POV Aria

Uma cota de malha feita com ferro bem forte, braceletes reforçados de couro, escudo de madeira e uma espada de treino sem corte. Era isso o que eu havia sido obrigada a usar no meu primeiro duelo. A cota de malha era peso desnecessário e só me atrasaria com toda certeza, o escudo era uma peça inútil para mim; ao menos os malditos braceletes, que eram maiores do que deveriam ser para mim, serviriam para alguma coisa. Quanto a espada...bem, acho que não devo reclamar dela, não quero mesmo machucar ninguém.

– Já está pronta? – escuto a voz do meu irmão perguntar e me viro para a entrada da baia de Gold, porque sim, eu vim me preparar nos estábulos...fazer o que...eu queria um amigo por perto e Rendon estava ocupado com coisas do Reino e nem poderia vir assistir ao duelo apesar de já ter me dado boa sorte dizendo que eu não precisava realmente dela já que venceria com certeza; de toda forma, me restou apenas Gold como companhia.

– Já – falei suspirando e pegando o maldito escudo – Quem veio assistir? – perguntei saindo da baia e caminhando com Tommy para fora do estábulo.

Meu avô tinha pedido para montarem uma cerca baixa que tinha a altura da minha cintura no formato de um retângulo de 20 passos de um lado e 15 passos do outro. Algumas pessoas viriam assistir, como Celine e alguns dos ferreiros das forjas que queriam ver o que eu era capaz de fazer de verdade. Até onde eu sabia eram só essas pessoas.

– Bem, você vai se surpreender – falou Tommy rindo – Parece que algumas das moças da corte vieram assistir você.

– MaisHeim???? – parei encarando Tommy com uma expressão de espanto – Porque essas garotas cheias de babados e rendas viriam assistir uma luta Tommy??

– Ouvi boatos – ele disse rindo ainda – Na verdade quem ouviu foi Celine e ela veio me contar – falou meu irmão suspirando baixo só por lembrar de Celine e me fazendo rolar os olhos para a enrolação desnecessária dele – Parece que elas ficaram meio irritadas com você pela cena no aniversário do Rendon. E quando correu a noticia de que você começaria a fazer duelos....Bem, parece que elas vieram para rir de você porque acham que uma garotinha de 12 anos lutando é perda de tempo.

– Acham que eu vou perder e levar uma boa surra, resumindo a sua história toda – falei bufando irritada – Que ódio. Porque não ficam nos seus quartos bonitinhos e arrumados ao invés de vir irritar quem está fazendo algo sério??

– E porque você está irritada com elas? – perguntou meu irmão e eu parei encarando a porta do estábulo a nossa frente.

Ele tinha razão...Porque elas me irritavam tanto?? Talvez por estarem sempre bonitas e arrumadas. Ou talvez por nunca levarem nada a sério. Por se acharem mais importantes que os outros, com certeza era um dos motivos. Mas acho que a real razão era por causa das coisas que elas diziam de mim. Me olhavam como se eu fosse uma aberração; eu não podia circular pelos corredores mais altos do castelo sem receber aqueles olhares de nojo, sem escutar aqueles risos zombeteiros ou sem ouvir os comentários do tipo “Ela é mesmo menina?” ou “Como consegue usar essas roupas horríveis!”. Como se tudo o que fosse importante fossem as roupas que alguém usa.

– Elas me irritam Tommy – falei apenas e sai fechando um pouco os olhos ao sair ao sol de meio dia que não estava tão forte mesmo sendo começo de primavera.

Se aqueles abutres achavam que iriam se divertir vindo aqui hoje, estavam muito enganadas. Se achavam que viriam apenas encontrar mais um motivo para zombar de mim e criticar minha amizade com Rendon, então elas iriam ver só o que uma Hawkey poderia fazer.

Assim que meus olhos se acostumaram com a claridade do sol eu pude ver as pessoas reunidas em volta da cerca baixa que havia sido construída. Algumas moças com seus vestidos bonitos estavam do lado oposto, o mais longe possível dos estábulos, mas ainda perto o bastante para assistirem tudo.

Vovô Eliot estava parado na lateral que dava para os estábulos, provavelmente me esperando. Haviam também vários soltados, alguns da guarda real estavam acompanhando a Rainha Elizabeth, outros eram apenas soldados presentes para assistir. As moças estavam em volta da rainha. Haviam também muitas outras pessoas, em sua maioria funcionários do castelo.

