POV Rendon

– Você é mais malvada do que eu imaginava – comentei rindo quando saímos da cozinha.

– Ora, por favor – Aria disse rindo baixo – Você também adorou ver a expressão de desespero do Tommy quando eu fiz a Celine ficar lá com ele.

Não pude discordar, ao contrário, tudo o que pude fazer foi segurar o riso colocando a mão sobre a boca. Ela estava certa como sempre, eu havia adorado. Mesmo assim, eu até achei bom ela ter feito o que fez. Celine era uma boa moça, eu a conhecia desde sempre porque ela trabalha no castelo há muitos anos, ajudando a mãe dela quando eu era bem menor, e agora por ela mesma nas cozinhas. Tommy estava agindo como um grande bobo ao ficar com aquele receio de falar com ela diretamente.

– Espero que com isso eles se acertem agora – ouvi Aria comentar distraidamente enquanto caminhávamos na direção do pátio lateral.

– É, eu também espero – respondi.

Logo depois tivemos de nos separar. Key passou para meu ombro porque Aria tinha que ir para as forjas e como eu passaria aquele dia na biblioteca o filhote de falcão ficaria comigo hoje. Segundo o que ela me contava das forjas, aparentemente ela amava o lugar, quase tanto quanto as florestas, o que era contraditório. Mas Aria nunca seguiu a linha de raciocínio do resto do mundo, então ela ser contraditória não era novidade.

POV Narradora

As coisas, depois desse dia, não mudaram muito. Tommy estava mais próximo de Celine que o tratava com educação e respeito, mas sem demonstrar nenhum interesse. Aria continuava a ir e voltar entre os treinos e as forjas. E Rendon continuava com suas aulas e treinos com Eliot. Mas nem tudo continuou como estava por muito tempo.

Era a manhã do dia do 15° aniversário de Rendon. Ele havia acordado muito antes do sol nascer e passou aquelas horas encarando o horizonte pela janela. Logo que os primeiros raios iluminaram o céu três batidas contra a porta do quarto foram ouvidas por ele. O garoto não saiu do lugar, apenas bateu três vezes contra a madeira da janela, um som alto o bastante para a pessoa do lado de fora ouvir se estivesse prestando atenção. E estava.

Rendon ouviu a porta se abrir lentamente e logo em seguida ser fechada com cuidado. Passos quase não puderam ser ouvidos, mas ele estava prestando atenção para ouvi-los. “Mesmo não querendo ser, ela sabe ser silenciosa”; foi o que ele pensou antes da garota chegar ao lado dele na janela.

– Feliz 15° Aniversário – diz Aria num tom baixo, quase sussurrado, como se não quisesse perturbar o silencio daquela madrugada.

– Não será assim tão feliz esse dia – Rendon responde com o mesmo tom, soltando um suspiro logo depois.

Aria se vira e senta sobre o batente da janela ficando quase de frente para ele que estava com as palmas das mãos apoiadas na madeira ao lado de onde ela sentou. O rapaz encara a pequena Hawkey, com Key se arrumando no colo dela. A garota vestia calças de couro largas e marrons, com uma bota marrom escura e uma camisa de algodão grosso, afinal, estavam ainda no inverno. Apesar do clima ter estado ameno nas semanas anteriores o inverno, aparentemente, resolveu mostrar sua cara antes de ir embora de vez. Os cabelos castanhos da garota estavam penteados naquela manhã e presos pelo cordão preto de sempre, aparentavam estar limpos, o que os deixava liso no comprimento e levemente ondulado nas pontas. Os olhos cinzas com o mesmo brilho decidido de sempre.

Aria também encarou o amigo. Rendon estava mais alto do que nunca (ele está com 173cm e ela com 152cm), os cabelos vermelhos cortados de um jeito curto ainda não escondiam completamente algumas mechas que enrolavam nas pontas perto da nuca dele, os olhos verdes pareciam menos brilhantes, mas mesmo assim calmos como se ele tivesse acabado de acordar. Ele já estava vestido com calças de couro pretas, botas marrons de tom escuro, uma camisa de linho de um verde claro de mangas compridas que terminavam num tecido mais grosso fechado por abotoaduras de prata, com um colete cinza escuro por cima que tinha uma gola alta na parte de trás e lateral do pescoço.

Ele está vestido para algo importante, mas não uma festa como todos parecem acreditar que será”; ela pensou depois de analisar o rapaz. Mesmo ela, que não ligava nem um pouco para esse tipo de coisa, tinha que admitir que ele estava bonito com aquelas roupas. Enquanto ela apenas estava limpa e com o cabelo penteado. Era uma diferença gritante entre o nível da vestimenta de ambos, mas nenhum deles se importava com isso.

