Volta, Missy!

Capítulo Único


Quando se é frequentador assíduo de um local, é comum ouvir diversas histórias entre um copo de bebida e outro — muitas delas passadas décadas antes, com pessoas que você sequer conhece. Porém, antes de mais nada, deixe-me situar sua pessoa, caro leitor, nesta história peculiar. Foi na década de 1960 que dois amigos de longa data decidiram inaugurar um bar no coração londrino. Bem, para ser franco com a coisa toda, chamar aquela espelunca de “bar” seria de um tremendo eufemismo e alguns dos senhores de mais idade (que muito provavelmente frequentaram o ambiente em seu auge) apontariam o dedo e diriam aos quatro ventos que tudo não passa de uma grande mentira. Contudo, lhes garanto que cada palavra aqui escrita não contém nada além da verdade.

Voltando ao que importa: quando John Smith e Harold Saxon resolveram abrir um negócio para deixar de trabalhar para os outros, não imaginaram que encontrariam tantas dificuldades. Todavia, eram amigos desde a infância e, sendo espertos da forma que eram, logo transformaram aquela espelunca em um dos locais mais comentados e apreciados da região. No começo, tinham a bela River Song na equipe — que muitos dos leitores devem lembrar de ter lido seus artigos e críticas nas páginas do The Guardian nos anos 80 e 90. Ela e Smith eram namorados, o que tornou sua entrada na sociedade algo natural. Em termos práticos: era ela a responsável por cuidar dos drinks e receber cantada de bêbado até altas horas da madrugada. John, que é um exímio músico, tocava e cantava por horas a fio e, por fim, Saxon era o responsável pela administração do bar — tudo referente ao financeiro passava exclusivamente pelas mãos dele.

Não foi surpresa quando o Totally And Radically Driving In Space — apelidado por seus frequentadores carinhosamente de “TARDIS” — caiu nas graças do povo londrino. Em partes, foi graças a sua ambientação peculiar (para a época) que chamava a atenção dos frequentadores; suas paredes pintadas de um azul incrível e as luzes no teto que simulavam estrelas faziam com que todos sentissem como se estivessem dentro de uma série de ficção científica, voando através do espaço tempo. Os anos passaram e o sucesso do local só aumentava, o que acabou por consagrar a dupla Smith e Saxon na década seguinte como administradores e criadores do melhor bar da cidade.

Ainda assim, nem tudo são flores: no fim da década de 1970, a irmã de Harold — uma jovem mulher de personalidade forte chamada Missy — voltou de uma longa temporada na França e sua chegada abalou corações — não apenas o do jovem John, mas também o de sua namorada River. Após muitas idas e vindas, o relacionamento dos três rompeu e o inevitável aconteceu: Song decidiu sair da sociedade, após quase uma década de relacionamento aberto e duas de trabalho na TARDIS. Ela partiu com o filho do casal nos braços em meados de 1980 — dando início a uma carreira de sucesso como pesquisadora, como vocês puderam ver anteriormente.

Certo, certo. “Mas o que isso tem a ver com a maldita história?!” — você deve estar se questionando, acertei? Pois bem, você descobrirá a seguir. O relacionamento de John e Missy era intenso e um tanto conturbado, digamos assim. Não era incomum ouvir falar das brigas do casal, que não eram poucas, visto que ambos têm personalidade forte. Ainda assim, nada parecia ser capaz de separar esses dois.

Parecia. Pelo menos para mim. Quando os conheci, tinha pouco mais de vinte anos e havia acabado de abandonar a faculdade. Era final de 1993 — talvez começo de 1994, não lembro bem —, quando me deparei com a TARDIS pela primeira vez. Todas aquelas luzes e música agradável... Na hora entendi que não queria estar em outro lugar que não fosse ali. Durante alguns meses, não fui nada além de um frequentador comum. Eu era um daqueles que chegava pouco depois das seis da tarde e só saía quando as portas estavam se fechando, tendo um copo de bebida nas mãos enquanto flertava em busca de uma distração para noites onde o tédio batia em meu rosto. Em uma dessas noites, acabei conhecendo um rapaz bem apessoado e bonito; sério, vestia jeans, camisa preta e uma jaqueta de couro. Sem saber, acabei saindo com um dos irmãos de John Smith, o que permitiu que eu passasse a fazer parte do círculo de amizade deles — e, por influência de Missy, acabei virando um dos barman de lá.