Meu “oponente” estava do lado oposto; vestido como eu e com o mesmo armamento. Era um rapaz de pouco mais de 14 anos. Maior que eu, claramente mais forte, mas ainda não tão grande quanto um homem. Passei a mão por meu cabelo para arrumá-lo no lugar, estava comprido e já chegava aos meus olhos, mesmo preso. Encarei aquelas garotas, com seus cabelos compridos, bem penteados, cheios de enfeites e decidi fazer algo.

– Aria, eu te proíbo de não usar algo do que lhe foi entregue – disse a voz do meu avô quando parei ao lado dele – Isso inclui a cota de malha e o escudo.

– Certo, vovô. Já entendi isso – falei suspirando então o encarei – Preciso disso emprestado só um pouco – disse pegando o cabo de uma adaga que ele trazia na cintura do lado oposto à espada.

– Mas o que você vai... – ele começou a dizer meio surpreso e meio irritado, mas quando me viu segurar a adaga e o cabelo com a outra mão ele me parou – O que está fazendo?

– Vai me atrapalhar – disse calmamente afastando a mão dele e passando a adaga afiada contra os fios cortando um corte curto que ainda estava preso pela tira de tecido preto – Agora sim. Vai ser melhor – falei devolvendo a adaga e sorrindo para ele ao passar para dentro da cerca.

Vi Tommy me olhar com uma expressão entre surpresa e riso enquanto meu avô só ficou confuso. Mas o velho Mestre Eliot tinha de iniciar o duelo e logo entrou também seguindo para o centro do cercado. Encaixei o braço esquerdo na tira de couro e segurei firme o escudo enquanto mantinha a espada de treino na mão direita. Meu avô chamou a mim e ao meu oponente e nos dois caminhamos até pararmos um de frente para o outro com meu avô entre nós.

Eu sabia quem ele era. Era um dos alunos do exército real. Um do tipo que iria para a Academia em pouco tempo para ser um dos soldados mais avançados. Ele não parecia estar gostando nem um pouco de estar ali; provavelmente achando que era perda de tempo me enfrentar. Mas parecia estar adorando ter a presença de tantas damas da nobreza porque não tirava os olhos delas. Já o achava irritante antes mesmo de chegar perto dele; ótimo começo na minha opinião.

POV Narradora

– Muito bem – disse Eliot olhando seriamente para os dois – As regras são as mesmas de um duelo da Academia e de qualquer outro duelo que vocês conheçam, sem golpes sujos; usem apenas as armas que lhe foram entregues. não ataquem pontos vitais que estejam descobertos de proteção e tenham uma luta limpa.

– Alguns ferimentos serão inevitáveis Mestre Eliot – disse o rapaz encarando Aria com um sorriso convencido.

– Por isso estou dizendo a ela para não te atacar onde você não tenha proteção – falou Eliot irritado com a atitude do rapaz – Escute aqui garoto; você conhece as histórias sobre a minha filha e todos sabem que elas são reais. Agora, minha neta está recebendo treinamento tão duro quanto o seu. Você me acha um idiota rapaz?

– Não...Não Mestre – respondeu o garoto surpreso.

– Acha que eu permitiria um duelo entre dois alunos que não tem o mesmo nível?? – tornou a perguntar Eliot.

– Não Mestre – voltou a responder o garoto com uma cara de tédio.

– Então leve a sério isso – falou Eliot irritado – Eu não quero ninguém choramingando depois por ter perdido para uma garota de 12 anos.

Com isso Eliot os fez voltar para seus lados e esperou que ambos estivessem prontos. Os dois ajeitaram as proteções e as armas e, antes de Eliot começar, Aria soltou o escudo e o trocou de mão com a espada fzendo todos encararem-na com surpresa e descrédito. Não que ela se importasse com isso.

Quando Eliot os chamou novamente ao centro foi para dar inicio ao duelo. Quando eles estavam parados a 4 passos um do outro Eliot deu o comando e se afastou. O garoto resolveu seguir o conselho do Mestre e começou a luta levando aquilo à sério. Dessa forma os dois começaram se analisando. Ele estava tentando entender o porque dela ter trocado as armas de mãos já que usar a espada com a mão esquerda não era algo nada comum.

Aria se mantinha numa posição relaxada enquanto caminhava em volta do rapaz que estava atento a todos os movimentos da garota esperando alguma coisa que lhe desse uma abertura no momento que ela ficasse ao seu alcance.

Aria começou a girar a espada com movimentos do pulso até que parou de frente para o garoto, o espaço entre eles agora era de pouco mais de 2 passos, ainda fora do alcance um do outro. Tudo indicava que ela estava esperando o primeiro golpe dele e foi isso o que pareceu a todos, inclusive ao garoto o que o fez ficar receoso em atacar primeiro. Mas não era isso o que Aria estava fazendo, ela só estava se concentrando antes de começar.

