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Verdadeira essência


Cap. 11 - Verdadeira essência

Em suas memorias havia uma garotinha de cabelos longos e negros como o ébano com um sorriso travesso e doce, que nunca parava de segui-lo. E mesmo quando não queria ser encontrado, a pequena parecia saber exatamente onde acha-lo, e o fazer esquecer dos problemas. Ele nunca tivera uma vida fácil, seus pais haviam morrido deixando o título de Grã-duque, bem como uma vasta riqueza e o comando da província a ser administrada pelo mesmo quando chegasse a maior idade. Seu tio e único parente vivo, administrava e ocupava o título que era seu por direito, ao ponto de acreditar realmente que tal nomeação pertencia a ele.

A garotinha em questão era filha de coração da grande amiga de sua mãe, a Duquesa Delancler, uma mulher bondosa que não podia ter filhos, criou a pequena como sua. Lembrava que a conheceu quando a mesma tinha cinco anos de idade, ele havia escapado de um de seus professores, estava farto de ter aulas de etiqueta, quando ouviu uma voz cantarolando uma melodia estranha e infantil, mas ao mesmo tempo reconfortante. Seguiu a voz, que o levou para o jardim da ala leste, onde encontravam-se as mais variadas rosas de todo o reino, sendo este jardim em questão o predileto de sua mãe.

Quando encontrou o pequeno ser que cantarolava tal melodia, achou primeiramente que estava maluco por achar aquela pequena criatura fosse tão bela e fascinante. Ela não deveria ter menos de 5 anos, mas quando seus olhos se encontraram não pode desviar deles, pois eram olhos que enxergavam além, e que eram tão hipnotizantes, que não conseguia evitar se aproximar dela.

Lembrou-se também que aquela pequena começou a praticar esgrima e outras artes com sua espada a pedido de sua mãe. Ele não se importava de deixar a garota aprender a se defender, o que o incomodava era ela de uma maneira estranha sempre ganhar dele quando lutavam, exceto daquela vez que resultou um empate, e que ambos teimosos queriam uma revanche. E que também naquela fatídica noite, quando seu tio fizera um pedido inusitado a Duquesa, solicitando que a pequena aparece-se naquele baile e cantasse para os convidados. Aquilo ele sabia era uma forma de tentar o irritar, pois contrariava todas as normas de etiqueta, sendo que toda jovem dama era apresentada a sociedade apenas quando tivesse 15 anos. Havia algo suspeito naquela noite, pois nunca vira seu tio sorrir daquela forma maníaca, toda vez que pedia para a pequena cantar outra canção. Se controlou ao máximo que pode para não pegar a pistola escondida em sua bota e atirar-lhe contra o peito. Com muito custo, ele se acalmou e retirou a pequena daquele recinto infestado de abutres nojentos da sociedade, e a levou próximo ao cais, onde haviam algumas ruínas de alguma construção antiga e no intuito de se acalmar puxou a pequena para uma falsa.

Ela tinha apenas dez ou onze anos, mas sobre aquela luz da lua e valsando ao som de uma melodia distante, ele soube que a queria ao seu lado por toda a vida, ela seria sua companheira e nada e ninguém poderia tirar-lhe isso. Mas então as linhas do destino trabalharam contra a maré, e ele teve que deixa-la aos cuidados de uma dama de honra duvidosa. Três anos mais tarde, depois de conhecer grande parte do oceano e treinar com Lory, que tonou-se um verdadeiro pai para o mesmo, aquela mesma dama contou-lhe que a sua pequena flor havia encontrado com seus antepassados, que por conta de um fatídico acidente ela havia se afogado e seu corpo nunca foi encontrado. O desespero que sentiu aquele dia, fora tamanho que não conseguia se controlar-se, quebrou mais da metade daquele estabelecimento, socou mais da metade dos homens que tentavam o impedir de destruir mais coisas, e suas lagrimas a tanto tempo contidas era derramadas lembrando todos os momentos que passara com ela, desde seus sorrisos calorosos a sua cara de brava e que nunca mais a veria. Naquele momento Kuon Hizuri deixou de existir e Ren Tsugara nasceu, alguém que não tinha medo da morte, louco o suficiente para desafia-la, roubar tesouros desconhecidos e se aventurar entre os prazeres da carne e uma bela dosagem de rum para fechar o pacote. Se tornou capitão do navio Black Bird e passou a ser temido, sendo sua fama repercutindo dos mais nobres aos mais simplórios piratas. Para ele não havia piedade para aqueles que praticavam crimes que desonravam o código e que eram pagos com a própria vida.

