—Ain, que dor!_reclamou Isabelle ao sentir a agulha com anestésico perfurar sua carne machucada.

—Sinto muito, Srta. Reed, a anestesia a ajudará a não sentir dor durante a sutura._ sorriu com simpatia o homem loiro de cabelos e barba bem aparados._ Só mais alguns instantes e se sentirá melhor. Está melhorando?_perguntou com ternura.

Há muito Isabelle não era tratada com tanto cuidado, e o carinho na voz do médico chamou finalmente a sua atenção. Ela então percebeu que se tratava de um rapaz muito bonito, alto e de olhos azuis que transmitiam bondade. De acordo com forma como falava e se portava não haviam dúvidas que vinha de uma boa educação. Não lhe passou despercebido seu conhecido sotaque britânico, ela ficou tocada a saber o que levaria um homem como aquele escolher clinicar em uma comunidade remota do Tahiti.

—Sente-se melhor, Srta. Reed?_ ele suavemente passou os dedos pelo dorso do seu braço despertando-a de seu devaneio.

—Oh… sim. Muito melhor._ retribuiu o sorriso.

—Ótimo, isto quer dizer que o anestésico está fazendo o seu trabalho_ concluiu satisfeito._ agora vou costurar seu braço. Seja uma boa menina e não se mexa ou então terá um belo mapa em sua pele._alertou o médico.

Ela suspirou com desdém.

—Acho que isto não tem muita importância, de qualquer forma esse meu pequeno descuido me dará de presente uma bela cicatriz.

—Você tem atributos muito mais interessantes para prender a atenção de alguém do que uma indesejável cicatriz no braço._flertou o médico. Ela ergueu o olhar e encontrou a profundeza sincera nos olhos azuis do homem. Encabulada pelo elogio inesperado ela limitou-se a sorrir em agradecimento.

Isabelle era uma mulher linda, isso chamou sua atenção desde o instante que entrou em seu consultório acompanhada de um homem que a princípio julgou ser seu marido, porém, ao ouvi-la dizer que preferia passar pelo procedimento sem seu acompanhante concluiu que não eram nada além de companheiros de trabalho. Ela era tudo o que ele não imaginava encontrar em Matavai.

Quando o recém-formado Benjamin Summerlee deixou Londres rumo ao Pacífico Sul, julgou ser a maior aventura de sua vida. Acreditou que encontraria a experiência médica que lhe faltava na civilização. Salvar vidas tendo todos os recursos a sua disposição era uma coisa, porém, fazer isto sem os auxílios necessários aguçava a criatividade, além disto, faria toda a diferença em sua carreira médica quanto na vida daquela comunidade. Estava em Matavai há quase um mês e se deparado com casos clínicos simples, amigdalites, verminoses, algumas suturas entretanto, nenhum dos seus recentes pacientes se comparavam a beleza genuína de Isabelle Reed. Arriscava-se a afirmar que ela era a mulher mais linda daquela baía. Talvez de todo o Tahiti, porque não de todo o arquipélago. Como não a havia notado antes?

—Srta. Reed, não me lembro de tê-la visto antes nesta ilha._ afirmou sem tirar os olhos do trabalho que suas mãos firmes exerciam sobre a ferida.

—Nem poderia, Dr. Summerlee. Eu estive viajando a trabalho por algumas semanas. Retornei hoje, e já lhe trouxe trabalho extra._brincou ela.

—E a que tipo de trabalho se dedica?_uma súbita curiosidade de saber mais e mais sobre aquela encantadora mulher.

—Eu sou uma marinheira._respondeu com naturalidade.

—Você se torna mais surpreendente a cada minuto._deixou escapar incrédulo por perceber o quão rara Isabelle era. Ela riu do comentário do médico.

—Na verdade sou sócia em uma embarcação. Foi assim que consegui essa pequena travessura.

—O homem que a trouxe é o seu sócio?_ mal podia conter o interesse em saber quem era o sujeito que mostrou tanta preocupação sobre seu estado e ainda a aguardava impaciente do lado de fora da sala.

—Sim… embora eu acredite que nossa associação não perdure por muito mais tempo._ lembrou com condolências a conversa que ouvira naquela manhã.

