A manhã estava para acabar quando o príncipe Rendon acordou e olhou a sua volta. Uma clareira; um riacho; árvores. Ele demorou alguns minutos até se localizar e se lembrar o que havia acontecido. Quando conseguiu se sentou sentindo todo o corpo doer e olhou ao redor.

–-Finalmente acordou – disse uma voz atrás dele fazendo-o se virar e dar de cara com a garota – Levanta logo, já está aí há muito tempo.

Rendon não respondeu; o pouco tempo ao lado de Aria o fez entender rápido que discutir não era a melhor forma de conversação. Assim o garoto apenas se apoiou com as mãos no chão e se levantou. Mas ele não esperava estar tão fraco e antes mesmo de se firmar já estava caindo. Aria o pegou antes que ele tombasse e o segurou até que o menino conseguiu se firmar.

–-Desculpe-me – disse Rendon se afastando um pouco dela.

–-Ta tudo bem – respondeu ela dando de ombros e pegando no chão, perto de onde ele tinha estado, um copo e um pedaço de pão – Aqui. Isso é seu remédio; tem que tomar tudo e coma alguma coisa também.

–-Onde está o resto das nossas coisas? – perguntou Rendon bebendo um gole do líquido dentro do copo e fazendo uma careta por causa do gosto ruim, mas não reclamando.

–-Estou arrumando tudo num lugar mais escondido – respondeu a menor recolhendo as coisas que estava no chão e apontando para o paredão de pedra ao lado dos dois – Tem uma pequena caverna escondida atrás de uma rocha maior ali em cima. É pequena, mas o suficiente para nós dois.

O resto do final da manhã foi gasto com Aria carregando a segunda cela e o resto das coisas deles para a tal caverna. Era mesmo uma caverna no paredão rochoso a pouco mais de dois metros do chão. Havia um pequeno espaço entre a entrada da caverna e uma enorme pedra que ficava na beirada. A caverna em si também não era grande; pouco menos de um metro e meio de altura com aproximadamente dois metros e meio de comprimento e um e meio de largura. Para duas crianças de 6 e 9 anos isso até que era espaçoso o suficiente.

Rendon precisava do remédio três vezes por dia e; no final do dia seguinte já estava se sentindo muito melhor. Aria cuidava da maior parte das coisas que os dois precisavam; era ela quem colhia frutas e, com alguma sorte conseguia pescar um peixe ou dois para o almoço deles no segundo dia. Na tarde daquele dia o príncipe já estava bem recuperado.

Apesar de tudo Rendon ainda se controlava para não puxar uma briga. Aria nunca foi o tipo de criança fácil e não ter ninguém por perto que soubesse lidar com ela a estava deixando pior principalmente porque os dois não se entendiam. Já que ele se calava para evitar confusões e ela queria exatamente o contrario. A pura verdade era que a garota estava se irritando com o jeito calmo do príncipe. Estava anoitecendo e eles tinham que subir para a pequena caverna quando as coisas ficaram realmente complicadas entre os dois.

–-Vamos logo! – insistia Aria esperando ele subir, mas Rendon era desajeitado e não tinha prática com subir em árvores ou outras coisas, assim a subida de quase dois metros era complicada para ele – Anda príncipe; vai escurecer e eu ainda tenho que preparar seu remédio – reclamou ela quando ele perdeu o apoio e teve que voltar para o chão.

–-Suba você então – retrucou ele bravo.

Era a primeira vez que Rendon respondia as provocações de Aria e, como ela mesma já havia desistido de ter respostas, a garota acabou se surpreendendo com o tom rude que o garoto usou.

–-Sobe logo isso – disse ela num tom baixo, mas ameaçador.

–-Já cansei das suas provocações – respondeu Rendon se aproximando dela.

–-Ah é? E o que o principezinho vai fazer? – quis saber Aria se irritando por ter que olhar para cima para encará-lo.

–-Nada – disse ela também irritado e a garota ficou confusa – Não vou fazer nada porque é o contrario disso que você quer que eu faça. Você só esta puxando briga comigo, mas eu não vou te dar o gostinho de conseguir o que quer.

–-Ora seu....

–-Chega! – ele respondeu firme – Eu não quis estar aqui. Mas era necessário. Se não esta contente com minha companhia, sinto muito, mas não há nada que eu ou você possamos fazer.

–-Se arrependeu do seu nobre ato de me salvar, foi? – perguntou ela com um meio sorriso irônico.

–-De forma alguma – respondeu ele com sinceridade – Era o que eu tinha que fazer e faria de novo mesmo sabendo o que teria de enfrentar depois.