Então seis ou sete anos mais tarde, voltando de uma noite de glorias e bebidas, em Tortuga, ele pensou que a insanidade havia o tomado de vez, no convés de seu navio três damas os encaravam, mas a que chamara sua atenção foi a dama de longos cabelos cor de ébano e olhos dourados como ouro. Parecia que os deuses haviam lhe pregado uma peça, pois não era possível que estivesse viva. Mas ao lutar com um de seus marujos, ele soube que era a sua flor que lutava diante de si, que estava tão viva quanto ele, fez com que algo que achou que estivesse morto a muito tempo voltou a viver. No mesmo instante em que ela falou, percebera que havia algo de diferente na maneira dela se portar, inclusive seu olhar antes tão caloroso e agora tão frio e repleto de segredos. Sabia que ela escondia algo, muito além dos abusos que sofria na mão daquele infeliz, um segredo que a consumia a todo o instante, mesmo nos momentos em que estavam apenas eles, lá estava ele a assombrando.

E agora diante de si, lá estava ela, tão bela e destemida, atravessando aquele salão vestindo aquelas vestes cor de fogo, como se fosse inferno. Mas ela já havia enfrentado nas mãos daquele infeliz, e ele soube pela postura que ela adquiriu que era o crápula que presenteara o príncipe com aquelas criaturas, que muito achavam ser apenas lendas. Demorou para entender o motivo pelo qual ela tinha proferido tais palavras, e a verdade o chocou mais que tudo, pois o segredo que ela carregava não era mais segredo, e estava em sua frente o tempo todo, ele apenas não quis ver os sinais. A agilidade, a voz, tudo nela que antes era inexplicável e lhe causava fascínio, agora tinha um sentido. E se ele estava com medo agora, sim estava, mas o medo não era por ela ser uma sereia ou de perder sua alma para ela, e sim o medo dela fazer alguma sandice e acabar por perde-la novamente e isso era algo que não estava disposto a conviver.

Ao tentar segui-la fora impedido por uma parede invisível, não conseguia entender o que aquilo significava, até que olhou para Kanae, que estava ajoelhada no chão como se estivesse orando. Ele então percebeu que sua aparência havia mudado completamente, e os cabelos antes escuros agora possuíam um tom azul e os olhos antes cor de oceano, se tornaram um azul acinzentado. Ele tentou em vão chama-la, mas ela apenas respondeu para que ficasse quieto e observasse. Seu primeiro imediato ainda, não conseguira acreditar que a dama que lhe tirou o sono, todas ao noites ao se deitar era um ser lendário. Mas o que com se passava na cabeça, tanto de um como o outro era que se aquela garota era capaz de criar um escudo invisível, o que seria capaz de fazer Kyouko?

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Ela atravessava aquele salão, e tudo parecia se mover lentamente ao seu redor. Atrás de si ela sabia que seus companheiros a observavam de formas diferentes. A amiga, em desespero e felicidade por saber que os irmãos estavam vivos, porem presos e expostos em um tanque como aberrações. O primeiro imediato que tentava consolar a amiga, mesmo chocado ainda com o fato e por fim o capitão que parecia olha-la como se nunca a tivesse conhecido, que diante de si era uma desconhecida. De todas as formas que poderia revelar o que era, aquela talvez foi a pior e a mais cruel maneira possível de contar que não poderiam ficar juntos. Talvez se as coisas fossem diferentes poderiam conversar, mas com a aparição daquele crápula e os irmãos da amiga em seu poder não lhe restava um plano, a não ser o ataque.

