"O que está havendo?" Gemeu Samantha quando sentiu suas pernas perderem as forças fazendo-a cair no chão.

De repente seu cérebro se encheu de pensamentos confusos que não pertenciam a Samantha. Sentimentos como medo e horror ao se lembrar dos momentos juntos a Erik, alivio ao vê-lo colocar a mascara novamente. Nada disso havia se passado pela cabeça dela durante aqueles momentos. E se esses pensamentos não eram de Samantha, só podiam ser de uma pessoa.

Christine Daae.

Sua cabeça estava cheia de imagens de um homem com seus 40 anos com cabelos loiros que estavam começando a ralear, tocando violino em uma praia qualquer. E depois outras cenas, agora com um menino de uns 11 anos correndo em direção ao mar atrás de uma echarpe vermelha que boiava sobre as ondas.

"Maldição! O que está acontecendo comigo?" Disse ela se apoiando na parede para não cair novamente. "O que diabos foi isso?"

"Ops! Eu ainda preciso pegar o jeito dessa coisa." Disse uma voz esganiçada e muito conhecida.

Samantha teve que enfiar o punho na boca para não gritar ao ver o invasor do "seu" quarto.

Aquele velhote maldito!

Ele viu a cara de Samantha e perguntou no tom mais inocente possível.

"Por que você está com a mão na boca? É algum exercício que Erik lhe passou?"

"O que é que você está fazendo aqui?" Perguntou ela aos sussurros. "Se Erik pega você aqui..."

"O coitado teria um belo susto?"

"Não, você iria ganhar um punjab no seu pescoço." Corrigiu Samantha.

"Seria interessante, gostaria de ver Erik tentando matar algo que não pode ser morto..." Disse o velhote segurando o riso.

"Me esqueci desse detalhe..." Resmungou Samantha.

"Bem, mas agora, voltando ao que interessa." Disse o velhinho se erguendo de um salto e pegando algo como um bastão.

"Me desculpe pela enxurrada de memorias que eu larguei em você" Disse ele girando o bastão entre seus dedos. "Um amigo do departamento de lembranças me deu isso de presente, mas eu ainda não peguei o jeito para usar isso."

"O que?" Perguntou Samantha. "Isso que aconteceu agora foi você?"

O velhote deu de ombros

"Eu tinha me esquecido de fazer alguns ajustes. Imagine se Erik lhe pergunta algo sobre o passado de Christine. Você iria dizer que se esqueceu? Bem, eu não quero correr o risco de ele desconfiar de algo. E falando nisso..."

O velhote pulou de cima da cama e caminhou até Samantha com os olhos faiscando. Ele pegou o bastão e acertou na cabeça dela.

"Ai! O que eu fiz, seu velhote maldito?" Disse ela com lágrimas nos olhos.

"Que desempenho foi aquele? Um pato fanho com laringite cantaria melhor que você! Erik ficou desapontado com você. Ele está se perguntando se a visão de seu rosto fez com que você perdesse o seu talento. Que o fato de tê-lo tocado tenha arrancado a pureza de sua alma e que Deus, para puni-la, arrancou o seu dom."

"Foi tão ruim assim?" Choramingou Samantha.

"Foi tenebroso." Declarou o velhote.

"Erik tem uns parafusos faltando, certo?" Indagou Samantha.

"Não fale assim da minha alma!" Disse o velhote batendo com o bastão na cabeça de Samantha.

"Para de me bater com essa coisa!" Gritou Samantha.

"Christine?"

"Merda! Droga Erik, isso é hora?" Gemeu Samantha. "Suma daqui, velhote estúpido!"

Mas o maldito já tinha desaparecido.

Duas batidinhas na porta. E Erik entrou no quarto.

"Christine? Você está bem?"

Xingando mentalmente aquela peste daquele velhote, Samantha tentou colocar no rosto de Christine o olhar mais inocente possível.

"Estou sim, Erik. Por que a pergunta?"

"Pensei ter ouvido vozes vindo do seu quarto." Disse Erik com um tom desconfiado.

Francamente! Erik precisa de um terapeuta para tratar esse ciúme obsessivo! Ele não acreditava nos seus olhos?

"Hum... Não tem ninguém aqui além de nós dois. Não sei do que você está falando." Disse ela inocentemente. "Mas a proposito, eu queria me desculpar pelo meu desempenho de agora a pouco. Eu estava distraída. Prometo melhorar, eu só estou um pouco cansada."

Ela não podia ver o rosto de Erik por baixo da máscara, mas ela poderia apostar que ele estava sorrindo.

"Você poderá provar isso mais tarde. Agora venha jantar. Me siga."

Uau! Sem nenhum "não se preocupe, você cantou bem" ou qualquer outra coisa. Insensível! – Pensou Samantha

Ela segurou a mão que Erik lhe ofereceu, e novamente ele ficou um pouco atordoado pelo contato entre os dois. Mas ele não disse nada e a guiou silenciosamente para o mesmo lugar onde ela havia almoçado.

Samantha se sentou silenciosamente, mas ao notar que só havia um prato à mesa, ela não conseguiu deixar de perguntar.

"Você não vai comer?"

Erik ficou em silencio por um momento antes de dizer.

"Não se preocupe, não tenho fome."

Samantha insistiu.

"Você não comeu nada o dia todo, e eu estou faminta, sendo que eu almocei." Disse ela "Nenhum ser humano normal aguentaria tanto tempo sem comer."

Algo que ela disse deve ter irritado Erik, pois ele ordenou com uma voz retumbante que com certeza intimidaria a verdadeira Christine.

"Creio que isso não seja da sua conta. Simplesmente coma!"