Começar a trabalhar na TARDIS fez com que eu percebesse o quanto a relação entre John Smith e Missy no bar era explosiva — ainda assim, nada se comparava aos almoços de domingo. Geralmente, River aparecia nesses almoços com o filho e, depois de algumas doses de bebida, “desaparecia” no andar superior. As vezes, Missy passava horas no sótão “arrumando seus vestidos”; em outras, John dizia ir “afinar seus instrumentos” e também desaparecia. Bem, não há nada de estranho nisso, exceto que ambos só faziam essas coisas quando River aparecia. Havia algo em torno desses três que eu podia perceber, ainda que não pudesse compreender por completo.

Por muitas vezes, ao ir visitar meu namorado, me deparei com cenas desastrosas e brigas bizarras (para dizer o mínimo). Certa vez, Missy atirou todas as frigideiras da cozinha na direção de John; em outra, Smith correu pela casa atirando ovos de galinha na direção de sua até então noiva. Então, quando o telefone tocou naquela fatídica madrugada, não me surpreendi ao ouvir que meu cunhado estava em um hospital. Só ao chegar lá pude entender a gravidade da situação: em um ataque de fúria, Missy havia acertado John com uma faca na mão direita e no tórax. Depois do choque, a mulher se apressou em buscar ajuda — o que possibilitou que o socorro chegasse rápido e o homem não corresse risco de vida.

O sol estava nascendo quando finalmente concluímos os trâmites legais e pudermos ir para casa. Colocamos John para descansar, afinal, o pobre coitado estava arrasado. Durante duas semanas, meu cunhado não passou nem perto da TARDIS — ele sequer se alimentava direito. Cheguei a pensar que ele não voltaria ao trabalho, principalmente quando soube que Missy havia desaparecido levando apenas a roupa do corpo. Após aquela última discussão, fugiu com o carro do casal — ela se foi sem nem olhar para trás, enquanto John era medicado naquele hospital. Fizemos uma imensa busca, centenas de telefonemas e mesmo assim continuamos no escuro, sem saber o paradeiro de Missy Saxon. Isso sem falar na cobertura da mídia, que muitos de vocês devem ter visto e ouvido os absurdos que publicaram a respeito dessa história na internet.

Foi com imensa surpresa que cheguei para trabalhar e encontrei John em seu lugar habitual com o violão no colo, o qual ele dedilhava despretensiosamente. Haviam poucas pessoas quando o dedilhado de meu cunhado começou a ganhar forma e então as palavras começaram a sair de sua boca no ritmo da melodia.


Oh Missy, volta, desgramada
Volta, Missy, que eu perdoo a facada
Oh Missy, não me deixa
Volta, Missy, que eu retiro a queixa

Pisquei os olhos algumas vezes, meio que para ter certeza de que eu não estava sonhando. Quer dizer, Missy o havia atacado e ainda assim ele a queria de volta? Incrédulo, olhei ao redor apenas para encontrar copos erguidos e braços levantados, ambos balançando no ritmo da música de John Smith. Antes do fim da música, vídeos com trechos do refrão estavam sendo publicados e repostados massivamente internet a fora com a hashtag #VoltaMissy.

No dia seguinte, recebi uma mensagem de River contando uma história que custei a acreditar — porém uma pesquisa rápida mostrou que não havia nada de mentira na história dela. Algo que começou como comoção entre os frequentadores da TARDIS e fãs de John Smith, acabou se tornando a maior busca da história para encontrar Missy Saxon. Se você pesquisar por #VoltaMissy ou #ElePerdoouAFacada vai ver que estou falando sério.

De minha parte, acredito que Missy voltará mais cedo ou mais tarde. Se existe uma verdade no mundo, essa verdade é que Missy e John são duas forças da natureza que nasceram para viver juntas. Agora, quando ela voltará... Isso, já não sei dizer.

E, enquanto ela não volta, Smith solta a voz — na ingênua esperança de que ela vá ouvir sua música e voltar pra casa.


Oh Missy, volta, desgramada

Volta, Missy, que eu perdoo a facada

Oh Missy, não me deixa

Volta, Missy, que eu retiro a queixa

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.