Vou seguir você para todos os lugares

Cap. único - Vou seguir você para todos os lugares


Vou seguir você para todos os lugares

Peter tentou. Ele deu seu melhor para seguir em frente após a aparição de Rhino, depois de meses sem a presença do Homem Aranha em Nova York, enquanto as pessoas fugiam dos criminosos sozinhas, apenas na companhia da sorte, e todos se perguntavam o que acontecera a seu herói.

Ele tentou, tentou muito... Pensando que se ela estivesse ali, se odiaria se deixasse Rhino machucá-la. Ver o garotinho, que salvara de um bando de valentões, encarando o vilão corajosamente lhe deu força, mas só até Rhino estar contido e derrotado. Não precisou de mais do que alguns minutos para tudo voltar, a dor, a falta de sentido em continuar vivo, o desespero, a dor de cabeça e a vontade de chorar que o acompanhavam por dias, então fingiam sumir, e voltavam em algum momento no futuro.

Tia May foi a primeira pessoa, e a mais impactada por isso, a perceber como o Peter que todos conheciam se perdeu conforme os dias passavam, ficando cada vez mais distante e silencioso, mais tempo trancado em seu quarto, menos sorridente a cada dia, horas sentado em silêncio em frente à lápide de Gwen no cemitério, não importando se estava nevando, chovendo ou fazendo um sol de 40°. Ele tentou voltar a ser quem era depois que Rhino apareceu, por May. Ela também já tinha sofrido muito pelos erros do Homem Aranha, por mais que Peter soubesse que ela já o perdoara há muito tempo por várias coisas. Mas era como o cansaço de uma batalha longa e difícil que você só sente quando ela acabou e você pode sentar e descansar. Com os dias a adrenalina se foi, e a euforia que ele confundiu com esperança também.

O Homem Aranha continuou lá para as pessoas, mas cada vez mais mudado e irreconhecível. Peter não queria encontrar aquele garotinho uma terceira vez, não aguentaria ver a tristeza ou o medo através de seus óculos olhando para aquele que um dia fora seu herói. Não segurava mais a força nas lutas, não tendo a menor paciência ou piedade em evitar quebrar os ossos ou os dentes dos vilões com um único soco, e conseguindo terminar as batalhas mais rapidamente dessa forma. A raiva e a amargura o tomaram mais a cada dia que viveu sem ela, a cada ligação do celular que ela nunca atendeu ou que ele ficou em silêncio e desligou ao ouvir a voz de sua mãe ou de um dos irmãos menores, a cada vez que ele escalou até sua janela para encontrar as cortinas fechadas, por sua mãe ou irmãos, ou abertas para revelar o quarto perfeitamente arrumado da mesma maneira que Gwen o mantinha, com seus livros e pesquisas à vista, mas sempre vazio, sem qualquer sinal da vida que um dia existiu ali, sem nenhum rastro de que um dia aquele anjo de cabelos dourados tinha existido.

Ele passava em frente à torre do relógio às vezes, e a odiava, não ligando mais de sua dor nublar a lembrança boa de quando tinham fugido para lá na noite em que o Lagarto o feriu e ela cuidou dele. Gwen crescera esperando perder pessoas amadas, ele a consolara por isso naquela noite, mas aqui estava ele vivendo a situação que ela temia viver.

Os noticiários vez ou outra falavam de como o Homem Aranha estava mudado, embora ainda ajudasse a combater o crime. O Clarin Diário continuava a difamá-lo, agora com ainda mais intensidade, e mandavam mensagens constantes para Peter o questionando porque desaparecera de repente, o que seria das manchetes mentirosas deles sem fotos? Ele simplesmente ignorou as ligações até que desistiram de contatá-lo. Ele tinha um emprego comum agora, não tendo desejado estudar em qualquer lugar que fosse após perder Gwen, queria e precisava ajudar tia May com a casa de alguma forma, era o mínimo que podia lhe oferecer. E é assim que dividia seu tempo agora, agredindo vilões e trabalhando. Até que aquela criatura estranha apareceu... E tudo ficou ainda mais obscuro.

