Vidas Em Guerra - O Falcão e o Lobo

Continuando a viver – Parte 2


Eliot entregou a carta de Sarah à John logo depois de sair da sala de Elizabeth. Ele ficou no quarto dele até que John lesse todo o conteúdo da carta. Tommy que estava com o pai no quarto até Eliot chegar pediu licença para sair e foi até o quarto da mãe. Ele sabia que ninguém teria se preocupado em organizar as coisas dela e que Elizabeth não teria deixado ninguém mexer nos pertences de Sarah fora um deles. John, sentado na cama, com uma expressão de tristeza extrema demorou algum tempo até conseguir se concentrar no conteúdo da carta que era o seguinte:

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Querido John

Aqui vamos nós não é? Espero que você tenha voltado para que leia essas palavras. Porque se as ler eu não voltei, mas ainda quero ter cumprido o que prometi a mim e aos nossos filhos que faria, que era trazer o pai deles de volta vivo. Você pode estar se culpando agora, John. Conheço-lhe bem o bastante para saber que é muito provável que esteja assim. Mas a culpa não é sua. Não é de ninguém no fim das contas.

Eu fui pra te resgatar porque era o que eu tinha de fazer, você querendo ou não; eu sou assim e você sabe disso. Se eu não retornei é porque assim deveria ser. Seja forte pelos nossos filhos; eles precisam de um pai mais do que nunca agora. Mas eu entendo que você tem seus deveres. Eu não quero que abandone o exército, é seu dever voltar e liderar os esquadrões de Clinfort. Tommy e Aria saberão entender e aceitar isso, mas você tem que mostrar à eles que estará presente sempre que precisarem, e ao menos o esteja por um tempo.

Você não está sozinho John, lembre-se sempre disso. Dessa vez eu tive que partir e espero que leve muitos anos para que nos encontremos novamente. Mas diferente de quando você teve de partir e eu lhe disse que você estaria sozinho se fosse, agora que eu tive de ir você não estará sozinho de novo. Tem aos nossos filhos, e é por eles que deve ficar forte e firme.

Aria será a mais difícil para você lidar. Não se engane com as nossas semelhanças, ela é muito diferente do que eu era quando éramos crianças. Aria não vai demonstrar a sua fraqueza nem a você. Como pai você vai ter que aprender à entende-la mesmo quando ela esconde seus próprios sentimentos de você e isso não será nada fácil. Tenha paciência com ela.

Tommy será mais fácil, mas acredito que ele será mais necessário a você do que você a ele. É um garoto forte, vai te apoiar quando você fraquejar, eu sei disso. Mas ele também vai sofrer, então o apoie também.

Eu realmente não queria ter de partir. Espero que você entenda isso. Mas eu fui para aquele campo de batalha, eu me meti na guerra sabendo das consequências possíveis e as aceitando da forma que recaíssem sobre mim. Você como um guerreiro fez o mesmo. Então aceite o que aconteceu comigo, seja lá o que tenha sido, e lembre-se da Sarah que sempre conheceu. Assim você saberá que, apesar de tudo, eu lutei mesmo depois de tudo estar perdido.

Eu sinto muito tê-lo deixado. Saiba que eu nunca deixei de amá-lo mesmo quando afirmei que faria o contrário há tantos anos atrás. Você sempre foi uma das coisas mais importantes da minha vida, e deu-me a mais importante delas que é a nossa filha.

Eu te amo John Snown, antes, agora e sempre.

Ass. Sarah

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Quando finalmente terminou de ler a carta haviam silenciosas lágrimas escorrendo pelo rosto dele. John nunca foi do tipo forte que sabia conviver com a dor da perda. Mas depois de ler aquelas palavras um sentimento de dever surgiu em seu peito. O mesmo sentimento de dever que o fez sair da pequena vila com os soldados de Clinfort mesmo deixando Sarah para trás.

– Ela sempre tem razão não é? – ele murmurou para Eliot e para si mesmo – Sarah sempre sabe das coisas antes mesmo que nós possamos ter noção delas. Sempre me impressionei com isso.

– Sarah foi sempre uma inteligência complexa e única – concordou Eliot.

– Eu fiz um papel estúpido no funeral não fiz? – ele murmurou encarando Eliot.

– Sinto dizer-lhe rapaz – disse Eliot sustentando o olhar – Mas sim, fez. Apesar de eu mesmo achar que a reação da pequena Aria também foi um tanto exagerada.

– Não – ele falou suspirando e colocando a mão sobre o queixo onde a filha o havia acertado – Não foi exagerada. Eu merecia aquele soco, assim como mereci todos os golpes que recebi de Sarah – ele completou tocando a pequena marca no rosto que era a cicatriz deixada por Sarah no dia que ele havia ido embora. Eu nunca serei bom o bastante pra a um Hawkey, senhor Eliot. Não fui para Sarah como homem e marido e não serei para Aria como pai.

– Ela precisa de alguém que a aceite e apoie. Como pai você pode fazer isso como ninguém.

– Não. Ela precisa de alguém que a ensine – John falou triste – Que a ensine o que ela precisa aprender para se tornar o que tem que ser. Por muito tempo eu discordei de Sarah quanto ao fato de ela não querer treinar Aria. Novamente ela estava certa, não era a hora, mas Sarah reconheceu o momento. Infelizmente foi tarde demais para que ela o fizesse da forma certa. Acredito que o senhor assumirá o treinamento da minha filha, certo?

– Sim – concordou Eliot calmamente.

– Ela será muito mais do que podemos imaginar – disse John com um certo tom de orgulho na voz ao se levantar – Acho que já é hora de honrar a memória de Sarah e sair desse quarto. Mas gostaria de um tempo para mim mesmo antes disso.

