Me aproximei lentamente quando a porta foi fechada atras de mim. Os olhos do paciente me encaravam, mostrando uma expressão que parte do corpo não mostrava. Minha mãe sentou em uma cadeira que estava do lado esquerdo da cama, pegou a mão dele com os os olhos marejados.

Um lado do seu corpo estava completamente paralisado. Seu rosto mostrava que havia sofrido um derrame recente. Me aproximei lentamente, ele segurou as minhas mãos. Com a voz fraca e notavelmente transformada:

– Me ... perdoa, filha...

Levantei a cabeça tentando conter as lagrimas. Impossivel. Meu "anjo" agora tinha um rosto, e bem conhecido. Não sabia o que dizer. Toda magoa desapareceu quando a ficha caiu. A neta que ele negou, a filha que ele abandonou... Ambas continuaram vivendo por causa dele. A respiração dele estava fraca.

– Fui um mal pai... Nem terei tempo de... ser chamado de avô. - Ele chorava enquanto tentava organizar as frases. - Eu voltei, eu tentei me aproximar... - Observei um sobretudo que estava sobre uma das cadeiras do quarto, me recordei do sujeito entre as arvores. Era ele. - Sabe... aquele rapaz que estava com voce, eu gostei dele...E a minha neta... ela é linda, como voce. E tem os olhos da sua mãe. Eu não verei ela crescer...

Ele começou a chorar como um bebê. Nunca tinha visto ele daquele jeito.

– Pai, não fala isso. Nós ainda faremos piqueniques juntos, iremos no parque. O senhor ainda vai levar ela para a escola...

Os batimentos cardiacos começaram a acelerar. Minha mãe levantou com o olhar preocupado. Conferindo os aparelhos.

– Pare de falar, descanse.

– Não... Eu não posso... - A respiração mais ofegante ainda - Preciso dizer que nunca deixei de pensar em voces... Eu amo voces ainda que não mereça receber esse... amor de volta. Não diz a ela que eu existi... Sou uma vergonha...

– O senhor é o heroi dela... - Falei entre lagrimas. - E o meu tambem.

– Eu preciso que me perdoem... por favor, não precisa se lembrar de mim, só me deixem ir perdoado.

Me uni a ele em um abraço enquanto ele repetia: Por favor, me perdoe...

Beijei sua mão e o lado afetado do seu rosto. Nossas lagrimas se misturavam.

– Pai, pai, é claro que eu te perdoou. Esquece tudo, vamos recomeçar.

A voz de minha mãe entre soluços contidos revelou o que eu não queria ouvir.

– Não há mais tempo.

A voz de meu pai sumia aos poucos enquanto bip acelarados começaram a soar. Enfermeiros entravam rapidamente enquanto ele sorria e balbuciava sua ultima palavra:

– Obrigada...

– Não pai, não va. Eu te amo... não vai. Sua neta precisa de voce...

Fui tirada da sala a força enquanto os enfermeiros tentavam reanima-lo. Sabia que nao poderia entrar, mas parecia tudo tão injusto. Eu queria toca-lo. Fiquei do lado de fora, onda havia uma janela de vidro. As cortinas não foram fechadas, eu poderia vê-lo, o que na verdade foi muito mais angustiante. Minha mãe estava comigo, juntamente com mais um dos enfermeiros que me tirou da sala.

– Filha, voce tem que..

– Não mãe! - Gritei não de raiva dela, mas da situação - Eu não vou aceitar, não vou esperar... Ele nao pode morrer mãe, não pode... Ele vai brincar com ela assim como brincava comigo... Ele vai...

Eles pararam com as tentativas de reanimação. O semblante que ninguem suporta ver. O médico responsavel olhou para nós atraves do vidro e balançou a cabeça negativamente enquanto uma das enfermeiras cobria o rosto do meu pai. Ele não podem brincar assim, assumi pra minha mãe.

– Ele esta brincando mãe, isso tudo foi uma armação, não foi? Eu ja aprendi a lição, me deixem entrar agora.

Eles se olharam e me impediram de entrar.

– Mãe, explica pra eles que o papai sempre brincou assim. Fingiamos que desmaiavamos, a senhora lembra? Conta pra eles mãe... Conta que eu ja sei de tudo.

Minha mãe chorava.

– Não filha...

– Me deixem entrar agora! - Gritei.

Fiz toda força que pude para invadir o quarto de meu pai, mas eles eram mais fortes. Outras pessoas começavam a parar para ver o que estava acontecendo. E de repente tudo apagou.

***

– Mama...

– Isso, pequena. É sua mama que esta ali, descansando. Olha, acho que ela esta acordando. Que tal voce ir dar um beijo nela?

Senti o beijo de André na minha testa, e o da minha filha no meu rosto.

– Voce esta bem?

– Estou tonta

– Bem... eles precisaram de dar um tranquilizante de efeito rapido.

Apertei meus olhos, mas essa lembrança não sumiria assim tão facil. Um lençol, um passado... um pai. André sentou na cama abraçando-me contra seu peito. Não consegui mais chorar, parece que a dor congelou todas as lagrimas, e isso não me pareceu tão ruim. Ele pegou minha mão e alisando meu anel, perguntou:

– Sabe o significado desse anel?

– Um relacionamento, uma aliança? Não sei...

– Quer dizer que Deus estará sempre presente. Ele é nosso maior Pai. E não nos afastaremos dEle e nem um do outro, entendeu?

– Humhum. André, eu te amo...

– Eu te amo mais...

Senti paz. E é estranho afirmar isso quando se perde alguem que amamos. Só me restará saudade depois que essa dor forte se diluir.

Senti falta da Kamila, mas fiquei sabendo que ela estava se tratando. Depois de uma noticia dessas, ela até que estava superando, mesmo sabendo que não é algo que um dia vá mudar, por que simplesmente não vai. É terrivel dizer isso, mas se adaptar ao mal, as vezes parece ser a unica saida.

O Sergio ia frequentemente visitar a Gabrielle, isso não me incomodava, mas incomodava o André que não gostava nada da presença dele, só soube disso porque ele me disse. Não havia notado, eles se tratavam com cordialidade.

Alguns dias depois fui ao cemiterio - não consegui ir no dia do enterro - com as pessoas mais importantes da minha vida, minha mãe, minha filha e André, o homem que amo. Sei que não poderia falar com meu pai, nunca suportei a ideia de ver um vivo conversando com uma lápide. Mas agora, ali diante dela, eu entendi a necessidade que o ser humano tem de criar fugas para sua dor. Não acreditamos que vai melhorar, mas tentamos. Não levei flores. Lembrei-me de que quando era muito pequena peguei duas flores simples de um pequeno jardim na frente de casa. Entreguei uma a minha mãe e uma ao meu pai. Ele retrucou: - Homem não recebe flores!

– O senhor não é um homem só, o senhor é o meu pai.

Minha mãe me contou isso, afirmando que o deixei sem jeito. Sussurrei: - Ele era o meu pai.

Como o André mesmo disse, tenho um Pai maior, e que de uma forma ainda mais dolorosa e injusta entregou seu filho por amor a mim. Olhei para os céus, imaginando quando estaria la, e quando os veria. André pareceu ler meu pensamento.

– Em breve nos encontraremos com ele, meu amor. Em breve nos encontraremos com os dois...

Ele beijou minha testa e demos as costas a lapide. Eu não queria mais voltar aquele lugar tão vazio. Saí com a certeza de que tudo iria melhorar. E que eu nunca iria esquecer o homem que salvou a vida de minha pequena princesa. Tudo isso deixei gravado na lápide:

”Sempre vamos te amar”

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.