Venom, era como ele disse que se chamava antes de se unir ao uniforme de Peter, que agora se tornara tão negro quanto o simbionte. Peter sequer sabia se esse era mesmo o nome dele, tinha sonhado com o que parecia uma versão macabra e aterrorizante de um Homem Aranha das trevas lhe dizendo isso, e o lembrando como a cidade toda esperava que o Homem Aranha resolvesse seus problemas, mas os seus próprios lhe cabiam resolver sozinho.

Muito mais aconteceu desde então, e Peter teve que buscar forças para reencontrar pelo menos a si mesmo quando mais uma batalha terminou e ele fugiu, deixando para trás mais escombros para as autoridades arrumarem e até vilões mortos dessa vez, felizmente com nenhum civil nessa conta.

Ele estava irreconhecível dentro do uniforme negro, e agora rasgado por ferimentos profundos no peito e em outros lugares. Veias em tons escuros de verde, roxo e preto tomavam seu rosto junto aos ferimentos que também o riscavam, até seus olhos estavam diferentes e estranhos de algum jeito. Venom também estava ferido, e parecia ter alergia ao coração de Peter, ao coração que ele perdera, que achou que Gwen tivesse levado junto com ela para além da vida, pois ao senti-lo bater outra vez o simbionte estava perdendo força, apesar de ainda lutar para controlar as emoções de Peter novamente.

Dessa vez ele não iria até sua janela esperando ser cuidado e confortado, porque ela não estava mais lá para isso. E os ferimentos não incomodavam tanto, apesar do quão profundos estavam, Peter não tinha muita ideia de como ainda conseguia andar, ou de porque estava sentindo o alívio que o deixara para sempre desde que havia segurado seu corpo sem vida na torre do relógio. Talvez porque sua alma soubesse que era seu fim, talvez porque Gwen tivesse levado a parte mais brilhante de sua alma com ela, talvez porque a parte que ele ainda tinha sabia que finalmente ele poderia deitar e descansar, como tantas vezes ele quis durante seu ofício como super herói. E é para ela que ele estava indo, para a luz que ele havia perdido naquela noite. Finalmente poderiam os dois dormir juntos para sempre sem se importar com qualquer coisa do mundo lá fora ou se um perderia o outro no dia seguinte.

Peter podia perceber seu fator de cura tentando curar seu corpo, mas com dificuldades, dada a profundidade das lesões, e parte dele lutava contra isso. Ele não queria ser curado para ser machucado de novo pela dor que era viver sem ela, para lutar pela obrigação de manter desconhecidos vivos sem nenhuma esperança para si mesmo no horizonte. Ele sentiu a neve do inverno começar a cair novamente, mas continuou andando, estava quase lá. Ele tinha que se livrar de Venom primeiro, no entanto. Não tinha intenções de deixa-lo para causar sofrimento a outras pessoas após a partida do Homem Aranha. E para isso roubara uma granada perdida de um dos vilões do dia momentos atrás, sua intenção era se deitar e dormi em paz com Gwen, mas se fosse preciso explodir junto com Venom, ele o faria. A morte o levaria para ela de qualquer forma, mas entre morrer de maneira egoísta e apagar com mais uma culpa ou morrer levando consigo o mal para longe de pessoas inocentes, ele preferia a segunda opção.

Quando visse os noticiários e a neve, tia May correria para procura-lo ou ligaria para amigos ou para a família de Gwen para buscar notícias dele, e com sorte isso a manteria longe de onde ele realmente estava, a manteria longe de impedi-lo de ter seu merecido descanso depois de tantas batalhas. Ele não era mais o mesmo Homem Aranha, não o amigo da vizinhança que tirava sarro dos criminosos e deixava bilhetes bem humorados para a polícia. Finalmente o bilhete que escrevera há tantos meses para tia May teria alguma utilidade, talvez por isso tivesse sentido uma vontade repentina de deixar seu caderno estrategicamente em cima de sua cama nessa manhã. Ela choraria muito quando lesse, ele sabia, mesmo se voltasse pra casa. Mas esperava que ela fosse mais forte que ele, o que já tinha provado ser ao perderem tio Ben, e que conseguisse seguir em frente.

