Virando do avesso

Só uma boa lembrança


Algo duro machucava o meio das costas de Júlia, quando ela acordou na manhã seguinte, com sua cabeça latejando um pouquinho. Ao abrir os olhos, a luz do dia os feriu, não reconheceu onde estava no primeiro instante, depois se lembrou da noite anterior, em que tinha bebido e falado demais com seu vizinho. Olhou em volta e uma máscara africana a encarou de modo acusador, então, reconheceu a casa de Mauro, ela havia dormindo no sofá da sala, ainda vestida, mas sem sapatos, com um travesseiro sob a cabeça e um lençol a cobrindo. Levantou-se meio zonza, olhou em volta, depois procurou a cozinha, sua garganta estava seca e arranhando, precisava de um pouco d’água. Parou no meio do corredor, para admirar as fotos penduradas na parede, que chamaram sua atenção, era de duas crianças em diferentes fases da vida, até aparecerem como dois belos pré-adolescentes, em uma paisagem idílica cercada de neve.

— Meus filhos! – Júlia se assustou, pois não esperava Mauro aparecer naquele momento, atrás dela. Isso já estava virando um hábito. Ele parou do lado dela para admirar a foto.

— São muito bonitos.

— Bom dia, Júlia. Como está se sentido?

— Bom dia. Para falar a verdade não muito bem, desculpe-me por beber demais e ter dormido no seu sofá. E, por favor, Mauro, não pense que estou bisbilhotando olhando seus retratos, só estava procurando a cozinha. Estou com sede

— Não se preocupe, essas coisas acontecem com todo mundo pelo menos uma vez na vida, Júlia. E nem me importo que olhe as fotos dos meus filhos, elas estão aí por isso mesmo, para serem vistas. Eu faço um café para você.

— Não precisa, eu vou embora, não quero incomodar mais. Ah, meu Deus! Eu nunca bebi tanto, estou morrendo de vergonha de tudo isso!

— Primeiro, você não está me incomodando, Júlia, porque se eu não quisesse, não faria o café. Depois, não precisa se sentir envergonhada, eu já passei por isso algumas vezes, já acordei em vários sofás ou lugares bem piores. Imagine, que essa é uma nova experiência na sua vida. Venha, eu a levo até a cozinha!

Júlia o seguiu e sentou-se em banquinho da cozinha, com os cotovelos apoiados sobre a mesa, observando Mauro preparar o café.

— Desculpa por ter bebido demais e ter que dormir na sua casa. Não sei o que deu em mim.

— Você não bebeu tanto assim, só não está acostumada. Então, achei melhor deixar você dormir no sofá e não foi nenhum problema para mim. Espero que tenha dormindo bem.

— Acho que sim, eu apaguei. Que idade têm os seus filhos?

— A garota tem treze e o menino, onze. Eles moram na Suíça com a mãe e o padrasto.

— Você parece jovem para ter filhos nessa idade?

— Quando eles nasceram, eu era quase um adolescente. Eu e minha ex-mulher estávamos apaixonados, Lilian ficou grávida de Mia e nos casamos, depois veio Pablo. E como você percebeu, nosso casamento não deu certo – Mauro colocou uma xícara na frente dela e sentou-se do outro lado da mesa. – Você se sente melhor hoje?

Ela tomou o café forte e encorpado bem devagar.

— Ainda não sei, mas acho que me sinto um pouco melhor agora, mais conformada. Obrigada pelo café e pela conversa de ontem à noite, mas eu preciso ir.

— Por quê? O que espera por você lá?

— Eu, realmente, quero ir agora, Mauro. Preciso muito de um banho quente. Novamente, obrigada por tudo.