– A “Programação” – disse Rendon depois de acariciar de leve a cabeça de Key – Diz que eu devo entrar pela porta do salão principal e caminhar até o trono onde minha mãe vai estar me esperando para anunciar o inicio das comemorações em minha homenagem.

– Quem foi que escreveu esse roteiro? Me parece ridículo – respondeu Aria se sentando de mais de lado para encarar o céu junto com Rendon.

– Uma daquelas senhoras que se acham alguma coisa só porque são casadas com algum lorde ou coisa do tipo. Não sei realmente quem foi. Minha mãe não nomeou ninguém para cuidar disso porque ela sabe que eu não queria nada, mas não pode impedir que as nobres do castelo organizassem tudo por elas mesmas.

– Vai ser um salão cheio de garotas bobas querendo chamar sua atenção porque querem ter uma chance de ocupar o lugar de Elizabeth como rainha quando você fizer 18 anos – comentou Aria calmamente.

– Você se incomoda com isso?? – pergunta Rendon como se estivesse apenas brincando, mas no fundo ele estava realmente ansioso pela resposta.

– Na verdade não – ela disse fazendo o garoto sorrir conformado, ele já esperava por uma resposta assim – Quando você achar alguém você é que vai escolher isso. Não vão ser filhas de nobres bem arrumadas e cheias de laços e tudo o mais que vão te fazer pensar em algo assim antes da hora. E depois – disse ela sorrindo e olhando para Rendon – Com uma mãe como a sua, eu duvido que você se interesse por alguma cabeça de vento dessas garotas da corte. Sei que a esposa que você escolher vai ser uma boa pessoa e não só mais uma interessada num trono.

– É, tem razão – ele concordou encarando os olhos cinzas que pareciam completamente despreocupados – Vamos, eu quero passar na biblioteca pegar os decretos e leis que deixei separados antes do castelo todo se levantar. E você, acho que tem que treinar um pouco antes da “festa”, não tem?

– Tenho sim – ela concordou pulado da janela e acompanhando Rendon que parou apenas para pegar a bainha com a espada e prendê-la à cintura.

–--------- Algumas Horas Depois ----------

– Majestade, ele já deveria estar aqui!! – insistia uma senhora desesperada num vestido azul marinho cheio de fios de ouro e outros detalhes caros.

– Acalme-se, Lady Rute - disse Elizabeth num tom divertido – São só alguns minutos, ele já vai aparecer.

Rendon estava, na verdade, quase meia hora atrasado quando finalmente virou no corredor que dava para o salão do trono. Aria estava escorada com as costas contra a parede logo na curva do corredor, antes da porta que se encontrava fechada e guardada por dois soldados em seus uniformes mais adornados.

– Começou mal – disse ela quando o garoto passou sem parar.

Rendon riu e não deu importância, continuou seu caminho com a amiga andando logo ao lado dele.

– Eles não se importam em esperar um pouco – ele disse antes de chegarem na porta – Eu estava escrevendo algumas coisas para deixar em ordem antes de começar – ele disse calmamente – Tome, fica com isso pra mim?- ele estendeu algumas folhas cuidadosamente dobradas e um livro para Aria que segurou tudo – Vamos lá enfrentar as feras – ele disse respirando fundo e os dois se aproximaram da porta.

Aria se afastou da frente da porta quando os guardas abriram-nas deixando apenas a figura de Rendon ser vista. Ele deu um sorriso pequeno e calmo enquanto encarava todos os presentes que já se espalhavam por todo o salão sem mais manter o tapete vermelho livre. Elizabeth, sentada no trono que havia sido do marido viu quando o filho parou em frente as portas, agora abertas e sorriu. Quando um dos soldados anunciou “Rendon, o Príncipe Herdeiro” todos os rostos se voltaram para a porta e, surpresos, começaram a reassumir seus lugares. Próximos ao tapete na metade mais perto da porta ficaram os nobres menos influentes; mais a frente, perto do trono, estavam os mais ricos e importantes com todas as suas filhas, netas, sobrinhas e afins quase invadindo o tapete vermelho para ficarem mais perto de onde o príncipe passaria numa vã tentativa de chamarem a atenção do herdeiro do trono.

Rendon achou a cena toda ridícula e desnecessária. A cabeça dele não entendia como aquelas moças poderiam pensar que, serem vistas por ele ajudaria em algo para que ele se interessasse por uma delas. Se bem que ele sabia que nada do que elas ou qualquer outra mulher no mundo todo pudesse fazer serviria de alguma coisa, mas a cena toda era completamente idiota.