“Tia May,

Não tenho conseguido ter certeza de que vou voltar pra casa ultimamente. Se em algum momento eu não voltar, me desculpe, e muito obrigado por tudo! A senhora foi a melhor mãe que eu poderia ter tido no mundo. Eu te amo.

Peter”

Ele tinha escrito isso ao ferir um criminoso gravemente lutando como Homem Aranha, pela primeira vez, e tinha certeza que não retornaria caso mais deles ficassem em seu encalço por isso, nunca arriscaria levar o perigo até sua tia. Foi se lembrando disso que seus pés exaustos finalmente alcançaram o cemitério, coberto por um tapete branco de neve. Seu sangue manchou o branco do chão, e sentiu o simbionte finalmente se desvencilhar de si, e um alívio físico tomar seu corpo, como se um peso enorme fosse tirado de cima dele. Venom já sabia que Peter estava morrendo, e que logo não teria mais utilidade, e fingindo não se importar com sua fuga, Peter conseguiu forças para se virar para o alienígena no momento perfeito para acertá-lo com a granada e vê-lo se consumir nas chamas até não sobrar nada no local além de neve derretida.

Caminhou até o túmulo de Gwen sem sequer precisar ler ou procurar qualquer indicação, era um caminho que agora ele conhecia melhor que o caminho de casa. E como tantas e tantas e tantas vezes antes, sentou-se a sua frente, caindo com um baque na neve. Disse que ela era sua direção, que a seguiria para sempre, em todos os lugares, e aqui estava mantendo essa promessa. Fechou os olhos tomando algumas respirações, querendo ouvir sua própria voz antes de se deitar para dormir.

- Gwen... – sussurrou, sendo tomado por uma sensação estranha e familiar de ouvir sua voz tão doce quanto era quando ainda a tinha em seus braços e a chamava fitando seus olhos verdes – Estou em casa – ele sorriu – Eu não sei se você ainda vai me querer depois de tudo que eu fiz ultimamente, do quão fraco eu fui, mesmo depois de rever mil vezes seu discurso sobre esperança... Mas como eu a teria se minha esperança era você?

Era muito estranho, mesmo depois de tanto tempo, não ser respondido, Gwen Stacy nunca ficava só olhando sem dizer nada.

- Me desculpe – Peter falou para a lápide.

Se arrastou para mais perto para se apoiar, como se assim pudesse sentir Gwen abraça-lo como antes, e observou a si mesmo, novamente com seu uniforme tradicional, brilhando nas cores vermelho e azul, apesar do quão danificado e manchado de sangue estava agora.

- Eu te amo – Peter falou baixinho, sorrindo e fechando os olhos enquanto apoiava a cabeça na pedra, ele estava tão cansado – Me desculpem... Tio Ben, tia May, Gwen... Obrigado.

Peter abriu os olhos por um instante ao jurar ver Gwen sorrindo e agachando ao seu lado, mas ela não estava lá, era só o vento murmurando e a neve caindo. Nossa, ele ficaria tão feliz se ela realmente viesse busca-lo... E se veio, ninguém jamais saberia, Peter Parker levou essa informação com ele para outro mundo no momento em que se permitiu relaxar, e deixou o frio aliviar a dormência de seus ferimentos, nada fazendo para evitar os flocos de neve que começavam a se acumular sobre si. Seus olhos estavam fechados, agora sendo apenas os gentis olhos castanhos de Peter Parker, sua pele agora marcada apenas pelo cansaço e pelos cortes da batalha. Sua mão direita soltou a máscara do Homem Aranha na neve, e apesar do frio ele se sentiu quente, como se um cobertor confortável envolvesse seu corpo, como se alguém o segurasse no colo. De algum lugar distante, Peter podia jurar que ouviu alguém chamando por ele, e até que a voz parecia ser de Gwen. Não lhe importava se era um sonho trazido pelo cansaço e necessidade de alívio, desde que pudesse vê-la. E assim ele se permitiu dormir.

