Viraha

Uma princesa ou uma missão do passado?


(Castelo — 23:56 — Domingo)

— Tem certeza que é por aqui?

— Por acaso você está começando a desconfiar de que a sua hipótese de que eu sou a princesa estava errada?

— Não é isso, é que já viramos tantos corredores que eu perdi a conta, não desconfio que você é a princesa, eu desconfio da sua ingenuidade, não tentou nada até agora e para onde está me levando, realmente esse quarto fica tão longe assim?

— Não acha que se eu estivesse te enganando já teria percebido?

— Provavelmente, mas...

Leo passou a refletir o que havia acontecido desde que se encontraram, ela não havia conseguido mentir muito bem no começo, porque faria tanta atuação assim? nem ao menos deve ter sido treinada para tamanha enganação, algo não se encaixava, ela teria lhe ajudado com tanta facilidade, por quê?

— Olha não estou lhe ajudando apenas porque quero saber sobre sua vida, eu tenho meus motivos também. — Uma briga com a família? Talvez isso fosse longe demais para ser apenas uma briga. — Não é só você que tem segre...

Ele a puxou e a prendeu entre ele e a parede, a proximidade era tão grande que Claire mal conseguia respirar, podia sentir cada músculo de seu peito colado ao corpo dela, ele tampou a boca dela antes que ela pudesse argumentar qualquer coisa e então começou a puxa-la pelos corredores.

— O que foi aquilo? — Disse Claire ofegante e as maçãs do rosto coradas.

— Você não ouviu os passos e as vozes? Estavam procurando por você eu acho.

— O que? Me procurando?

— Olha o que quer que você estava planejando fazer fora do castelo, era perigoso.

— O que deu em você de querer bancar o protetor agora? Pelo que eu saiba você é o sequestrador.

— Mercenário, por favor. — Ele a corrigiu. — Não me confunda com um sequestrador de merda.

— Então agora você vai dizer que não está fazendo o mesmo que um sequestrador?

— Se eu realmente fosse um sequestrador provavelmente estaria num alçapão estuprada e esperando o próximo enquanto eu negociava com o rei o quanto iriam querer por você viva, mas planejava logo em seguida em como te matar quando recebesse o dinheiro.

Ela abaixou a cabeça.

— Me desculpe...

— Não fique tão triste, fique feliz por eu não ser um sequestrador. Você não vai estar em perigo comigo, bom. — Ele a olhou de um jeito nada amigável — A não ser que você esteja me enganando.

— Não se preocupe com isso, se preocupe com os guardas, agora como eles descobriram que eu supostamente “fugi”. — Ela fez aspas com os dedos. — Vai ser difícil saber onde tem guardas e onde não tem e eles podem estar correndo.

— Está bem, o que você sugere?

— Bom, nós não estamos muito longe, falta bem pouco, o que me preocupa é se meu pai não vai estar na sala.

— Por que seu pai estaria nessa sala?

— É complicado... — Ela respirou fundo tentando não pensar na ultima briga que tivera com o pai, havia dito coisas terríveis, sabia que se arrependeria, mas não conseguia aceitar o fato de que seu pai estivesse escondendo tantas coisas, coisas que afetariam a vida dela com uma imensidão tão grande que ela não conseguia suportar. — Venha.

Estavam com sorte, nenhum guarda havia passado muito perto a ponto de arriscar tudo, Claire temia que se os encontrassem tivesse que arriscar perder a primeira companhia que a fizera se sentir como nunca antes, o único que a viu de outro modo, mesmo sabendo quem ela era.

— Certo, é aquela porta bem ali. — Claire apontou com um dedo para a segunda porta do corredor, havia dois guardas parados em um corredor que também ligava aquele, teriam que ser imperceptíveis para que não os notassem. — Deixe que eu vou na frente, chamo a atenção deles e você entra.

— Por que eu perderia minha chance de ficar sozinho em uma sala com Claire Eliott?

Leo acabara de perceber que deixa-la envergonhada ou irritada era mais satisfatório que qualquer um que já conhecera, se sentia um pouco privilegiado por ter a capacidade de afetar os sentimentos de uma princesa.

— Não fique se achando tanto, eu não ficaria com um mero mercenário.

— Então agora você reconhece meu título?

Ela revirou os olhos e ele chegou mais perto do ouvido dela falando em um sussurro.

— Acredite, você ia amar ter a oportunidade de ficar comigo entre quatro paredes.

Ela sentia seu corpo todo pegar fogo, era difícil controlar seus sentimentos com ele tão próximo.

Leo abriu outro sorriso por detrás daquela máscara e a puxou em direção a sala ignorando os guardas, entrou e fechou a porta na maior velocidade que pode para então tranca-la.

Claire não estava raciocinando bem, seus pensamentos estavam nas últimas palavras que Leo sussurrara em seu ouvido, como ele ousara se aproximar tanto? Ela não havia permitido, ou será que havia? Ela já não sabia mais, todavia tentou focar no presente, em que guardas batiam na porta e gritavam para sairem de lá.

— Nós a encontramos, ela está sendo levada!

— O que você fez? — Ela exclamava desesperada.

Leo não a escutava mais, a joia roubara toda sua atenção.

Um colar provavelmente feito de ouro branco, com uma pedra azul em seu pingente, com seus conhecimentos acreditava ser um Topázio azul muito bem lapidado. Ele o retirou do vidro que o protegia e colocou em um saquinho preto que o amarrou forte e jogou dentro de sua bolsa.

— Bom, foi um grande prazer trabalhar com você, Claire. — Ele fez uma pequena reverência e começou a ir em direção a janela. — Mas tempos passam e temos que esquecer algumas coisas, para que nosso passado não volte a nos atormentar certo?

