Rikka

Após uma hora de estudo, me espreguicei na cadeira tendo a certeza de que tudo havia sido feito e completado no meu dia. As roupas, sapatos, tudo, só estranhei que dessa vez, nesse final de semana, ninguém me chamou e nem ligou para sairmos juntas. Não que isso me incomode, afinal, tinha muitas coisas para fazer e de todo o jeito, teria que rejeitar.

Olhei para Ira, dormindo ao meu lado, em minha cama. Recordei de suas palavras mais do que as que ouvi de outros e já me senti enganada por tê-las com esperança.

Com certeza ele não irá cumprir

Pensei.

Não existe formas de duvidar de alguém quando vocês estão quase se matando sempre que se veem, mas admito, pela primeira vez, vi a sinceridade em seus olhos. Não somente na nossa briga, mas na interação que tivemos hoje. Conversamos como nunca fizemos e com dificuldades, é claro. O vi gaguejar, corar e ficar ansioso. Não sabíamos sobre o que conversar e com algumas perguntas - que eu comecei -, conseguimos falar sem pressão e ele pós a se relaxar com o tempo.

Ira me contou sobre sua família que morreu um pouco depois do seu nascimento, das suas traiçoeiragens, do local onde viveu por vários anos até se juntar a Mammo e Bell. São histórias que dão um belo filme de ação e aventura, só que em seus olhos mostrou serem assuntos difíceis de se lidar mesmo sendo comentado em aberto.

Falei um pouco da minha família, do meu pai que viaja o tempo todo e da minha mãe que sempre está a trabalhar, expus um pouco o meu convívio com Raquel e Mana, mas não peguei informações que pudessem me prejudicar totalmente mais tarde.

E pensar que Ira tem um lado mais sensível

A imagem dele corando veio em minha mente como uma visão rápida, a mão visível segura a fronha da cama e seu rosto virado contrário ao meu. Ainda lembro das minhas aproximações por estranhar seu comportamento e ele endureceu a cada. Se eu contasse para mim mesma no passado, duvido muito acreditar.

Levantei-me da cadeira e me sentei ao lado de Ira bagunçando seus cabelos levemente para não acorda-lo. É a primeira vez que o vi tão passivo e calmo na minha vida inteira e espero sempre tê-lo assim se tivermos que convivermos.

Olhei para o relógio que mostrou quase chegando o momento da minha mãe voltar. O balancei chamando seu nome suavemente pedindo para acordar e quando notei, ele se virou para o meu lado e abraçou minha cintura.

— Rikka.

Meu rosto esquentou. Tentei tirar os braços dele o mais rápido possível, mas ele os apertou ainda mais me jogando contra seu corpo.

Isso é uma brincadeira ou ele está mesmo sonhando comigo?

— Ira, preciso que acorde.

Murmurei apenas para ele me escutar.

Ira abriu os olhos lentamente e me olhou. A primeira coisa que fiz foi pedir para me soltar. Demorou um pouco até ele processar a informação. Seu rosto corou muito e ele me soltou em um impulso, calado, com a cabeça toda baixa.

— Minha mãe pode chegar a qualquer momento.

Ele fixou-se em mim, concordando com a cabeça e sumiu como sempre fazia.

Raquel entrou no quarto segundos depois, tentando me convencer da mesma conversa de antes. "Ira é nosso inimigo", "Não devo me envolver com ele", "Ira pode me machucar", etc; Raquel sempre pensando parecido a mim e não evitando preocupações. Escutei a cada palavra, mesmo sabendo que não mudarei de ideia tão cedo, mas sei que preciso ouvir o que tanto preocupa o meu querido e amado amigo. A verdade é que quero acreditar, quero ter esperanças em Ira nem que seja um pouco. Quero tentar mesmo com medo para não ter arrependimentos e dúvidas mais tardes!

Esperei-o terminar de se pronunciar para iniciar a minha parte da defesa ou escolha, se preferir.

— Desculpa Raquel, eu não vou parar ainda.

— Mas Rikka!

— Eu sei! Eu sei! Sabe... Estou gostando do Ira. Não quero viver de arrependimentos.

Fiquei completamente sem graça com a situação. Nunca pensei dizer algo do gênero, só que não quero mentir agora.

