Walking in Memphis

Capítulo Único


POV Monstrinho

Eu estava no carro me perguntando se estávamos mesmo indo para o show. Nem conseguia acreditar e pensava comigo mesmo se aquela não seria apenas uma mentira para que cooperasse. Queria confiar nos dois agentes, afinal, eles eram os únicos – à exceção do meu pai – que tinham me ouvido de verdade antes de pular para conclusões precipitadas. O olhar deles para mim era de pena sim, mas eu também vi compaixão e até certa bondade. Mesmo assim, depois de todos esses anos, ainda não conseguia confiar.

Comecei a bater o pé ao ritmo da música, feliz por eles terem colocado minha rainha Cher – a que foi casada com o Sony - para tocar. Ao menos eu teria isso, estivesse indo para a cadeia ou não. Enquanto dirigíamos passei a reparar nos dois, afinal, não tinha mais o que fazer mesmo. Agente Scully era muito bonita com sua beleza clássica e sofisticada, não que eu a visse como possível companheira para mim. Não, eu percebia que ela amava o trabalho que fazia e que amava o parceiro também. Tudo bem que eu os tinha conhecido há apenas algumas horas, mas via os olhares de canto de olho entre os dois agora no carro e sabia que tinha algo ali. Eram completamente à vontade um com o outro e eu podia ver o quanto confiavam um no outro. Será que um dia eu teria uma pessoa assim? Era só o que eu queria, não estava pedindo muito, estava?

Finalmente estávamos aqui e olhei deslumbrado pela janela do carro para a entrada da casa de shows. Eles tinham cumprido a promessa! Assim que o carro é estacionado, vejo que boa parte da cidade tabém tinha vindo, como eles conseguiram isso eu não faço ideia, mas supus que eram as vantagens de trabalhar no FBI. Assim que destravaram o carro já abri a porta e saí, mas os esperei saírem também, não queria que parecesse que ia fugir nem nada. Para entrar, o agente Mulder mostrou o distintivo e fomos para a mesa lá da frente e no meio, bem perto do palco, e pediram petiscos e bebidas não alcoólicas. Vi que Mulder queria uma cerveja, mas com um olhar e um “estamos em serviço” de Scully ele se resignou, me lembrando daqueles casais juntos há muitos anos. Talvez esse fosse o caso, quem sabe?

- Falta muito? – perguntei baixo na minha voz rouca para Mulder, que estava mais perto.

- Não, ela já deve estar entrando – ele respondeu sorrindo e trocou um olhar com Scully que eu decidi ignorar, parecia que achavam engraçada a minha ansiedade. Mas suponho que era mesmo.

Segundos depois, as luzes se apagaram e reconheci as primeiras notas de “Walking in Memphis” e logo depois ela estava lá. Era melhor do que eu tinha imaginado e não contive a animação, jogando meus braços para cima e dançando na cadeira sem me importar com o que pensariam de mim pela primeira vez em muito tempo. E então ela veio até mim e quando vi estava dançando com minha ídola! De canto de olho vi rapidamente que Mulder e Scully também dançavam e tive certa inveja do olhar que trocavam, mas logo isso passou, afinal, eu estava dançando com a Cher!

POV Scully

“Finalmente”, pensei ao entrar no meu quarto e tirar os sapatos com alívio depois do dia todo nos saltos. Coloquei o calçado ao lado da porta corretamente alinhados e fui pegar um pijama antes de entrar no banheiro da suíte para um banho não tão demorado quanto eu gostaria. Mas já era tarde e amanhã cedo teríamos que voltar para Washington, afinal, o caso estava resolvido. Sorri ao pensar nesse, apesar de tudo ao menos conseguimos resolvê-lo e prender o culpado por tudo, algo raro nos Arquivo X. Era bom ter uma investigação que ia bem só para variar um pouco.

Ao sair do banheiro e colocar o pijama, me dei conta de que estava totalmente sem sono. Droga. Eu queria dormir, estava cansada, mas o sono não vinha. Culpa toda do meu parceiro, ele tinha que me chamar para dançar? Precisava ter me puxado daquele jeito ou me olhar daquela maneira? E não fazer nada depois? Eu sei que poderia tomar a inciativa, mas depois do episódio com Eddie Van Blundht se fazendo passar por meu parceiro e Mulder nos pegando naquela situação constrangedora, achei que ele tinha entendido que era necessário apenas que ele fizesse algo. E antes achei até melhor que nada a mais tivesse acontecido entre nós, já que com o câncer eu poderia acabar por deixá-lo e Mulder não merecia que mais uma pessoa fosse tirada dele. Mas com a doença em recessão, o pensamento de que poderíamos ter algo juntos não me saía da cabeça. Assim como a ideia de que talvez ele simplesmente não me visse dessa forma. Só que se era assim, por que ele tinha me olhado daquela forma?

Meus pensamentos foram interrompidos por uma leve batida na porta e um “Scully? Acordada?” do objeto de meus pensamentos. Por um momento pensei em não responder, mas quando eu iria ignorá-lo? Então levantei-me e fui atender, a testa franzida e já preocupada de que algo tivesse acontecido. Quando algo não acontecia conosco? Porém, dessa vez pude suspirar aliviada ao ver o sorriso de garoto dele e as mãos ocupadas com uma fita de vídeo e um saco de pipoca.