Benjamin notou notas de tristeza na voz da paciente. Sem dúvida ela não estava satisfeita com esse rompimento, porém, mesmo curioso para saber o motivo da dissolução da sociedade admitiu que não era de sua conta, pelo menos não ainda.

—Prontinho, Srta. Reed._avisou quando terminou o último enlace da linha escura na pele bronzeada dela._ em pouco tempo estará apta a uma nova proeza.

—Tão rápido?!_ela sorriu admirada._Eu quase nem senti.

—Estou satisfeito que não a tenha incomodado. Você precisará fazer curativos diários e não levantar peso por uns dias. Se me disser onde é sua casa posso passar todas as manhãs para trocar seu curativo._tinha consciência de que não estava sendo muito profissional ao utilizar da profissão para conseguir o endereço da mulher que lhe interessava, mas, suas intenções eram verdadeiras então este era um desvio de conduta que podia ser facilmente perdoado.

—Sinto que isso é um pouco de abuso da sua boa vontade. Eu posso vir em seu consultório para fazer o curativo.

—Abuso nenhum. Eu insisto.

—Bem… neste caso… minha casa é atrás do estábulo.

—Estarei lá pela manhã._ sorrindo, o médico abriu a porta e encontrou os olhos pouco satisfeitos de David.

—Achei que fosse um procedimento simples, mas, pela demora posso imaginar que foi uma cirurgia completa._ o capitão extravasou sua irritação em foma de sarcasmo.

—Você não precisava ter me esperado, David. Foi muita gentileza, mas desnecessário_ Isabelle fez uma pausa e voltou a mirar o médico._A propósito, Dr. Summerlee, acho que ainda não foi apresentado a meu sócio o capitão David Grief.

—É um prazer, Capitão Grief._ o médico estendeu a mão.

—Pode me chamar de David._ correspondeu ao gesto de Benjamin embora sem muito entusiasmo. Aproveitou para examinar com calma o outro. Embora não fosse seu costume, David tinha que admitir que Benjamin Summerlee era um homem que chamava a atenção. Um tipo incomum de encontrar naquela parte do pacífico. Esta constatação já causou no capitão uma antipatia genuína. Logo afastou dele esse tipo de atitude infantil, era bobagem sentir ciúmes de alguém que mal conhecia.

—Sendo assim, espero que me chamem de Benjamin._ tornou a olhar com admiração para a bela mulher._Você também, pois, penso em tratá-la por Isabelle, se você não se importar?

—De nenhum modo._Isabelle lhe o ofereceu um sorriso adorável.

Essa atitude só contribuiu para piorar o humor de Grief. Se antes sua antipatia pelo médico era infundada, agora, ele tinha um motivo bem contundente para não gostar dele. Esse tipo de intimidade com Isabelle o deixou muito desgostoso. Na realidade ele não tinha motivos para sentir algum tipo de domínio sobre ela, e de fato ele também não era uma pessoa ciumenta nem poderia ser afinal, ela não era sua namorada, nem sua amante, apenas era sua sócia, parceira comercial nada mais. Foi exatamente isso que ele havia deixado claro a Mauriri naquela manhã, era isso que dissera a ela dezenas de vezes até que pelo visto a convenceu, e era isso que ele repetia mentalmente a si mesmo naquele exato momento. Então porque ele se via consumido de ciúmes por ela e controlando seu impulso de socar aquele inglês intrometido?

—Eu a acompanho até em casa, vamos Isabelle?_ instintivamente quis tirá-la dali.

—Não se esqueça de não fazer esforços com este braço._lembrou o Benjamin enquanto levava a mão dela aos lábios para se despedir.

David pensou em afastá-lo com um empurrão. Que espécie de médico agiria com uma atitude tão sedutora? Isso com certeza era eticamente reprovável?

—Vamos, Isabelle._insistiu impaciente.

Ela finalmente assentiu e o acompanhou. O caminho da enfermaria ao estábulo foi percorrido em silêncio. Ambos estavam concentrados em seus próprios pensamentos. David tentava entender o que estava sentido. Ele não era de se alterar assim por qualquer motivo, entretanto, tinha consciência que Isabelle não era um motivo qualquer. Ela era sua amiga antes de ser sua sócia. Havia lhe salvado a vida e provavelmente por isso ele estava tão preocupado com o seu bem-estar.