O tempo parecia ter congelado ao seu redor, tudo em prol de um único e longo movimento, que acabaria com aquela festa em segundos. Respirou fundo e seguiu por entre a multidão. Estava no centro do salão, muitos se aglomeravam para conseguir ver de perto os sereianos, uns olhavam com nojo para ambos e outros impressionados. E ela tinha a mesma náusea daquela época, em que estava no lugar deles, em que pessoas riam e fofocavam, olhavam-na com desprezo, com cobiça, tudo a sua volta era tão familiar, tão sórdido e cruel que a raiva que escondia durante esses anos enfim se libertava.

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Foi tudo muito rápido. De um lado, e protegido por um escudo estava Ren, que a observara parada no centro do salão olhando para o tanque, e no outro o mesmo recipiente começou a rachar, como se houvesse sido atingido por algo com muita força. Várias pessoas corriam para lugares altos numa tentativa vã de não se molharem, então o vidro se rompera em mil pedaços. Mas os eventos posteriores a quebra foram os que mais impressionaram, a agua ao invés de se espalhar e molhar o local com uma onda, estava sob suas cabeças. De outro lado, acima da pilastra estava Reino que, observara a correria, no entanto parou no mesmo instante em que vira Kyouko. Ela estava sobre sua outra forma, os cabelos ao invés de negros como o ébano, adquiria um tom de fogo, e os olhos antes dourados gentis, adquiriram um tom animalesco, vestida com aquelas vestes orientais ela era uma visão e tanto.

Kyouko olhou para cima, olhando para os irmãos de Kanae, conferindo se estavam seguros. Os mesmos a olhavam com certa curiosidade ao mesmo tempo com certo receio, sentimento esse que ela conhecia muito bem e que compartilhavam com as outras.

– Ora ora, enfim a verdadeira atração surge – disse Reino – Sabia que você iria aparecer mais cedo ou mais tarde, minha adorável Kyouko, e devo dizer que é uma surpresa e tanto você não ter uma calda.

Kyouko enfim o olhava diretamente nos olhos, e suas memórias vagavam pelo tempo em que fora mantida prisioneira, todos os açoites, os incontáveis abusos que sofrera, todas as vezes que tivera de observar suas amigas serem violentadas e das vezes que era mantida sozinha em uma cela acorrentada, tendo que se recuperar dos chicotes e ser obrigada ouvir os gritos e os sons de açoites de suas irmãs. Voltando ao presente o ódio, a raiva, o desprezo, a ira e a vingança, eram os sentimentos que habitavam sua mente, tudo o que almejava era feri-lo da mesma forma que ele a feriu, acabar com sua alegria, erradicar de uma vez por todas aquele ser abominável da face da terra.

– Devo dizer que está mais bela do que antes minha cara – continuou ele – então aproveitou bem esse curto tempo de falsa liberdade? Ou será que acredita mesmo que pode viver nesse mundo sem a minha ajuda? Por que você sabe que muitos dos presentes aqui estão tão assustados que mal compreendem como nos conhecemos e o porquê da água estar sobre suas cabeças – ele começou a rodar pelo salão, observando os convidados que observavam como se aquilo fosse um milagre ou até mesmo uma manifestação de seus deuses, que podiam os abençoar ou julgar pelos seus pecados - Bem cabe a mim esclarecer tal magia não é mesmo? Vossas majestades, damas e cavalheiros da corte, diante de vocês encontra-se a forma adulta de um ser lendário, uma sereia, e devo dizer que já tive o prazer de conhece-la muito bem, afinal nós moramos juntos durante anos e estou tão chocado quanto a vocês pelo terror que estão vivenciando, mas acreditem em mim, ela não fará nada, pois é incapaz de machucar um ser sequer.

