessei até chegar do outro lado. Subi um lance de escadas que me levou para as salas de aula, e lá aguardei por um tempo até me sentir segura. Algo chamou minha atenção enquanto passava por entre as mesas empoeiradas. As palavras, "bruxa" e " Alessa" estavam gravadas sobre uma das carteiras. Descidi erguer a tampa e ver o que havia abaixo dela, encontrando desenhos e cadernos velhos que pertenciam a uma garotinha do mesmo nome. Mais uma vez, eu corri para o corredor e me deparei com os mesmos homens, mas dessa vez eles também me viram. Eu fugi apressada até chegar a um banheiro, onde me tranquei usando um molho de chaves que havia pego na recepção assim que entrei. Eles bateram com força, e esmurraram a porta na tentativa de me fazer sair, mas felizmente foram embora quando perceberam que não conseguiriam. Novamente ouvi o som da sirene, e a luz do dia desapareceu.
— Ah não... Tá acontecendo de novo. - eu gemi de medo.
Apanhei a lanterna extra que havia pego em meu retorno ao carro e tentei acendê-la. Apontei a luz para as paredes, enquanto as via se desfazer como se algo ali as despedaçasse rapidamente. Um novo som apavorante surgiu de um dos banheiros ao fundo, ao voltar as luzes da lanterna para tal ponto, avi algo assustador surgir. A figura deformada, tinha a aparência de um homem, estava dilacerado e totalmente costurado com arame farpado. Seus olhos estavam cobertos, e sua boca cuspia algo escuro e espesso. Os pés estavam sobre a cabeça, e ele usava as mãos para se locomover em minha direção. Eu gritei apavorada enquanto me virava e tentava abrir a porta. Haviam coisas surgindo pelas paredes, como insetos nojentos e enormes que corriam direto para mim. Finalmente abri a porta, e corri o mais rápido que pude no meio da escuridão. Em um dos corredores pude ouvir o barulhos de aço cortando o chão, e a figura de um homem carregando um corpo surgiu. Em sua cabeça algo parecido como uma piramide feita de ferro pesado ocupava o lugar do rosto. Em sua mão havia uma faca, monstruosa demais para ser real. Foi o momento mais terrível em toda minha vida, o corpo em sua mão esquerda pertencia a Simon. Ele estava morto, e totalmente dilacerado por aquela criatura. Juntei todas as forças que me restaram para me levantar e correr, mas poucos metros dali meus joelhos falharam mais uma vez então eu caí.
— Por favor, alguém me ajuda. - eu pedia enquanto chorava jogada contra os armários daquilo que em nada mais lembrava uma escola. - Chega... Eu não posso mais...
A escuridão completa me cobriu quando as pilhas da lanterna perderam força. Eu não podia correr, não tinha para onde ir, e aquela coisa estava muito perto. Foi quando uma luz forte iluminou meu rosto, algo se aproximou rapida e bruscamente de mim me agarrando pelo braço e me erguendo do chão. Eu gritei enquanto me debatia:
— NÃO! POR FAVOR, NÃO. ME DEIXA EM PAZ...
Eu senti meu corpo sendo carregado até uma sala próxima dali. Fui jogada novamente no chão, enquanto tentava distinguir o que havia me levado até ali. Ele se movia rápido, levava uma barra de ferro até a porta atravessando-a na mesma para impedir a passagem daquele monstro terrível. Então ele veio até mim, se ajoelhou no chão e segurou meu rosto.
— Alice, sou eu... Jonathan.
Eu não sabia se estava sonhando, ou delirando, e não tive tempo para descobrir. Um zumbido em minha cabeça me fez desmaiar segundos depois. Eu ainda podia ouvir a voz de Jonathan chamando meu nome, enquanto sacudia meu rosto... depois tudo sumiu.