Aria o encarou com uma expressão de surpresa, que se acentuou ainda mais quando Rendon simplesmente se virou e voltou a tentar subir a parede de pedra como se não houvesse dito nada. A resposta do garoto conseguiu deixa-la sem palavras por tempo o bastante para ele conseguir encontrar os apoios certos e subir para a caverna. Ela então o seguiu subindo com facilidade e o encontrou preparando a comida dos dois, que seriam apenas frutas naquela noite. Sem dizer nada a pequena Hawkey foi até os alforjes, pegou os remédios e os preparou dissolvendo-os em água antes de entregá-los a Rendon que bebeu tudo sem reclamar, como sempre.

Depois de comerem cada um arrumou as poucas peles que tinham e ambos se deitaram; Rendon mais para o fundo e Aria mais a frente da caverna. Algum tempo depois do sol se pôr e apenas a pouca luz da lua crescente iluminar parte da caverna Aria se vira olhando na direção do príncipe. Segundos depois ela suspira antes de dizer:

–-Desculpe-me; fui muito rude com você.

–-Sim, eu sei que foi – respondeu ele calmamente sem se virar – E sim, também a desculpo por isso. Só gostaria de saber o porquê de tudo isso; todas aquelas provocações foram por nada??

–-Não, não foram – disse ela com um meio sorriso – Eu só queria saber.

–-Saber o que?? – perguntou Rendon se virando com uma expressão confusa e indignada – Não podia simplesmente perguntar?

–-Não – disse ela rindo da expressão dele – Olha, sinto muito mesmo; mas é que seu jeito calmo e controlado me irritou demais e eu meio que exagerei com as provocações.

–-Mas porque estava me provocando afinal de contas?

–-Saber que tipo de pessoa você é – disse a garota dando de ombros – Mas daí você começou a me irritar e eu esqueci do porque comecei com isso.

–-Não entendi onde você quis chegar com isso tudo – falou Rendon se sentando com as costas contra a parede da caverna.

–-Nobres são chatos, mas pior que isso, são egoístas. Eu nunca lidei muito com nobres se quer saber, mas já vi a mãe tentando falar com eles e nunca é algo fácil porque ela nunca consegue confiar neles e com razão na maioria das vezes. E eu queria saber que tipo de pessoa você era, já que é um príncipe e não um nobre qualquer.

–-Me tratou como um qualquer só para saber que tipo de pessoa eu era?? – perguntou ele incrédulo.

–-É, foi mais ou menos isso mesmo – admitiu ela olhando para fora.

E então o garoto começou a rir fazendo Aria encará-lo como se ele fosse doido o que apenas fez Rendon gargalhar ainda mais.

–-Cala a boca; se tiver alguém por perto vai ouvir esse seu riso idiota – reclamou Aria emburrada.

–-Desculpa – disse ele controlando as risadas – Desculpa mesmo. Mas é que isso foi muito engraçado.

–-O que tem de engraçado eu admitir que te tratei como um garoto qualquer pra ver sua reação???

–-Na verdade é o fato de você ter tentando me testar que achei engraçado – disse Rendon com um pequeno sorriso.

–-Mas por quê??? – perguntou Aria completamente confusa.

–-Bem, normalmente as pessoas, todas elas, me tratam com respeito. Só que não é respeito, é bajulação. Dos adultos principalmente, mas as crianças também – disse ele pensativo – Acho que você é a primeira pessoa a me tratar como alguém normal e não como príncipe.

–-Mas eu te trato como príncipe, só que trato você como trataria qualquer um da realeza – disse Aria com uma cara de tédio.

–-Exato; você não tem respeito por títulos – falou Rendon ainda sorrindo.

–-Tá, mas você ficou quieto por quase dois dias inteiros sem responder minhas provocações. Porque reagiu só agora?? – quis saber ela quase se irritando de novo.

–-Eu sempre tenho que agir como príncipe; isso significa que tenho que estar sempre sério e calmo. Mas isso é muito chato porque tenho que fingir aguentar todos aqueles nobres querendo algo de mim e cuidar tudo o que digo ou faço na frente das pessoas. Só que me acostumei a me controlar; então quando você começou com as provocações eu apenas fiz o mesmo. E hoje; bom...acho que podemos dizer que não aguentei mais ficar quieto.

–-Traduzindo: você não é um nobrezinho mimado e metido como achei que fosse – concluiu Aria satisfeita fazendo Rendon rir outra vez – O que foi agora??

–-Você definitivamente não é uma pessoa comum – falou o príncipe com um meio sorriso – Vai parar com as provocações?

–-Vou, mas você vai ter que começar a ajudar nas coisas mais do que faz.

–-Com prazer. Apenas me explique o que devo fazer e eu ajudo você – ele concordou e, depois de alguns instantes perguntou num tom receoso – Acha que estão todos bem??