Uma risada cortou-o em seu discurso, Kyouko ria como se aquilo fosse a coisa mais engraçada do mundo. Reino achava que era capaz de controla-la como uma marionete, como se fosse uma arma e isso imediatamente fez com que ela parasse de rir, pois a compreensão enfim lhe abateu! Ele montou tal circo apenas com único propósito, conquistar essa terra, alianças em busca da dominação. Tudo não passava de um jogo de poder, mas aquele homem não conseguiria atingir o que planejava.

– Você fala como se pudesse me controlar – disse ela – Como se eu fosse uma peça de tabuleiro de xadrez, como se eu fosse apenas um monstro. Você não me conhece.

Então o caos se instaurou, quando uma estaca de gelo atravessou sua perna. Reino parecia não saber o que lhe tinha atingido, apenas quando a dor alucinante que o impediu de ficar em pé lhe abateu e o liquido vermelho a se esvair pelo chão. Gritos se ouviram por todos os lados, buscando uma forma de escapar daquele lugar, os guardiões que a todo o instante protegiam o rei e o jovem príncipe, e adquiram uma postura mais ofensiva caso aquele monstro tentasse alguma coisa.

O rei e o príncipe ainda estavam chocados com o que estavam presenciando. O rei tinha medo por sua vida e a de seu filho, mais sabia que seus guardas o defenderiam mesmo que isso significasse morrer por eles. Mas a ideia de ter uma sereia adulta em seu poder o fascinava. O príncipe ao contrário do pai não tinha medo por sua vida, pois conhecia a essência daquela garota, ela não atacaria se não tivesse motivos. Ele talvez fora o único que talvez tenha percebido, alguns arranhões nos braços dos pequenos tritões, leve marcas de açoites nas costas. O quer que aquele homem tenha feito com eles, parecia pouco diante do olhar insano que Kyouko demostrava diante daquele homem.

– Você acha que tendo sereias em seu poder você teria o controle dos sete mares, teria aliados e riquezas incontáveis, tudo para controlar as pessoas pelo medo, ser o regente dessas aguas. Mas você não vai controlar mais nada nesta vida, não vai tirar pessoas que tinham família de suas casas, não vai mais matar nossos entes queridos em nossa frente para que não tenhamos para quem voltar, não vai usar mais usar açoites para domesticar-nos como se fossemos animais – disse Kyouko com ira e se aproximando aos poucos de Reino. A agua ganhou uma forma de corda que comprimia sua respiração, ao mesmo tempo em que o suspendia no ar - e não vai violar nenhuma de nós.

– Você sempre me olhou com esses olhos de animal selvagem, por isso a mantive pura, bem quase pura, por que você demoraria mais seria domesticada como uma gatinha indefesa, e quando eu tomasse você seria incrivelmente prazeroso, e isso ainda pode ocorrer, pois ambos sabemos que você é incapaz de matar.

– Isso nunca vai acontecer – disse ela fazendo com que as cordas de agua o apertassem mais.

O capitão do Black Bird que presenciava tudo estava incrivelmente irado. Não apenas por ter sido posto em uma redoma de proteção, mais também por não poder fazer nada. Ele jurou que mataria o desgraçado que a manteve como cativa por anos, mas não pensara que a verdadeira história fosse tão cruel e sórdida. Todo esse tempo ela estava sozinha, por mais que tenha feito amizade com suas companheiras de cárcere e fossem aos olhos de muitos como irmãs, ela estava sozinha. Quantas vezes ela não deveria ter orado para que ele tivesse chegado antes? Talvez a história poderia ter sido outra. Quantas ele amaldiçoou o destino por ter tirado ela antes e quantas vezes agora o amaldiçoava por tentar transforma-la em algo que ela não era: uma assassina. Por mais que tenha sofrido ela levantava todas as manhas e sorria para ele, brigava com ele, e lutava com ele. Ele nunca admitiria em voz alta, mas velava o sono dela como a coisa mais preciosa do mundo e fazia a mesma promessa toda vez, que ela estaria segura e que nada lhe atingiria. Como um último ato de desespero, ele nocauteou Kanae, dando-lhe um golpe na nuca, pelo cabo da espada caindo desacordada e desfazendo por fim a proteção.