Assim que ele começou a caminhar Aria entrou e o acompanhou com alguns passos de distância. Quando Rendon passava e as pessoas a notavam seguindo-a alguns olhares a seguiram com raiva e inveja fazendo com que ela tivesse de se controlar para não começar a rir daquelas garotas idiotas em vestidos bonitos e desconfortáveis.

Quando chegou aos 5 degraus que levavam ao trono Rendon parou e encarou a mãe sorrindo. Em volta do trono estavam os Conselheiros Lord Harytons, Lord Trenton e Lord Prencyton; todos os três pareciam incrivelmente entediados e irritados; o que piorou quando Rendon sorriu calmamente como se nada tivesse acontecido.

– Perdoem-me o atraso – disse Rendon colocando um pé sobre o primeiro degrau – Estive a procura de alguns documentos que seriam necessários.

– Já chega dessa grande brincadeira – disse Lord Prencyton bum tom rude e irritado – Majestade, inicie logo as comemorações já que o príncipe está finalmente aqui. Eu ainda tenho assuntos a resolver e muito o que preparar para a próxima reunião.

– Não, o senhor não tem – falou Rendon num tom sério e firme, mas ainda mantendo a calma.

Todos os que estavam próximos a eles encaravam Rendon com uma expressão confusa e temerosa. Lord Prencyton era um homem velho e que não gostava de brincadeiras, tinha sido um grande soldado quando mais novo e mesmo nessa época já era conhecido pelo jeito rude e sem paciência.

– Príncipe Rendon; sua mãe vai iniciar as comemorações ao seu 15° aniversário e eu vou me retirar desse salão cheio de desocupados. Assunto encerrado – disse ele encarando o garoto com uma expressão irritada e um olhar ameaçador.

– Não vai haver comemoração nenhuma – disse Rendon subindo os três primeiros degraus, Aria aproveitou e se sentou no primeiro degrau, ela ainda estava achando tudo muito divertido – Senhoras e Senhores. Tenho certeza de que os preparativos foram muito bem feitos e que Lady Rute deve ter feito um grande trabalho aqui. Mas não quero comemoração nenhuma.

– Escute aqui rapaz – disse Prencyton se aproximando do príncipe – Essa brincadeira já....

– Não é brincadeira nenhuma – disse Rendon encarando o homem com um olhar agora irritado – E o senhor controle-se. Eu não sou uma criança que vai obedecer aos seus comando só porque o senhor é mais velho e acha que isso lhe dá a razão.

– Rendon – chamou Elizabeth preocupada com o rumo que a conversa estava tomando – O que exatamente você pretende interrompendo tudo assim?

Aria nem precisou de um pedido, naquele momento ela estendeu a primeira folha que estava com ela. Era uma folha antiga, e que tinha um selo real; era um decreto assinado por algum rei a vários anos. Rendon pegou aquilo abriu a folha desdobrando-a.

– Aqui diz que “Na ausência de um descendente direto dos Graywolf, que possa se tornar regente, um príncipe que possua menos de 18 anos, mas que já tenha completado ao menos o seu 15° aniversário pode assumir o trone. Desde que o mesmo já tenha passado por toda sua instrução necessária a um herdeiro” – leu o garoto; Aria pegou a folha quando ele estendeu a ela e entregou ao amigo a outra que ela ainda segurava – Já, aqui, encontra-se uma outra versão da mesma lei “Caso necessário, desde que o herdeiro possua mais de 15 anos e, caso não havendo nenhum Graywolf para assumir como Regente, um herdeiro por assumir o trono antes de completar os 18 anos”. São dois documentos oficiais; ambos assinadas por um Graywolf durante seu reinado. Ambos com mais de 150 anos – disse Rendon calmamente num tom que todo o salão foi capaz de ouvir por causa do silencio que se fez presente enquanto ele falava.

Mas o silencio não perdurou por muito tempo. Mal Rendon terminou de ler o trecho da segunda lei e o som de múrmuros e cochichos se fez presente. Prencyton e o resto do conselho encaravam Rendon com olhares variados entre irritação e incompreensão.

– Perdão, Principe Rendon – disse Lord Trenton – Mas...Pelo que me parece....Todo esse discurso poderia significar que o senhor pretende...

– Não, Lord Trenton – interrompeu Rendon com um tom sério – Eu não pretendo. Eu vou assumir o trono do Reino. Vou assumir hoje.

– Mas isso é impossível! – exclamou Harytons – Não se pode organizar uma coroação assim. E não há motivo algum para que o senhor assuma antes dos 18 anos. Temos um regente de forma que não existe a necessidade do Príncipe já ter esse peso sobre ele.

– Lord Harytons, eu não sou um garoto inconsequente – disse Rendon – Eu conheço as responsabilidades da coroa. Entretanto, o senhor parece acreditar que isso não passa de um título pela forma com que se expressou agora. Uma coroação é tão útil quanto essa comemoração ao meu aniversário. Ou seja, não passaria de um evento sem sentido e sem propósito.

