Versos de orgulho

Meus êxtases, meus sonhos, meus cansaços…
São os teus braços dentro dos meus braços

— Florbela Espanca

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Megan Lily tentou focar nos carros a sua frente. As luzes dos faróis e a iluminação noturna estavam dificultando a tarefa, mas ela apertou os olhos, assim como as mãos no volante, e inclinou-se mais para a frente.

Seus pensamentos corriam mais rápido que os 70km por hora do veículo. E ela se perguntou de novo, pela primeira vez depois de tantos meses, o que estava fazendo naquela terra? Foi quando seu dad traidor resolveu se mudar com a família para o Brasil que toda sua vida começou a desandar. Foi aí que perdeu seus amigos, suas raízes, e, pior… perdeu a si mesma quando conheceu Davi Reis.

Pensar nele, em seu rosto bonito, nos olhos escuros e intensos, fizeram com que ela se distraísse por um instante, amolecendo um pouco da raiva que estava sentindo dele. Só um pouco.

Davi sabia. Ele já sabia sobre o caso de seu dad e Verônica. Por que não havia lhe dito nada? Por que não havia lhe contado a verdade?

Não era assunto meu.

Como não era assunto dele? Ela, Megan, era um assunto dele agora!

Será que ele tinha tão pouca consideração assim por ela?

Enquanto esse turbilhão de pensamentos acabava com sua paz de espírito, ela perdeu momentaneamente o controle do carro e quase saiu da pista. Com uma buzinada e uma piscada de faróis do motorista que vinha logo atrás, Megan virou o volante e recuperou o domínio na direção.

Suspirando de alívio, ela passou uma das mãos pelos cabelos loiros. Desceu os vidros das janelas, deixando o vento noturno assanhá-los. A sensação era boa. Liberdade. Era justamente do que precisava agora. Sem sermões, sem mentiras. Sem enganos.

*

As luzes da boate e a batida rítmica do som que agitava os frequentadores na pista de dança eram justamente o que ela precisava. Depois da corrida de carro, a agitação de uma balada noturna oferecia aquele mesmo cheiro e a sensação anestésica de que tanto havia necessitado em seus piores dias.

Já fazia tanto tempo que não bebia - não realmente - e não frequentava um desses lugares que, apesar da familiaridade, chegava a ter uma pitada de novidade no ar. Como se fosse a primeira vez.

Ela deixou os saltos guiarem seus passos por entre as pessoas. Corpos suados, odor de cigarro e álcool se espalhando e penetrando suas narinas. Ela deixou-se inalar o perfume do passado que nunca se fizera tão necessário quanto no presente.

Não demorou muito a alcançar o balcão do bar. Um dos rapazes que atendia os clientes aproximou-se da ponta onde ela estava e sorriu. Ele era bonito. Tinha dentes perfeitos. Moreno. Do tipo que Megan gostava. Ou aprendera a gostar.

Logo Davi veio em sua mente novamente. Ela, que já ia começando a retribuir o sorriso do barman, fechou a cara e disse apenas o que interessava.

“Tequila. Dupla.”

Era para isso que estava ali, afinal.

O rapaz assentiu e virou-se para buscar a bebida. Megan olhou novamente ao redor. Tantas pessoas. Tantos rostos e, por trás de cada um, uma história. Ela se perguntava se todos estavam ali apenas para se divertir, ou se algum deles estava ali por algum motivo parecido com o seu. Dor. Decepção. Raiva.

“Aqui está!”

A voz do barman a arrancou dos pensamentos. Megan virou-se para receber a bebida e a comanda. Bebeu tudo de um só gole. A tequila desceu queimando por sua garganta, fazendo arder com mais força seu coração. Ignorando o fato, ela deixou o copo sobre o balcão e pediu mais uma dose.

I´m falling to pieces

I´m falling to pieces

A música que terminava dizia, repetindo-se em sua mente. A nova dose de tequila chegou mais rápido do que a primeira. E foi consumida mais rápido também. Ela precisou apoiar as mãos sobre o balcão por alguns segundos.

Muse começou a tocar. Numa versão remixada, muito mais pulsante e agitada. As luzes passaram a piscar intensamente e ela já não sabia se era o efeito da iluminação ou sua cabeça girando.

Ma-ma-ma-ma-ma-ma-ma-ma, mad, mad, mad

Inspirando algumas vezes para recobrar o equilíbrio, Megan afastou-se do balcão dando alguns passos na direção da pista onde tantos corpos se moviam ao ritmo da música. Logo, o seu era mais um.

Ela sentiu o corpo todo responder, o calor da tequila ardendo agora não só no fundo da garganta e do coração, mas em cada membro e terminação nervosa. Erguendo os braços, ela ondulou o ventre, balançando traseiro e quadris na sequência.

I, I can't get these memories
Out of my mind
And some kind of madness
Is starting to evolve

Aquilo era tão familiar que bastou apenas alguns minutos na pista para se sentir totalmente livre, como nos velhos tempos. Fechou os olhos e balançou a cabeça, agitando a longa cabeleira ao redor do rosto. Agora, sim, o mundo girava. E não era por causa de seus pensamentos atordoados. Era a bebida, era música. Era a energia que corria por suas veias.

Megan abriu os olhos e sorriu, olhando para cima, para as luzes coloridas que piscavam e rodavam acima de sua cabeça. Já não conseguia pensar em nada concreto. Muito menos lembrar.

Era essa a dádiva que tinha ido buscar. A anestesia. O torpor.

Já sentia o suor começar a deslizar aos poucos, frio e pegajoso, por seu corpo, por baixo das roupas. A sensação era bem vinda. Contrastava com o calor da sua pele.

Foi apenas quando sentiu duas mãos em seus quadris que parou de dançar e se virou, assustada.

Um loiro alto sorria abertamente, os olhos faiscando sob as luzes coloridas num pronto e inequívoco convite.