– Leve ela de volta ao navio, vou pegar Kyouko e logo em seguida partiremos desse país – disse ele ao primeiro imediato que prontamente pegou a jovem e partiu daquele lugar. Livre, agora ele tinha que fazer algo não podia permitir que a insanidade a batesse, custe o que custasse ela seria livre e a promessa de anos atrás seria cumprida.

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No porto, o navio Black Bird estava ancorado longe do centro da cidade, com localização próxima a periferia da cidade, local onde ninguém ali ousaria se aproximar do navio, não quando sua fama o precedia. O ex-capitão do navio, não gostava daquela sensação de inquietude pois dava margem a pensamentos que lhe incomodavam a bastante tempo, a lua estava alta e brilhando como nunca e fora numa noite assim, muitos anos atrás sua esposa ao dar luz a sua filha, disse que teriam pouco tempo e logo teria de partir. Desde a fatídico dia da tempestade, em que sua esposa se jogara ao mar numa tentativa de acalmar os nervos de seu ‘sogro’ e o momento em que seu bebê emitira um campo de proteção em volta do navio, ele passou a realmente a temer a ira de Poseidon. Temendo por sua criança, ele deixou aos cuidados de uma antiga amiga, que a protegeu e a cuidou como se fosse carne do seu próprio sangue, até o dia em que lhe enviara um pedido de socorro, onde falava dos desejos profanos de um regente, de um garoto que precisava de proteção e de sua pequena criança, que mais e mais demonstrava habilidades incomuns para uma criança de nove ou dez anos.

Segundo a carta, ela tinha agilidade de uma guerreira e a voz de uma cantora lírica profissional. Ele não podia estar mais orgulhoso de sua filha ser um prodígio, mas ao mesmo tempo estava preocupado, ela era uma criança especial e jamais seria normal, pois chegaria um dia em que sua verdadeira natureza ia se manifestar e isso atrairia todo o tipo de pessoas. Não queria ter deixado sua única filha, as cuidados de alguém como Fiona Willow, mas parecia ser o lugar mais remoto que iriam procura-la. Pagou uma quantia absurda, para que ela fosse mantida segura pelo período de três anos, mas na data prometida ao invés de ter sua garotinha em seus braços, não tinha um corpo para velar. Morrer afogada era algo que dado a sua condição era impossível, mais a dor não o fez conseguir enxergar a razão e ele sucumbiu a amargura, deixou de ser capitão do navio pois não tinha como continuar fazendo aquilo que amava, sem ter uma razão para continuar a existir. Acompanhou das sombras seu pupilo, se tornar capitão e um homem justo, adotara um outro nome na tentativa de enterrar o passado. Mas ele sabia bem, não se podia enterrar o passado, precisava do mesmo para manter-se em pé.

Então quase seis anos depois soube da verdade, sua criança estava viva e sofrido nas mãos de um homem que ousou a torna-la uma escrava. Orou pelos deuses para que esse homem fosse muito bem recebido por Hades e que recebesse o pior destino de todos a ser lançado ao tártaro. Também foi capaz de presenciar o sentimento puro que seu pupilo e sua criança tinham um pelo outro, algo tão forte capaz de enfrentar tudo e todos. Mas agora, sozinho no convés com seus pensamentos ele estava a pensar em tudo o que passara, e não podia estar mais preocupado pelo que estava por vir. Ele sabia que mais cedo ou mais tarde, algo aconteceria e abalaria a vida daquelas crianças. Estava tão absorto em seus pensamentos que tomou um susto quando a pequena Maria, chamou-lhe atenção.

– Você deveria estar dormindo pequena, isso não é hora de criança estar acordada – disse ele pegando-a no colo e indo em direção ao andar de baixo em seus aposentos, onde a pequena dormia junto com a companheira mais velha.