Raquel parou em cima da cadeira perto da minha escrivaninha com a cabeça baixa.

— Você...

— Raquel.

Queria abraçar-lo, mas sei que não posso. Ele precisa saber e me respeitar na minha decisão, independente se é a certa ou não.

— Rikka! Sua idiota!

Ele saiu voando para a janela atrás de mim.

Não o impedi em nenhum momento. Sei que está tarde, mas não sei como agir. A culpa se voltou contra mim e o aperto de te-lo que deixar ir é como das mães em ver seus filhos se revoltarem com suas atitudes. Só espero que chegue bem aonde quer que esteja indo, Raquel...

Minutos depois, mãe chegou em casa. Passou no meu quarto para me desejar boa noite e foi realizar a rotina noturna dela.

Meu celular começou a vibrar, parando um pouco depois. Era a Mana me mandando mensagens.

Mana

Raquel está aqui em casa. Aconteceu alguma coisa?

Respirei fundo, um pouco mais calma e sorrindo. Pelo menos ele está com ela.

Eu

Mais ou menos...

Amanhã nós conversamos

Boa noite

Nem mesmo olhei o que ela respondeu. Terminei meu dia cumprindo as tarefas finais e fui dormir.

No outro dia, quando cheguei na casa da Mana, ela parecia estranha. Apenas me deu bom dia e ficou em silêncio. Fiz o mesmo e seguimos o caminho. Não sei o que falar com ela e muito menos o que Raquel falou ontem à noite. Isso me deixou mais insegura, mas não posso deixar assim! Mana é minha melhor amiga e confia em mim! Deve estar esperando algum pronunciamento por minha parte. Além disso, não sei por que estou com tanto medo sendo que também se relacionou, mesmo que de forma amiga eu acredito, com Regina.

Respirei fundo, mas antes mesmo de iniciar a conversa, ela o fez.

— Rikka, o que aconteceu? Você e Raquel andam estranhos e ele está lá em casa!

Comecei a rir percebendo que temos a mesma sincronia de pensamentos e a puxei para um local mais escondido sem sairmos da nossa rota. Mana se manteve em silêncio, apenas concordando comigo e quando consegui o local perfeito para admitir, o fiz muito mais leve do que pensei fazer. Contei sobre o beijo durante a luta, de seus aparecimentos em minha casa, da nossa briga e bem pouco mesmo, da nossa conversa. Aproveitei para falar das opiniões de Raquel, da nossa briga de ontem; desabafei os meus medos e de todas as inseguranças que tenho sobre Ira. É óbvio que ela sabe que ele pode me enganar somente para conseguir nos destruir, que possa estar usando meus sentimentos, que ele possa não ser uma pessoa legal para se ter algo a mais além de conhecidos.

Mana escutou-me, atenciosa, em todos as minhas palavras, ou pareceu, pelo menos.

— Então é isso que está acontecendo...

— Sinto muito por tudo...

Ela balançou a cabeça e mexeu as mãos em sincronia. Após abaixou a cabeça com um sorriso sem graça.

— Não acho que esteja nos traindo.

— Ira é nosso inimigo e ele frequentar a minha casa é uma traição.

— Mas ele disse que vai te proteger, não disse?

— Não falou com todas as palavras, mas mesmo assim, não sei se posso confiar nele...

— Vamos esperar pra ver.

Percebi o quanto a conversa foi se animando e a quantidade de sorrisos que ela me deu tentando tirar o peso que estou carregando. Melhor amiga que isso, não há!

Concordamos em voltar para o caminho, afinal, ainda temos aulas e não podemos nos atrasar. O único aviso que Mana me deu foi para deixar em segredo de Makoto e Aguri. Uma por ter sido ele que ajudou a destruir toda a cidade onde morava e Aguri, por mais que ela nos trouxe poderes, ela pode desconfiar de todas as formas em mim e não aprovar, querendo assim nos separar.

Por um lado, fiquei muito feliz por Mana me apoiar e querer me ajudar a qualquer custo nessa relação. O medo diminuiu junto com o sentimento de estar as traindo. Talvez seja o fato de ter alguém para me ajudar caso desse errado, e não julgamentos um atrás do outro para avisar-me o quanto o que estou fazendo é errado.