We Were The Lucky Ones

1. she's got to love nobody


Havia um mês que teve aquele breve contato com sua filha. Shelby tinha uma certeza apenas: não devia ter feito aquilo.

Todos os anos que passou distante de Rachel, ela não podia recuperar. Há muitos anos ela não olhava o único álbum de fotografias que conseguiu trazer consigo com o passar dos anos.

Se alguém perguntasse a ela, ela com certeza negaria tudo o que passou durante a adolescência e juventude, não por vergonha, mas porque queria ser vista como alguém maior do que o que ela fora.

Aproximou-se lentamente do álbum mordendo o lábio como se não tivesse lá muita coragem de fazer aquela viagem ao seu passado.

Ouviu batidas leves na porta e se ela acreditasse nisso com certeza seria um sinal de que ela não deveria remexer nas lembranças dos que já se foram.

- Rachel? Eu pensei que...

- Eu conversei com meus pais e, bem foram eles que me trouxeram aqui. Eu gostaria de algumas dicas para uma futura apresentação e...

- Rachel, eu sou a treinadora da equipe adversária, você se lembra disso, não?

- Eu só quero te conhecer melhor.

Shelby parou por um instante, olhou novamente para o álbum por cima do ombro.

- Entra.

Rachel sentou-se no sofá e ficou perdida olhando para as paredes cobertas de pôsteres de peças, pelo jeito elas dividiam essa paixão: o palco.

- Você quer beber alguma coisa? Água? Café? Refrigerante? Eu preciso de vinho.

- Um pouco de água. – Shelby foi até a cozinha lembrando-se do fato de que quando Rachel está chateada ela bebe água, realmente ela não devia ter forçado esse contato entre as duas.

Pôs água num copo para Rachel e um pouco de vinho para si e voltou para a sala.

- O que você vai fazer depois das Regionais? – Rachel perguntou. Shelby sentou-se numa poltrona próxima ao sofá onde Rachel estava sentada.

- Bem, no final do ano eu volto... Vou para Nova York. – tomou um pouco do seu vinho.

- Você é de Nova York? Eu pensei que você fosse daqui...

- Você quer algo pra comer? Eu posso pedir uma pizza... – Shelby levanta-se

- Eu só quero saber sua história.

- A verdadeira ou o que conto para os meus alunos todo começo de ano?

- Você é minha mãe eu imagino você como uma versão perfeita de mim.

- Então você quer ouvir a história que eu conto todos os anos.

- Eu quero te conhecer.

- Então eu vou acabar te decepcionando.

- Nem tudo na nossa vida é como queremos, sei que às vezes temos que ser competitivos e fazer coisas desprezíveis para chegar a um bom lugar. Seja lá quem você prejudicou no caminho; eu estou pronta.

- Então, do começo. Prazer, meu nome é Maureen Johnson.

- Não, seu nome é Shelby Corcoran.

- Não, meu nome é Maureen Johnson mesmo.

- Eu não... Estou entendendo.

- Eu mudei meu nome há alguns anos, antes de você nascer. Você é uma menina esperta, o que era Nova York no fim dos anos 80? – Rachel ficou olhando para Shelby, ou seria Maureen? Sem saber o que dizer – Já ouviu falar de Alphabet city?

- Eu gosto muito de Avenue Q. There’s a fine fine line é a minha favorita.

Maureen gargalhou alto, pôs a mão na boca e olhou para a adolescente à sua frente. Ela estava entre contar como se fosse um conto de fadas com encenação exagerada e efeitos teatrais ou se devia ser sincera e mostrar o que realmente pode ser Nova York.

- Espera um pouco. – levantou-se e caminhou até uma estante. Rachel a seguia com os olhos curiosa para o que ela iria pegar. Shelb... Maureen voltou com um álbum de fotografias enorme. – Acho que você pode conhecer a minha história só por folhear isso.

Rachel pegou o álbum e abriu na primeira foto, um grupo de sete pessoas ao centro podia ver a mulher que reconhece ser sua mãe vestida de... Mulher gato?

- Quem são essas pessoas?

- Minha família.

- Como você os conheceu?

- Em tantos lugares diferentes. Esse loirinho esquelético com uma câmera na mão é o Mark Cohen, ele eu conheci era mais nova que você. Aposto que até hoje ele não me perdoa pela bagunça que eu fiz no Bar Mizbah dele. – falou engasgando entre gargalhadas e um choro. Há tanto tempo ela não falava deles.

- E os outros? – os olhos de Rachel brilhavam por mais que ela não tivesse amigos, o Glee club e suas esquisitices mostravam ser coisas do dia-a-dia do passado da pessoa ao seu lado. Ela sempre achou que tudo aquilo passava assim que você acabava o colegial, mas as pessoas da foto pareciam ser “os estranhos” do mundo dos adultos.

- Esse é o Collins, eu não consigo me lembrar mais como o conheci. – apontou pra um negro mais alto. – Esse é o eterno namorado dele a Angel.