– Eu não posso dormir, não enquanto elas não voltarem – disse ela a Lory – O preço que a Kyouko vai pagar é muito alto e ela pode não voltar a sorrir mais.

– Do que você está falando criança? – disse Lory olhando nos olhos, tentando compreender do que ela falava.

– Eu sei que você sabe a verdade sobre nós três e sei que não revelou quem é você realmente por medo, mais você precisa encarar seus medos pois uma hora eles o sufocaram – disse ela enquanto Lory estava surpreso com suas palavras, pra saber de tudo isso ela deveria ter um dos dons mais raros, que sua esposa lhe contou um dia.

– Você tem o dom da visão não é mesmo? O que acontecerá com Kyouko? – perguntou Lory.

– Se ela não for impedida, ela nunca mais será a mesma, perderá sua verdadeira essência, e se transformar em alguém incapaz de amar – disse ela olhando agora para o horizonte – Somente aquele destinado a ela pode salva-la.

– E o que fazemos? Não podemos ficar parados – disse ele

– Infelizmente nada o que fizermos mudará a visão, só podemos rezar para que eles voltem a salvo.

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O príncipe Shoutauro estava cansado de não poder fazer nada e chocado ao presenciar de prontidão o poder que emanava de sua amiga de infância, era absolutamente assombroso. Ela não só manipulava a agua ao seu redor, como também criara uma barreira que impedia que todos se aproximassem, isso por que a poucos instantes seu pai, vislumbrando uma possível estada da jovem por um tempo indeterminável em seu palácio, ordenou gentilmente que seus homens se aproximassem sorrateiramente e a prendessem aproveitando o momento em que ela estava muito concentrada em sufocar aquele homem, no entanto os mesmos homens foram repelidos ao se aproximar por uma barreira invisível.

– Kyouko pare com isso! – disse o homem que a acompanhava, o príncipe tenra se lembrar do nome dele era alguma coisa Hell, Cain Hell – Você não quer fazer isso.

– Você que não tem ideia do que está falando! – disse ela com uma voz diferente do habitual, parecia mais sombria – Você não sabe o que passei, não sabe o que minhas amigas vivenciaram nas mãos dele, ele merece ser morto pelo poder que tanto almejou!

– Se você fizer isso estará se igualando a ele, se transformara em um mostro e se culpará por ter feito isso! Eu conheço sua essência, seus medos e inseguranças, conheço você por inteiro e sei que você está agindo assim por medo – disse ele tentando se aproximar, sendo repelido pelo escudo.

– Eu não tenho medo de nada! Eu estou muito mais forte e sou capaz de coisas que um reles mortal não é capaz nem de imaginar – disse ela tentando repeli-lo novamente, mas ele insistia, mesmo com o escudo dando-lhe a sensação de mil agulhas atravessarem o corpo, ele se aproximou e a pegou pelos braços a fazendo o encarar.

–Você tem medo sim! Tem medo que enquanto ele estiver vivo, fará com que você volte a sua prisão, tem medo de perder sua liberdade recém conquistadas e acima de tudo tem medo de perder as pessoas que amam você. Volta pra mim, Kyouko! – disse ele a abraçando. Kyouko tentou se livrar o aperto dele, mas não conseguiu, havia tanto calor e significado por traz daquele gesto, que não queria sair dali, aos poucos sua aparência foi voltando ao normal, no entanto a agua continua sob o teto do salão, contudo um tubo de agua trazia os irmãos mais novas de sua amiga sob suas formas humanas. Ela havia manipulado a agua ao ponto para seca-los. Kyouko desvencilhou-se do abraço de Ren, envolveu a menina com o véu que encobria seus cabelos e quadril. Ren tirou o casaco e cobriu o menino.

– Me desculpem por ter feito vocês presenciarem tudo isso mais acho que vocês me entendem, não é – disse ela olhando para ambas crianças.