– Na verdade – disse a voz de Aria chamando a atenção de todos para ela – Creio que exista uma lei dizendo que para que um rei assuma ele tem que receber a coroa numa cerimonia publica ou algo do tipo. Como se para assegurar que a coroação tem valor.

– Cale-se garota! – gritou Prenyton – Isto não é assunto do seu nível para que você se intrometa!!

– Ao contrário senhor Lord – disse Aria se levantando com uma expressão séria e irritada – Isso é um assunto que cabe a todo o Reino, não só a você. O mundo não se resume aos seus afazeres de nobre, Senhor – disse ela com raiva o que fez o homem bufar de ódio e dar um passo na direção dela – Erga essa mão para mim e eu lhe garanto, Lord Prencyton, eu a devolvo com menos dedos do que o senhor possui no momento – avisou Aria dando também um passo na direção do homem.

– CHEGA! – gritou Elizabeth num tom autoritário e se levantando; alguns guardas se aproximaram por causa do alvoroço que se instalava em volta do trono – O senhor, Lord Prencyton. Ponha-se em seu lugar e saiba receber uma crítica com a mesma naturalidade com que critica os outros. E a “garota”, tem toda a razão quando diz que esse assunto não é restrito a nós. Além de que está certa também com a lei sobre a coroação ser pública. Realmente existe um decreto sobre isso que diz que um rei só é rei quando apresentado ao povo como tal. E, para isso, basta apenas o regente, que no caso sou eu, passar a coroa para o devido herdeiro.

– Isso é ridículo – disse Prencyton se controlando para não demonstrar sua irritação – Ridículo e completamente...

– Cale-se, Lord Prencyton!!! – exigiu Rendon perdendo ele a paciência que tinha – O senhor nada pode opinar sobre eu assumir ou não. Sua opinião sobre isso de nada vale. É minha mãe que decide se minha demanda é válida ou não.

– Majestade – disse Prencyton com o tom irritado contido – Acabemos logo com essa palhaçada. Diga logo ao seu filho que isso já está por demais e vamos voltar aos nossos afazeres.

– Ao contrário – disse Elizabeth se controlando para não rir da expressão de ódio contido do homem – Rendon está em seu direito. Ele é o único Graywolf vivo. Esse trono é dele, não meu.

Prencyton nunca foi um homem controlado. Em todas as reuniões do conselho era sempre ele a contrariar a tudo o que Elizabeth falava. Era sempre ele a sustentar pontos inexistentes contra as opiniões da Rainha Regente, mantendo sempre por baixo dos panos sua raiva por uma mulher comandar o Reino. Naquele momento, tanto mãe como o filho estavam adorando colocar o nobre em seu devido lugar; e isso porque Elizabeth não tinha ainda ideia do que o filho estava preparando.

– Se o problema é a cerimonia ter de ser pública, porque não a realizam agora mesmo? – indagou Aria sorrindo ironicamente na direção do Lord e voltando a se sentar em seu lugar – Afinal, já estão aqui praticamente toda a corte e muitas outras pessoas. E o povo da cidade provavelmente está em frente ao portão esperando a aparição do nosso querido príncipe como Lady Rute havia programado.

– Ótima ideia, Aria – concordou Elizabeth sem dar a chance a ninguém de responder – Lord Trenton. Vá até a minha sala e traga a coroa do rei que está guardada lá dentro. Tommy deve estar lá trabalhando em algo que eu mandei, ele tem a chave do cofre onde esta a coroa do meu marido.

– Majestade....

– Isso é uma ordem Lord Trenton – disse Elizabeth num tom mais agressivo e intolerante fazendo os tres conselheiros se entreolharem.

– Eu busco, Majestade – disse Eliot saindo detrás de um dos guardas e parando em frente a Rainha para uma breve reverencia antes de se afastar.

– Isso é ridículo – voltou a esbravejar Prencyton sendo apoiado pelos outros dois conselheiros que mal sabiam como reagir e, como sempre nessa situação, apoiavam a ele – Ele é um garoto! 15 anos!!

– Pelo que eu saiba Lord Prencyton. O senhor com 15 anos já comandava as tropas de seu pai – disse Rendon subindo o restante dos degraus e encarando o homem de perto; apesar de menor do que o outro, Rendon tinha quase a mesma altura do Lord o que o permitia encará-lo sem ter que erguer a cabeça, deixando-os num mesmo nível – Eu sou tão capaz de governar este reino quanto o senhor. Agora, pare de esbravejar como se sua opinião fosse relevante. Ela não é. E será ainda menos em alguns instantes.