Surpreendendo ao garoto que se preparava para o primeiro ataque Aria levando a lâmina sem corte à altura do ombro direito do oponente forçando-o a se virar para usar o escudo e se defender o que fez com que Aria pudesse chegar às costas dele. Mas ela não golpeou com a espada, simplesmente usou o escudo para bater contra a lateral das costas dele e empurrá-lo forçando-o a dar dois passos para recuperar o equilíbrio.

Aria avançou enquanto ele se reequilibrava, mas ele conseguiu jogar a espada contra o rosto dela antes que a garota chegasse perto para golpeá-lo. Aria apenas dobrou os joelhos se abaixando o suficiente para que a espada passasse por cima de sua cabeça. Mas ele não foi pego de surpresa e, usando a própria força fez seu corpo girar se aproximando dela pela lateral esquerda com o escudo pronto para acertar o ombro dela, mas Aria ergueu o próprio escudo contra o do oponente fazendo ambos se encontrarem com um barulho alto de madeira batendo contra madeira.

Por alguns instantes eles permaneceram com os escudos um contra o outro de forma que o rapaz pode perceber que ela tinha mais força do que deveria e aparentava ter. Empurrando-se ambos se afastaram ficando novamente a uma distancia segura um do outro. E então já não havia mais o que analisar, nem pensar; era apenas lutar.

Ele golpeou a lateral do corpo de Aria e ela se defendeu com a parte larga da espada. Ele então usou uma sequencia de golpes circulares forçando Aria a recuar enquanto se defendia, ora com o escudo ora com a espada. Mas apesar de serem golpes fortes a garota não usava força nenhuma para se defender, ela apenas girava o corpo bloqueando e desviando a espada do oponente de sua trajetória inicial e, como os golpes eram sempre muito fortes, ele não conseguia apenas desviar a trajetória dos mesmos.

Depois de alguns minutos nisso Aria inspira profundamente e, quando outro golpe vem em direção à sua cabeça, ela não apenas o evita. Se abaixando ao dobrar os joelhos ela se impulsiona para frente avançando na direção do rapaz que tenta recuar, mas é lento demais. Apesar da cota de malha pesar seu corpo para o chão Aria se ergue com o escudo na direção do peito do oponente que consegue usar o próprio escudo para bloquear o golpe. Mas Aria apenas usa o escudo como apoio para mudar de direção ao jogar o corpo para o lado direito girando e, logo em seguida, chutando com a perna direita o pé esquerdo do rapaz.

Ele tenta se afastar para reequilibrar, mas Aria continua avançando contra ele. Usando o escudo ela o empurra para trás por alguns passos antes de afastar o escudo e golpear com a espada na direção do ombro esquerdo do oponente. Ele tenta erguer o escudo, mas, no ultimo instante, Aria desce o braço forçando a espada para baixo fazendo-a acertar a cintura do rapaz que, apesar da proteção da cota de malha, sente que o golpe o machucou. Mas Aria não para. Ela trás a espada de volta para perto de seu corpo logo em seguida soltando um golpe de baixo para cima que iria atingir o rosto do oponente. Ele consegue desviar, mas logo em seguida é o escudo dela que o acerta no rosto com força jogando-o no chão.

Uma espada contra a garganta do rapaz caído foi o sinal para Eliot entrar novamente no cercado. A luta terminou ali, mas o oponente de Aria continuou deitado no chão, com os braços abertos encarando o sol e o céu azul sem acreditar no que havia acabado de acontecer consigo mesmo. Uma mão apareceu em frente ao rosto dele e o rapaz a segurou. Aria o puxou para cima ajudando-o a se levantar.

A plateia estava tão sem reação quanto ele. Todos exceto Tommy e Elizabeth que pareciam estar achando muita graça na situação toda. Os ferreiros estavam claramente surpresos, com as bocas abertas e olhares arregalados. Olhares arregalados também tinham as moças da corte que, até aquele momento, não acreditavam realmente que Aria pudesse ser capaz de alguma coisa como guerreira.

– Como? – perguntou o rapaz encarando Aria com uma expressão de confusão.

– Treino – ela respondeu dando de ombros e se afastando.

Aria Hawkey havia ganhado seu primeiro duelo. Aria Hawkey havia mostrado a todos o quanto era parecida com a mãe pela primeira vez; a primeira de muitas.