– Só acho que você poderia ter feito o sofrer mais – disse o garoto, manipulando a agua para que virasse uma prisão de gelo, envolta de Reino que estava ainda vivo mais desacordado. Kyouko então desfez as cordas de agua – Não sou tão habilidoso como você ou minha irmã mais estou disposto a aprender se você nos tirar daqui.

– O mesmo digo eu – disse a menina colocando uma espécie de escudo envolta da prisão de gelo.

– Serão bem vindos ao Black Bird e farão parte de uma grande família – disse Ren olhando para ambos, mas o momento de tranquilidade fora cortado quando sentiu uma lança perfurar seu ombro direito.

Kyouko olhou para a direção da onde viera a lança e se surpreendeu ao ver um dos guardas ter lançado sobre eles. Num rápido movimento ela pegou a agua e envolveu o ferimento de Ren retirando a lança, ao mesmo tempo que manipulava a agua como um chicote e lançava a lança de volta. Ouvira a própria voz do rei para capturá-la, não importando as consequências, e não podia estar mais decepcionada com as atitudes dele. Olhou rapidamente para Ren a ferida não estava totalmente curada mais ele não corria riscos.

– Crianças levem Ren até o navio, vocês sentiram a presença da irmã de vocês quando estiverem perto. Vão agora! Eu cuido deles!

Os irmãos ajudaram Ren a se levantar e seguiram pelo corredor que indicava a saída, no entanto alguns guardas tentavam impedi-los de escapar. Quando então uma melodia começou a ressoar e uma voz melodiosa ganhou força, os guardas pararam sua formação de ataque e deram espaço para passarem.

– Nossa essa garota é incrível! – disse a menina – Espero que possamos aprender muito com ela!

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Kyouko detestava manipular as pessoas usando sua voz, mas naquele momento esta era sua única opção para conseguir sobreviver. Ao seu redor estavam todos os guardas inclusive, suas altezas reais. Ao mesmo tempo que cantava e deixava os homens ao seu redor hipnotizados, realizava comandos a oito deles e apagava a memória de outros, inclusive de Shoutaru. Para ele, criou a memória que teria dançado com ela e que no meio da festa havia desaparecido e que Reino havia feito algo como atentar contra sua vida. O mesmo fez com o rei, apesar de querer obriga-la a virar prisioneira, não sentia raiva dele. Apenas estava saldando sua divida, pois ele lhe estendeu a mão quando passava fome e agora ela lhe dava a mesma gratidão.

Reino quando acordasse teria uma bela surpresa e nem espera o que iria acontecer com ele, apenas ela esperava que o tratassem com a mesma cortesia que ele a tratou, juntamente com suas amigas. Estava quase chegando ao navio quando foi recepcionada por Ren que ainda estava ferido, mas tinha um olhar mortal ao emanar sua pistula, Lory que manipulava duas pistolas e Yashiro que mantinha um rifle em seu poder, eles estavam prontos para atacar os seis homens que a acompanhavam, mas ela fez sinal para que não fizessem nada e observassem o que eles estavam trazendo, cada um trazia consigo ouro e todo o tipo de joias preciosas. Quanto aos outros dois homens que manipulava, mandou que distribuíssem as riquezas entre as pessoas mais humildes, e que não tinham como se sustentar. No momento apenas desejava por um sono sem sonhos, mas parecia que não conseguiria isso tão cedo.

– Eu sabia que você iria conseguir! – disse Maria correndo em sua direção e a abraçando, quando enfim pisou no convés – Minhas predições nunca falham!

– Você tem ainda muito o que explicar pra mim sobre essa premonição mocinha – disse Kyouko – Mas no momento vou deixar as conversas para amanhã. Todas elas.

Ela sabia que tinha muito o que conversar com Ren e principalmente Lory, mas no momento tudo o que ela mais almejava era dormir. Então a escuridão a pegou e sem perceber acabou por entrar num mundo sem pesadelos, como não fazia a muitos anos.