– Você foi uma das grandes razões para ela sair de onde estava – disse Eliot colocando a mão sobre o ombro de John – No fim sempre foi você.

Depois disso Eliot saiu do quarto deixando John com seus próprios pensamentos. Enquanto isso Tommy arrumava as coisas de Sarah de volta nos baús que havia no quarto. o quarto ainda tinha o cheiro da mulher que ele amava como mãe. Quando pegou os três livros que Sarah escrevera sobre plantas e venenos um papel caiu de dentro de um deles. Curioso o rapaz o pegou do chão. Era uma folha dobrada em três partes. Num dos lados aparentes havia o nome dele.

– Mas o que.... – ele murmurou deixando os livros em cima do baú e se sentando na cama para abrir o papel.

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Olá Tommy

Sabe, enquanto escrevia cartas para seu pai, seu avô e sua irmã eu pensei muito sobre o que escrever à você. Acabei por não escrever no mesmo momento que as outras. Essas cartas estão com Elizabeth, mas não conte à Aria sobre o fato de existir uma carta para ela. Eu acredito que sua irmã ainda não esteja preparada para ouvir o que eu deixei para ela. Mas vamos voltar ao assunto da sua carta.

Eu pensei muito sobre o que deixar a você. No fim, decidi que escreveria isso durante a viagem e deixaria no meio dos meus cadernos de anotações porque sabia que seria você o primeiro a vir pegá-los. No dia em que Aria nasceu eu considero, mesmo que para mim mesma, que eu ganhei dois filhos; a minha menina e você, o meu garotinho. Foi naquele o dia em que isso se tornou real, apesar de eu ter pensado no assunto desde muito tempo antes.

Seus pais verdadeiros, seja lá onde estejam, estão orgulhosos de você. Tenho certeza disso, por que eu também estou e eu gosto de me considerar sua mãe também. Saiba que sempre foi o melhor filho que alguém poderia ter e sempre me senti muito honrada em poder ser eu a ter esse filho. Sempre foi um grande prazer te chamar de filho Tommy.

Pedi ao meu pai, seu avô, para terminar seu treinamento com arco e com a espada também. E peço agora para você que estude. Tommy você é um rapaz incrivelmente inteligente; não desperdice essa inteligência. Aprenda a usá-la, eu sei que você gosta da biblioteca, continue frequentando o lugar sem medo meu filho. Aprenda o que puder aprender sobre o que quiser aprender, seja lá o que você colocar para dentre dessa sua cabeça vai ser útil de alguma forma.

Termine de estudar as minhas anotações, você precisará ajudar Aria a entender certas coisas que ela irá precisa. Não penso que ela será tão boa em venenos, antídotos e plantas quanto você; mas ela precisará de conhecimento sobre curativos, plantas medicinais que podem ajudar a cicatrização e certas outras coisas que um guerreiro tem que saber para se manter vivo sem depender de qualquer idiota que acha que é um curandeiro.

Tommy, eu sei que existe um grande futuro esperando por você meu menino. Você só precisa abrir os olhos e encontrar o caminho certo que deve seguir. Mas seja ele qual for, saiba que eu sempre tive e sempre terei muito orgulho de você meu filho. Eu sei que me perder não será algo fácil, mas eu acredito na sua força. Saiba Tommy, que você é o melhor filho que alguém poderia ter e que eu te amo muito mesmo que nas suas veias não corra o mesmo sangue que corre nas minhas. Mas em meu coração você é meu filho tanto quanto Aria.

Adeus meu menino

Com amor, da sua mãe.

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Quando terminou de ler Tommy já estava chorando muito. Com uma mão ele afastava as lágrimas as impedindo de caírem sobre a folha que era segurada de forma tremula pela outra mão do rapaz.

– Eu também te amo mãe – ele sussurrou entre as lágrimas – Onde quer que você esteja, saiba que eu te amo. E que vou segui seus últimos conselhos. E que vou sempre continuar a cuidar da minha irmãzinha.

Depois disso o rapaz dobrou cuidadosamente a carta guardando-a no bolso e voltou a terminar de arrumar as coisas da mãe tentando parar de chorar.

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Com o tempo as coisas foram se ajeitando. Eliot começou o treinamento de Aria depois de explicar à garota as regras que ela teria de aceitar e seguir, regras que ela prontamente aceitou. Tommy passou a dedicar metade de seu tempo a estudar e copiar novos exemplares dos livros de anotações de Sarah. John fez as pazes com a filha depois de se desculpar com ela por não ter sido o que deveria naquela hora e ter envergonhado a memória de Sarah; ele até queria permanecer mais tempo e acompanhar um pouco do treinamento da filha, mas quando as notícias mostraram que as coisas voltavam a se complicar no campo de batalha Aria e Tommy convenceram-no que já era hora dele voltar.

Nesse meio tempo correu-se quase 3 meses da morte de Sarah Hawkey. E nesse tempo todo Elizabeth tinha como preocupação adicional o envelope com o nome de Aria guardado em sua mesa. A rainha ainda não achava que era a hora, mas essa demora a deixava nervosa. Eliot passou também a dar aulas de esgrima ao príncipe e, mesmo que essas aulas fosse muito mais treinos militares do que propriamente aulas Rendon não reclamava, ao contrário, cada contusão e hematoma que ele recebia faziam-no ter ainda mais certeza de que pedir para ser ensinado por Eliot Hawkey havia sido a escolha certa.

Enquanto isso Aria treinava também; além de ser obrigada a estudar parte do tempo na biblioteca e a treinar seu cavalo em outra parcela de tempo. Eliot havia entregado o livro à ela dizendo que ela tinha toda a liberdade para tentar entende-lo, mas que ainda não tinha permissão para tentar forjar algo. E foi assim que as coisas começaram a voltar ao seu fluxo natural.