Ele disse isso e saiu da sala com um giro teatral de seu manto. Era tão clichê que Samantha teve que morder a língua para não começar a rir. Ela não entendia o porquê, mas os momentos de raiva de Erik ao invés de assusta-la a fazia ter vontade de rir.

"Você fica tão bonitinho quando está irritado" Disse ela sorrindo enquanto começava a atacar a comida.

Com certeza a convivência com Erik a estava tirando do seu juízo normal.

Erik voltou cerca de meia hora depois. Samantha resolveu não mencionar o que aconteceu no jantar, pois provavelmente ela cairia na gargalhada e conseguiria um laço punjab bem apertado no seu pescoço.

Ela seguiu Erik até a sala do piano, onde eles imediatamente começaram a sua sessão de música. Samantha se concentrou em lembrar cada dica que Erik deu à Christine durante as aulas no camarim.

Mas não estava dando certo.

"Christine! Você está perdendo o ritmo." Disse Erik num tom indignado. "Você não está respirando direito. Fique com as costas mais eretas! Vamos começar essa linha novamente."

Samantha fez o que Erik pediu. Costas eretas, respiração regular, esse cara está me tirando a paciência...

"Tudo bem, vamos lá."

Ela repetiu a ultima linha da canção, mas Erik bateu os dedos no piano em frustração.

"Christine..." Erik suspirou tirando as mãos do piano. Samantha não podia acreditar em seus olhos, Erik realmente está chorando?

"Erik?" Disse Samantha se sentando ao lado dele no piano.

"É minha culpa, você não pode cantar mais. Não agora que você viu o monstro. Eu arranquei a beleza da sua voz. Me perdoe minha doce Christine..." Ele parecia estar falando mais para si mesmo do que para Christine.

E ela achando que o velhote estava brincando.

"Oh! Erik" Suspirou ela sentindo vontade de bater em si mesma. A dor que ele emanava parecia atravessar o corpo de Christine e atingir a alma de Samantha. "P-por favor, n-não chore..." Disse ela sentindo as lágrimas queimarem seus olhos. Por que ela não conseguia suportar vê-lo daquele jeito, culpando a si mesmo por um erro dela.

Erik não respondeu, mas ela o viu fechar as mãos em punhos, e também ela viu duas lagrimas saírem por debaixo da mascara e caírem nas teclas do piano.

Isso era demais para Samantha. Ela tocou na mascara negra que ele usava. E muito delicadamente ela removeu-a do rosto dele e a apertou contra o peito.

Erik levou alguns segundos até perceber o que ela havia feito.

"Christine!" Exclamou ele avançando para cima dela.

Mas Samantha foi mais rápida, ela saltou para longe dele até se ver encurralada em uma parede.

Erik avançou até ela. Seus olhos brilhavam com os piores sentimentos: dor, mágoa e traição por ela tê-lo exposto novamente.

Os olhos de Erik eram a coisa mais bela e triste que Samantha já havia visto. Dentro daquelas piscinas de ouro líquido jaziam tanta dor e tristeza que só de olhar para eles, Samantha sentiu seu coração apertar. Mas o mais encantador era a pureza e inocência quase infantil que eles emanavam.

Naquele momento ela entendeu o porquê daquela alma ser tão valiosa.

Nem a pior desgraça da humanidade poderia roubar a pureza daquele homem.

Por mais horrores que aquela alma passou, seria impossível vê-lo destruindo a vida de alguém que ele realmente ama.

Por isso ele abriu mão de Christine.

E por isso ela, Samantha Michaelis, não importa o que aconteça, iria esfregar na cara daquela imbecil da Christine Daae, que Erik não era um monstro e sim a verdadeira encarnação do Anjo da Música, com toda a sua pureza de uma alma celestial.

E ela iria salva-lo.

Erik estava a cinco passos de distancia dela, quando Samantha fechou os olhos, respirou profundamente e começou a cantar.

E foi um som tão celestial, que ela não teria acreditado que um ser humano fosse capaz de tamanha beleza.

Ela começou a cantar a canção que estavam praticando, mas ela não se concentrou em respiração, no que Christine faria, ou na postura correta. Ela simplesmente pensou em arrancar a dor daqueles olhos dourados, em secar as lágrimas daquele anjo, em salvar a alma preciosa daquele velhote maluco.

Em salvar Erik.

Ela estava na ultima estrofe da canção quando teve coragem de encontrar novamente os olhos de Erik.

E não havia nada a mais do que surpresa e satisfação dentro deles.

Quando a ultima nota soou solitária no ar, Samantha caminhou até Erik. Sem coragem e sem nenhuma vontade de quebrar aquele momento com palavras. Ele tirou a mascara das mãos dela, mas não a colocou. Ele sorriu levemente e disse:

"Você cantou perfeitamente. Agora vá para seu quarto, já passou da hora de você dormir."

Samantha encurtou a distancia entre os dois o bastante para que ela tivesse que erguer o rosto para não perder o contato visual com Erik.

Eles estavam tão próximos...

Ela pode sentir a respiração dele ficar alterada, e ver uma enxurrada de sentimentos confusos passarem pelos olhos dourados dele. Mas nem ela estava entendendo o que estava sentindo.

Por que ela sentia que precisava se aproximar mais?

Mas, de um modo que ela jamais conseguirá entender, ela voltou à razão e disse simplesmente.

"Boa noite, Erik."

Então ela foi o mais rápido possível se trancar no seu quarto, mas não sem antes ouvir Erik começar a chorar novamente.

Mas como ela poderia consola-lo se ela também estava lutando contra as lágrimas.