Verdades Trancafiadas

Lembranças Inconvenientes


Sentada no banco da pracinha, aquele mesmo banco em que anos atrás Alessa tinha divido um picolé com um menino que agora era um dos seus melhores amigos.

Olhando ao longe ela avistou Diego, andando com aquele jeito meio tímido e tentando manter o cabelo no lugar, coisa que o vento não deixava. Mal sabia Diego, mas, para Alessa, seu cabelo ficava muito melhor bagunçado, combinava mais com ele. Ou talvez ele até soubesse, porque não passara muito tempo e Diego já tinha desistido de brigar com vento. Deixava seu cabelo bagunçado mesmo, não tinha problemas.

Deparada com aquela cena, Alessa se perdeu em suas memórias, como já era de costume. Lembrou de uma cena que acontecera há alguns anos atrás. Ela tinha 13 anos, e estava sentada naquele mesmo banco com Luca ao seu lado, com a mesma cena a sua frente: Diego vindo em sua direção tentando manter o cabelo no lugar.

Flashback:

-Já tava na hora de chegar né Diego? - falou Luca.

-É verdade, você demorou muito! Você e Luca costumam chegar juntos, o que aconteceu dessa vez?

-Cara se eu soubesse que tu ia demorar tanto quando tu pediu pra eu ir na frente eu nem tinha vindo primeiro!

-Calma galera, calma! - falou Diego levantando os braços. - Oi pra vocês também tá? E quando vocês souberem o motivo vão me perdoar.

-Tá então conta logo. - Alessa já estava impaciente.

-Então, vocês sabem que eu estou meio afim daquela garota da nossa rua né?

Alessa de repente congelou. Sim, ela sabia disso. E não, ela não gostava nada da ideia. No começo ela nem tinha dado bola para isso. A menina não gostava de Diego, e ele era muito tímido para tomar alguma iniciativa. Na cabeça dela logo tudo passaria. A verdade é que ela não sabia exatamente porque se sentia tão incomodada com isso. Então era aquilo que chamavam de ciúmes? Ela não sabia ao certo. Por isso ela simplesmente resolveu esperar passar. E ela até achava que já tinha passado, Diego nunca mais falara daquela garota. Mas de súbito tudo tinha voltado, no momento em que Diego pronunciou aquela frase.

- Pois é - continuou Diego - hoje eu tomei coragem e fui falar com ela. Nós conversamos mais do que eu esperava, por isso eu demorei. Eu acho que eu estou realmente gostando dela. Ela me deixa todo nervoso e atrapalhado!

- E é possível te deixar mais atrapalhado do que você já é? - brincou Luca.

- Nossa era pra rir? - falou Diego com desdém - Enfim, eu vou sair com ela amanha à noite. Nós vamos para o cinema.

- Mas já? Tá podendo ein irmãozinho?

Os dois começaram a rir e a conversar sobre a tal garota. E Alessa estava calada. Sua pele que costumava ter um leve tom de bronzeado agora estava pálida. O verde de seus olhos já não era mais tão intenso. Seus cabelos negros como carvão estavam sobre seu rosto e ela não percebera. A única coisa que conseguia pensar era que ela gostaria de ser aquela garota por quem Diego estava afim. Naquele momento, Alessa sentiu dor. Uma dor que nunca tinha sentido na vida, e que era no mínimo estranha. Vinha de dentro do peito e passava para o resto do corpo. Parecia que ela já não tinha mais forças. Naquele momento, Alessa percebeu o quanto amava Diego e o quanto ela sofreria por não tê-lo. Antes era tudo muito bom. Desde criancinhas os três brincando, conversando, não importando nada, estavam sempre juntos. E ela era a única garota na vida de Diego. Exatamente isso, era. Agora existia outra. E Alessa não suportaria.

- Gente eu tenho que ir eu não estou me sentindo muito bem - falou Alessa e começou a correr, em direção à sua casa.

Os meninos, sem entender, apenas ficaram sentados no banco, observando Alessa se afastar cada vez mais rápido. Ela podia ser baixinha, mas corria bastante.

Ao chegar em casa, Alessa correu para o quarto, trancou a porta e começou a chorar. Chorou como nunca tinha chorado antes, sem entender como podia estar chorando tanto. Só depois de muito tempo percebeu o quão encharcado estava seu travesseiro e se perguntava como esconderia isso de sua mãe. Bom, isso não importava muito agora. Naquele momento, Alessa teria que organizar seus pensamentos. Estava mais confusa do que jamais estivera. Como poderia estar gostando de Diego dessa maneira? Eles eram como irmão! Esse sentimento estragaria tudo, ninguém poderia saber. Talvez ela contasse para Luca. Sim, ela teria que contar para Luca. Alessa não conseguiria guardar isso só para si, precisava contar para alguém, e ela sabia que poderia contar para Luca. Mas Diego nunca saberia, nunca!

Fim do Flashback.

Lembrando desse episodio, Alessa acaba deixando escapar uma lágrima teimosa, mas logo a retirou do rosto. Luca, que estava ao seu lado, percebeu e ele sabia o motivo. Luca conhecia Alessa melhor do que ninguém, eram melhores amigos, irmãos. Então ele a abraçou e deu um beijo em sua bochecha, como quem dizia: "Ei, eu vou estar sempre aqui do seu lado viu? Prometo." Alessa deu um meio sorriso. Olhou para Diego que agora já estava bem próximo deles e, por um segundo, pensou em contá-lo tudo o que sentia, mas logo desistiu. "Não, essa era uma péssima ideia, logo tudo isso passa.” Alessa repetia para si mesma essa frase sempre, na esperança que se tornasse verdade, na esperança de que ela conseguisse esquecê-lo. Mas quando Alessa olhou dentro daqueles olhos castanhos, ela teve a certeza de que nunca iria esquecê-lo.