–-Tenho certeza de que estão – respondeu a menor confiante – Não se preocupe; em mais dois ou três dias minha mãe vem buscar a gente. Durma bem príncipe Rendon.

–-Só Rendon, por favor – pediu ele bocejando - Boa noite senhorita Hawkey.

–-De onde veio essa coisa de senhorita??? – perguntou ela rindo – Eu não sou uma garotinha idiota como as que você conhece Rendon.

–-Então Boa noite Hawkey – repetiu ele com um sorriso divertido.

Aria sorriu de volta e não demorou para os dois dormirem. No dia seguinte os dois levantaram cedo; colheram algumas frutas e, com a ajuda de Aria, Rendon aprendeu a montar uma pequena armadilha. Comeram peixe no almoço e, de tarde, vasculharam a área ao redor de onde ficava a caverna deles. Acharam mais duas cavernas que poderiam servir de refúgio caso tivessem que fugir. Aria ensinou o garoto a escalar arvores e pedras e, logo antes de dormirem, decidiram montar algumas outras armadilhas por caminhos que cavalos e pessoas poderiam conseguir usar.

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Era o começo da tarde do terceiro dia deles naquele lugar; os dois estavam conversando sobre espadas.

–-E ela não quer te ensinar? – perguntou Rendon para confirmar.

–-Exato – confirmou Aria se levantando e começando a chutar pequenas pedras em varias direções – Tommy aprende sobre aquele arco desde antes de eu nascer e ela mão quer me ensinar nada sobre espadas.

–-Você só tem 6 anos – falou Rendon como se isso explicasse tudo e Aria o encarou com os olhos semicerrados com raiva – Ok, sua idade não é desculpa. Entendi isso. Mas pensa; o arco requer uma luta a distancia. O perigo diretamente relacionado a ele é muito menor do que a uma espada. Porque não tenta pedir para ela te ensinar a atirar primeiro??

–-Eu não sirvo pra isso – murmurou a garota emburrada – Tommy tentou me ensinar a um tempo, sem a mãe saber, e eu descobri que sou um desastre nisso. Mas quando brincamos de espadas ele mal consegue me acertar.

–-Vamos testar – falou Rendon animado com a própria ideia.

–-Como é?? – perguntou Aria confusa vendo o garoto correr até as arvores e voltar, alguns instantes depois, com dois pedaços de madeira mais ou menos do mesmo tamanho – O que é que vamos fazer com isso??

–-Pega – disse ele jogando um dos galhos para ela que o pegou, tinha um tamanho próximo de uma espada, apesar de não ser tão liso e reto – Eu tenho aulas de esgrima com alguns professores, que não me ensinam coisa alguma, mas pelo menos me deixar treinar.

–-Você esta me desafiando? – perguntou Aria erguendo uma sobrancelha e sorrindo.

–-Vamos ver do que você é capaz Hawkey – disse Rendon sorrindo também.

Os dois começaram um duelo com os galhos. Rendon era claramente mais forte, no entanto Aria era muito rápida deixando tudo relativamente justo. No final de quase duas horas ele teve que admitir que ela era a melhor. Ambos caíram sentados no chão perto do rio; cansados e suados.

–-Admita que perdeu – disse a garota rindo – Te acertei muito mais do que você me acertou.

Rendon tocou alguns dos lugares onde as pancadas tinham doído mais antes de suspirar.

–-Certo. Eu admito Hawkey – disse ele com uma expressão chateada – Você é melhor que eu.

A garota riu e se levantou.

–-Vou ver se nossas armadilhas nos deram um jantar para assarmos antes de escurecer.

–-Vou vencer você um dia ainda Hawkey – disse ele indo se sentar contra as pedras.

–-Vai nada – disse ela se virando e caminhando de costas enquanto ria dele.

–-Pois então fazemos assim: vou treinar e, quando achar que sou melhor que você eu te desafio outra vez e você não pode recusar. Feito??

–-Feito, Rendon – disse ela se virando e continuando a se afastar – Quando achar que pode me vencer me desafie e a gente duela pra valer de novo.

O jantar deles foram apenas frutas outra vez. Que foram comidas em meio a risos deles falando mal das armadilhas um do outro. Os outros dois dias que passaram lá foram muito mais calmos; as armadilhas funcionaram pela primeira vez e os dois aprenderam a pescar direito. Depois da noite da discussão e da tarde de duelo ambos começaram a se entender e descobriram um no outro bons amigos. Rendon não ligava para as ideias e desejos de Aria em aprender a lutar e a garota não o tratava como um príncipe, apenas como ele mesmo. Desenvolveram uma amizade naqueles dias que seria difícil terem de outra forma e isso os aproximou ainda mais. Só que o tempo deles lá acabou por chegar ao fim quando Sarah chegou para buscá-los.