- Mulder, o que está fazendo? – perguntei, mas o deixei entrar e fechei a porta logo em seguida, olhando-o sem controlar um sorriso de lado. Sabia que nosso comportamento não era apropriado, afinal, éramos homem e mulher no mesmo quarto de madrugada, eu de pijamas, mas não me importava mais tanto com esse tipo de coisa como no começo.

- Trouxe um filme, estava sem sono e peguei emprestado com um... amigo. – quando vi a capa da fita soube bem quem era o amigo e senti o sorriso aumentar contra a minha vontade.

- Um amigo fã da Cher. Quem seria? – pergunto pensativamente, a ironia clara em minha voz e o sorriso dele também aumenta, a expressão leve me dando uma paz que só havia sentido mais cedo hoje, quando dançávamos.

- Você nunca adivinharia – ele me responde no mesmo tom e percebo seu olhar divertido percorrer meu corpo, aparentemente achando graça do meu pijama de mangas compridas quase masculino – Mas vejo que também não consegue dormir, assim como eu. Então, filme? – ele me pergunta e posso perceber uma pontada de insegurança em sua voz e me sinto culpada por isso. Sabia que o tinha afastado de um tempo para cá e o deixado um tanto quanto inseguro com relação a nós dois.

- Claro, mas não me culpe se eu adormecer no meio dele – sorrio e aviso, esperando que não acontecesse, mas o dia tinha sido cansativo e eu ainda não estava cem porcento e me cansava com mais facilidade do que antes de ficar doente. Pela suavização de seu olhar pude ver que ele entenderia, embora provavelmente fosse usar isso contra mim.

Sendo assim, alguns minutos depois estávamos sentados lado a lado na minha cama vendo o filme e comendo pipoca, rindo de algumas cenas e ficando calados em outras, entretidos. Apenas um fim de noite tranquilo entre nós e eu não poderia ser mais grata por ter esse momento com ele.

POV Mulder

Percebi Scully ficando mais quieta, mas concentrado no filme, não dei importância ao fato até sentir a cabeça dela apoiada no meu ombro. Quando vi que ela estava dormindo profundamente, apenas desliguei a televisão e o vídeo, não querendo incomodá-la com o barulho ou a luz. Tinha percebido que ela ainda se cansava com certa facilidade e queria que tivesse o máximo de descanso possível, já que sairíamos cedo amanhã.

Tão delicadamente quanto possível, a desapoiei do meu ombro e a deitei por completo na cama, cobrindo-a em seguida. Eu sabia que deveria ir para meu quarto, mas eram tão raros os momentos em que podia observá-la sem restrições que acabei deitando ao lado dela, mas por cima das cobertas para vê-la dormir. Apenas dormir em um motel barato em uma cidade pequena com pijamas grandes demais para ela. Sem soro espetado no braço, sem cheiro de hospital ou camisola de paciente. O rosto com uma coloração saudável, o cabelo outra vez brilhante e sedoso que me fez arriscar tocá-lo para tirar uma mecha da frente de seu rosto. Estive tão perto de perdê-la para sempre que considerava uma benção poder observá-la assim.

Nesses momentos quietos e normais entre nós, eu pensava em dar o próximo passo, em fazer acontecer o que todos achavam que acontecia. Eu tinha plena consciência de que o FBI todo achava que éramos um casal e só não nos separavam porque sabiam que não daria certo. Mas eu já a colocava em risco do jeito que estávamos, e se déssemos o próximo passo e fizessem com ela o mesmo que com Samantha? Eu nunca superei o sumiço da minha irmã, e se o mesmo acontecesse com minha parceira, sei que me destruiria de vez. Scully era a única em quem confiava e que sabia confiar em mim da mesma forma. Por mais que ela discordasse de mim, sempre me ouvia e estava comigo nem que fosse tentando provar que eu estava errado. Independente de nossas opiniões e crenças, um era o apoio do outro, e se fosse para mantê-la o mais a salvo possível, então me contentaria em apenas olhá-la.

Acordei confuso, porque estava todo vestido? E sem coberta? Só ao olhar para o lado me dei conta de que havia dormido com minha parceira. De forma totalmente platônica. Droga. Olhei par ao lado e vi que eram pouco mais de oito horas da manhã, portanto estávamos atrasados. Mas ao ver que Scully ainda dormia profundamente, decidi sair de fininho para o meu quarto para lá fingir “perder hora”, assim ela descansaria mais. Não é como se uma bronca por atraso fosse piorar a minha ficha no FBI mesmo. E ninguém acreditaria que ela era a culpada por sairmos tarde, então eu sabia que a culpa recairia sobre mim e não me importava. Desprogramei o despertador dela e saí do quarto com os sapatos nas mãos sem fazer barulho nenhum. Ao chegar na porta, voltei, e num ímpeto de coragem, beijei delicadamente seu rosto, não resistindo. Ela se mexeu, mas não acordou, o que era prova o suficiente do quão cansada realmente estava. Com um último olhar à ruiva adormecida, saí e fechei a porta silenciosamente atrás de mim.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.