******

Foi assim que May, Helen Stacy, chocada com a descoberta e triste pelas circunstâncias, os irmãos mais novos de Gwen, e as autoridades, encontraram o corpo do Homem Aranha no cemitério na manhã seguinte. Mortalmente ferido e coberto de neve, mas sem sinais de sofrimento. Cheio de cortes no rosto e nos membros, e ferimentos mais graves no peito e nas costelas, mas com a sugestão de um sorriso nos lábios. Rasgões enormes partiam o desenho da aranha no peito, que representava tanto para todos que acreditavam no herói.

A polícia não tentou impedir quando May chorou abraçada ao corpo do sobrinho, e Helen, Howard, Philip e Simon de pé, ainda sofrendo pela perda de Gwen e agora de Peter, e tentando absorver todo o entendimento de tantos acontecimentos sem lógica, até então, envolvendo o Homem Aranha, Gwen e Peter.

- Era só um garoto – os policiais conversavam baixo em respeito à dor das duas mulheres e dos garotos.

- Tinha a idade do meu filho – outro deles dizia.

Por um tempo, nada além de lágrimas foi ouvido ali. May pensou em várias coisas que poderia lhe dizer, mesmo sabendo que ele não estava mais ali para ouvir, mas na confusão de sua dor apenas disse a resposta mais importante a ser dada aquele bilhete no caderno de desenhos de Peter.

- Eu também amo você.

Por semanas a fio a partir dali, os rostos sorridentes de Peter Parker e Gwen Stacy estamparam os noticiários conforme a polícia e a mídia faziam as conexões que levaram à mudança e à morte de seu herói, mas felizmente, para o alívio e surpresa de May e Helen, uma vez que raramente a imprensa tinha piedade de alguém, escolhendo lembra-los com gratidão, e com a lição para todos de que por trás de heróis também haviam corações humanos. Até mesmo a lindíssima foto do beijo que os dois tinham trocado na formatura chegou a algumas manchetes.

Vigílias imensas, até de pessoas vindas se longe, surgiram desde o cemitério até a casa de tia May e o apartamento da família Stacy, para homenagear o casal e o Homem Aranha. As duas mulheres chegaram a tocar no assunto uma única vez diante da multidão de pessoas, especialmente crianças, muitas crianças que não paravam de chorar, incluindo um garotinho que usava óculos e carregava uma turbina de ar artesanal nas mãos.

- Não foi só naquele discurso que Gwen nos pediu com tanta ênfase que sempre tivéssemos esperança. Ela era assim – Helen falou para a multidão de olhos que observava ela e May em frente à casa dos Parker – Parecia tão séria com seus estudos e pesquisas, mas ela tinha tantos sonhos. Ela queria morar numa casa de chocolate – conseguiu rir baixinho ao lembrar disso – E amava Peter mais do que qualquer coisa.

May assentiu.

- Eles foram a força um do outro – ela disse – Em muitos dias, em todos eles na verdade... Peter sempre parecia alguém ainda melhor do que já era depois de chegar em casa após um encontro com Gwen, mesmo quando estava ferido e com dores. Ele se perdeu na dor, mas se encontrou antes de nos deixar. E é assim que queremos que ambos sejam lembrados. Sempre com esperança.

A multidão bateu palmas brevemente e voltou a ficar em silêncio. Alguns segurando velas, outros segurando flores, crianças fantasiadas como Homem Aranha, e os mesmos sentimentos tomando todos eles.

May e Helen viram Howard, Philip e Simon chegarem, abrindo caminho pela multidão e também segurando flores. Os cinco olharam para o céu noturno, tentando desviar seus olhos da cena tão bonita, mas tão dolorosa que tomava a rua, e esperando que os dois estivessem bem, que estivessem juntos, que pudessem finalmente descansar.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.