— Tudo bem. A gente se vê depois

Júlia caminhou até a porta, e quando a abriu, recebeu, dolorosamente, a luz do sol nos olhos, caminhou de voltou para casa e assim que chegou, notou o olhar incriminador de Maria sobre ela, foi direto da o quarto e se deitou na cama. Trouxe para junto de si, o travesseiro ao seu lado e o abraçou com força, ainda podia sentir o cheiro de Ricardo, então chorou mais uma vez, pelo o que perdeu. Depois de algum tempo, levantou-se e foi até o telefone, ligou para a Leandro, após vários toques caiu na caixa de mensagem, tentou de novo, e dessa vez, ele atendeu.

— Leandro?

— Júlia?

— Sim, sou eu.

— Júlia, quando você vai voltar? Precisamos conversar pessoalmente – Leandro pediu carinhosamente, deixando Júlia balançada.

— Acho que ainda não estou pronta para essa conversa, Leandro.

— Júlia, você não pode se esconder para sempre. Diga onde você está e eu vou encontrá-la.

— Ainda não, Leandro. Preciso de algum tempo. Só liguei porquê...

— Por que você ligou, Júlia? Sentiu saudades?

Júlia deu um longo suspiro

— Depois a gente se fala, Leandro. Eu realmente ainda preciso de um tempo sozinha.

— Quanto tempo mais você vai precisar? Precisamos resolver nossas vidas. Eu a amo, Júlia.

— Até logo, Leandro.

Júlia ficou o fone na mão, pensou como aquilo era ruim, estava confusa por causa de Ricardo, sentindo-se sozinha e triste, assim teve necessidade de ouvir a voz de Leandro. Ela não queria tomar nenhuma atitude, assim fragilizada. Então, fez mais uma ligação.

— Bruna.

— Júlia, sua maluca! Onde você está? – Bruna falava alto, eufórica, no telefone.

— Eu ainda preciso de um tempo sozinha.

— Você sumiu quase na véspera do casamento. Quando você vai superar essa crise? É medo do compromisso? Isso não parece coisa sua.

— Não. Na verdade, eu peguei Leandro com outra mulher.

— Pegou? Pegou como? Você tem certeza?

— Claro que eu tenho. Os dois estavam nus na cama, ela em cima dele.

— Não posso acreditar! Logo Leandro que parecia tão certinho.

— Pois é! Por isso, terminei com ele. E vim parar aqui, onde estou. Só que aconteceu uma coisa.

— O quê? Algum problema?

— Eu conheci um cara.

— E aí?

— E... Não sei exatamente como aconteceu, mas eu ... nós nos envolvemos e a gente transou.

— Transaram?

— Sim, muitas vezes.

— E foi bom?

— Foi muito bom! Ele me fez sentir como eu nunca me senti antes. Eu fiz coisas que nunca imaginaria fazer.

— Nossa! Eu nunca imaginaria você falando dessa maneira, Júlia!

— Quem é ele?

— Ele trabalha em um circo, se apresenta no globo da morte, sabe aquele com as motocicletas girando e ....

— E?

- E ele tem 19 anos.

— Nossa! Eu estou, realmente, impressionada com isso.

— Mas o problema que ele foi embora.

— Isso é muito ruim para você, Júlia. Sabe como é, nós, mulheres, criamos uma ligação forte com os caras que despertam nossa sexualidade.

— Como você sabe disso?

— Você não foi a única mulher a passar por uma situação dessa. Fiz muito tempo de terapia para descobrir isso. Porém, o único consolo que com o tempo fica melhor, só uma boa lembrança. E você sabe? A fila anda.

— Por que nunca me contou sobre isso?

— Porque você não era a pessoa mais adequada para conversar sobre esse assunto. Contudo, parece que você está mudando. Quando é que vai voltar para casa?

— Ainda não sei, mas, também, não posso deixar Rafael tanto tempo sozinho com a empresa, quero ficar longe só mais um tempinho.

— Desculpe, Júlia. Preciso desligar, tenho uma reunião agora, mas me ligue quando precisar conversar. Quero saber todos os detalhes sujos desse seu casinho. Beijos.

— Eu ligo depois. Beijos, Bruna.