Ele estava prestes a começar descer da janela quando ela o puxou uma ultima vez.

— Espere...

— O que?

Ele a encarava confuso.

— Me leve com você!

— O que? — Dessa vez ele soou bem mais incrédulo.

— Eu não mereço essa vida, esse lugar é uma prisão, eu preciso de liberdade, poder viver da maneira que eu quero, onde eu quero e não presa nesse castelo onde todos estão me vigiam a todo o tempo. — Seus olhos suplicavam para que ele se comovesse. — Por favor, eu prometo que quando eu estiver longe o suficiente daqui eu — Ele a calou com um gesto.

— Veja bem, olhe tudo o que você tem direito todos os dias que ninguem la fora tem, comida a vontade feita por chefes, o que quiser, a hora que quiser, você só não pode ter outra casa, mas olha o tamanho desse lugar. Claire Eliott não seja mal agradeci...

— Não ouse dizer isso. Você não sabe como é viver aqui.

— E você não sabe como é viver lá, nós dois temos visões erradas, porque um pode ser melhor que o outro? Não posso te levar comigo, tenho coisas mais importantes a que me preocupar do que te carregar por ai.

— É claro, você é um mercenário, tudo por dinheiro, se eu lhe pagasse...

— Não.

— Mas eu nem disse a quantia!

— E de que me interessa o dinheiro por estragar uma família? O que seu pai pensa disso? Seus irmãos? Pensou neles também quando fez essa escolha?

— Eles não iriam se importar.

— Não fale pelos outros o que você não sabe.

Mais batidas na porta, ela estava prestes a ser derrubada.

— Olha, eu pensei bem, eu sei o que eu estou fazendo, por favor... — A voz dela falhou, lágrimas escorriam a todo vapor. — Eu só queria ter uma vida normal...

— Escute Claire, nem sempre normal é a definição de felicidade. Escute apenas tente ser quem você é não importa as circunstâncias.

— Por que você está sendo legal?

— Porque eu não sou um sequestrador lembra?

Ela sorriu em meio as lágrimas quando ele finalmente foi embora assim que os guardas abriram a porta.

— A princesa está a salvo! — Disse o primeiro guarda que entrara no cômodo.

— Graças a Deus! — exclamou outro guarda. — Ele não a machucou?

Ela sacudiu a cabeça.

— Tem certeza princesa?

Disse Harold, o guarda com o posto mais alto no exército real.

— Sim.

— E quando e como foi que ele a encontrou?

— Eu estava andando pelo castelo quando ele me abordou, nunca o havia visto antes.

— Você viu o rosto dele?

— Não exatamente.

— O que quer dizer com “não exatamente”?

— Bom ele usava um cachecol alto, apenas pude ver seus olhos.

— Entendo...

Harold não era um homem comum, ele analisava cada detalhe, sempre fora muito perfeccionista, não era fácil fingir que tudo não estava perfeitamente bem para ele. — E ele não lhe disse nada sobre o que viera fazer aqui dentro do castelo e porque foi diretamente em você, princesa?

— Olha eu não conversei muito com o meu suposto sequestrador ok? Não sei os motivos dele, não sei nada, o que eu sei é que ele me agarrou enquanto eu saia do meu quarto e me levou até essa sala, pegou aquela joia e fugiu por aquela janela, ele não era um homem de muitas palavras... — Ela se lembrou do que ele sussurrara em seu ouvido pouco antes de entrarem ali e como ele perdeu sua atenção nela quando viu a joia, ela quase podia sentir ciúmes da atenção que ele deu para aquela simples joia...

— Princesa?

Harold a arrancou de seus pensamentos.

— Sim?

— Se lembra de alguma coisa que ele disse que possa ser relevante? algum movimento? hábito? qualquer coisa.

— Bom ele era bem mais alto que eu, talvez da sua altura Harold, um pouco mais baixo.

— Certo, algo mais?

— Não só isso mesmo...

— Bom, então caso se lembre de algo vou agradecer se me procurar, obrigado senhorita.

Ele saiu da sala e deixou Claire sozinha com alguns guardas e sua conselheira Abby.

— Vamos senhorita, venha tomar um banho, posso imaginar como foi traumatizante passar por isso.

Claire concordou e parou de ouvir, seus pensamentos dela já tinham ido para um lugar bem distante, onde talvez Leo estivesse sorridente com o colar que daria para alguma amante ou coisa assim, ele a fizera se sentir como nunca antes, feliz, livre e em questão de minutos a magoara e a deixara sem qualquer rumo a seguir, tentava focar em seu ultimo conselho. “ser quem você é não importa as circunstâncias.” Mas era como se a dissesse para aceitar a mínima liberdade que ela conquistou em tanto tempo, ela se sentia sufocada de tanta coisa, tantos deveres e responsabilidades, foi por isso que ela dormiu após um longo banho quente, dormiu para que ao menos pela noite ela se esquecesse de todos os seus problemas.

(A alguns minutos do castelo. — 00:57 — Segunda-Feira)

Leo havia visto poucas vezes mulheres desesperadas, mas definitivamente ela se superou, era engraçado para ele, de todos os problemas que uma princesa pudesse ter, querer deixar de ser da realeza nunca se passara pela cabeça dele. Ela era incrivelmente louca, mas já havia pensado em como seria viver naquele castelo, não havia gostado muito da ideia de não poder sair de la sem ter vários guardas a sua volta, mesmo que soubesse se proteger sozinho, ela devia se sentir da mesma maneira que ele imaginou.

Algo nele o fazia querer voltar e leva-la para algum ligar longe dali, mas ele sabia que não podia, sabia que isso estragaria todos seus planos, então ele seguiu em frente, até algum lugar que os guardas não o encontrariam.