- Ela é mais fabulosa do que eu.

- Eu pensei que crescendo com dois pais você já estivesse acostumada com esse tipo de coisa.

- Eu nunca serei acostumada com pessoas com estrelas que brilham mais forte que a minha.

- E Angel não era uma estrela, ela foi um sol na vida de tantos...

- Quem é essa? – apontando para a mulher ao lado de Maureen.

- Essa é Joanne, minha ex-namorada. – Rachel olhou com os olhos arregalados para Maureen. – De novo, você tem dois pais. Os outros dois são Roger e Mimi. A Joanne sempre foi muito certinha, fazia lista pra tudo. Se ela fosse comprar roupas novas ela faria uma lista das coisas que mais precisava e uma lista das coisas que mais queria, compararia as duas e então sairia pra comprar. O Roger pode ser facilmente comparado com o Zangado dos sete anões e é só isso que tenho a declarar. – Rachel riu. – E a Mimi era muito doce e muito irresponsável talvez por isso nos déssemos tão bem.

- Eu não entendo porque você teria vergonha deles.

- Eu não tenho. Quando eu mudei meu nome eu queria que as pessoas me vissem como algo muito maior do que a atriz que fazia performances num espaço todo pichado no final da Avenida A e que se recusava a pagar aluguel. Bem, eu não tinha dinheiro pra pagar o aluguel mesmo a Joanne tinha, mas o bulldog do Benny queria o espaço pra construir aquele maldito cyber Studio.

- E como você veio parar em Ohio? Por que você saiu de onde as coisas acontecem pra o fim do mundo?

- O Mark estava tão focado nos filmes dele que nós não existíamos mais, bem eu não existia mais e a Joanne não agüentava mais as minhas andanças e... Eu a machuquei de um jeito que ela não podia mais ficar comigo, surgiu essa oportunidade aqui em Lima e talvez pudesse realmente der certo de chegar à Broadway, eram umas tryouts fora dos lugares comuns, mas realmente podia dar certo. Mudei o nome, Shelby Corcoran é um nome que impõe mais respeito que Maureen Johnson. A peça fechou em poucas semanas e eu fiquei sem dinheiro pra voltar.

Rachel pela primeira vez na vida se via sem nada pra falar, pra ser mais preciso ela tinha a certeza que não devia falar nada.

- Eu estava lendo os classificados um dia e eu vi sobre seus pais que me lembraram tanto da Angel e do Collins e o dinheiro era o suficiente pra que eu voltasse pra Nova York.

- Por que você não voltou?

- Eu não tinha pra quem voltar. Aqui eu tinha você.

- O que aconteceu com os outros?

- Eles morreram querida.

- Como...

- Eu vou repetir a pergunta, você sabe como era Nova York no fim dos anos 80? Melhor, como estava o mundo no fim dos anos 80? Como diria o Mark: se você está morrendo no fim do milênio, você não está sozinho. – Rachel novamente percebeu que não tinha o que falar. – Angel, Collins, Mimi e Roger tinham AIDS. A primeira a ir foi Angel, meses depois foi a Mimi, então o Roger e por último o Collins o maior cavalheiro que eu conheci na vida. Voltar pra uma Nova York sem eles e ficar aqui... Dava na mesma aqui ainda tinha a aventura do desconhecido, Nova York eu conheço como a palma da minha mão. Lima era um mistério.

- Você vai voltar pra Nova York por quê?

- Eu preciso vê-los de novo, nem que seja só ao visitar seus túmulos. O Life Café já deve ter fechado há muito tempo... Por mais que eu seja sua mãe você tem seus dois pais que sabem tudo sobre você, te dão água quando você está chateada. Por mais que eu tenha uma carreira bem-sucedida, alguns conhecidos que chegam próximos a ser amigos. Eles eram minha família. Por mais que eu me arrependa de ter me aproximado de você tão tarde porque você não precisa de mim, e eu sou o tipo de pessoa que preciso saber que sou necessária, você me fez lembrar deles. Que o sangue é um elo que não importa quando se tem uma história digna de conquistar os palcos do mundo inteiro com um grupo fantástico de pessoas.

- Eu vir aqui foi claramente um engano. – Rachel levantou-se, pegou o casaco encima de uma cadeira. Aos olhos de Maureen era exatamente o que ela tinha feito naquele dia no auditório. – É muito tarde pra uma reaproximação. Na primeira vez não houve uma correndo em câmera lenta em direção a outra e agora não tivemos uma crise histérica de choro enquanto vimos o quão parecidas éramos e decidimos que nossa vida nunca mais seria a mesma se nos afastássemos novamente. – abriu a porta e saiu.

- Drama Queen. – Maureen disse baixinho antes que pudesse pensar. Seus olhos caíram novamente sobre o álbum e ficou presa entre chorar ou cair na risada por toda a ironia da situação.