—Claro!_ exclamou entusiasmado quando finalmente havia encontrado uma explicação justificável e segura para seu incômodo.

—O que disse?_ Isabelle despertou de seu transe quando ouviu a euforia dele. Ela mesma estava perdida entre a decepção que sofrera pela manhã e a agradável sensação de ter conhecido o charmoso doutor. Por esta razão, não havia entendido bem o que Grief havia pronunciado.

—Eu?_ perguntou confuso._Ahh simm… eu… eu… mencionei Claire._ mentiu.

—Claire?

—Sim… Claire._confirmou com mais convicção como se ele mesmo acabara de se convencer._O médico disse que você precisa de repouso. Eu passarei no bar e pedirei que Claire passe a noite com você, o que acha?

—Não sei se é necessário… _ponderou. Não gostaria de ocupar sua amiga com uma tarefa tão enfadonha. Entretanto, estava com saudades da jornalista e seria bom compartilhar com ela os últimos acontecimentos.

—Claro que é necessário… eu poderia ficar com você, mas…

—Não se sinta obrigado a nada._o interrompeu._Sei que deve ter planejado algo bem mais empolgante para o seu retorno a Matavia._ Isabelle não procurava saber muito sobre a vida pessoal de David, fazia parte do seu plano de afastamento, entretanto, supunha que ele nunca havia terminado totalmente seu romance com Lavínia e com outras mais. Não era da sua conta, mas, imaginava que nas noites solitárias enquanto não estava trabalhando, o marinheiro buscava consolo nos braços de um amor antigo ou de uma nova conquista. Sendo quem for, nunca foi ela a quem ele buscou.

—Tem razão._ ele apenas concordou. Não tinha nada programado para aquela noite, nem para as noites seguintes. Como sempre, ele jantaria no bar, beberia até um grau de embriaguez que o permitisse retornar ao Rattler e passaria a noite sozinho, provavelmente ocuparia boa parte dela imaginando como seria ter o corpo quente de Isabelle entre seus braços. Ela não precisava saber que ocupava sua imaginação e seus sonhos, já era presunçosa demais. Todavia, pra sua própria autopreservação era melhor que ele ficasse longe da tentação que ela representava.

—Sendo assim, obrigada por me acompanhar e por chamar Claire para me fazer companhia._ tentou esconder a decepção.

—Cuide-se._ ele se afastou se olhar para trás. Sabia que esta era a melhor forma de evitar que sucumbisse ao desejo constante de beijá-la.

****

—O médico novo é bem bonito, você não achou?_ perguntou Claire enquanto escovava os cachos de Isabelle.

—Você tem razão. Benjamin é bem atraente._ sorriu.

—Benjamin? Quão íntima você se tornou dele._espantou-se a jovem loira, largando a escova e se curvando para encarar a amiga.

—Foi ele quem sugeriu que nos tratássemos pelo primeiro nome.

—Humm._Claire deu uma leve batida no ombro de Isabelle antes de retornar ao trabalho que se dedicava._ E o que David achou disto?

—David? O que ele tem a ver com isso?

—Ele não parecia muito satisfeito quando chegou no bar hoje.

—Ele deve estar com outros problemas. Com certeza não foi o meu acidente que mudou o seu humor.

—Eu não teria tanta certeza disso… ele parecia bem preocupado quando me fez muitas recomendações de como cuidar de você.

—David fez isso?_perguntou incrédula.

—Sim! E disse que passaria amanhã pela manhã para saber como você passou a noite?

—Duvido que se lembre de me procurar pela manhã depois de ter passado toda a noite na farra.

—Ele disse que estava indo para o Rattler quando se despediu de mim._ Claire não corroborava com Isabelle quanto a conduta de David. Era verdade que a fidelidade nunca foi um valor muito cultuado pelo capitão, porém, Grief era um amigo leal. E a jovem jornalista apostava que os sentimentos dele por sua amiga eram nobres, embora ele ainda não estivesse disposto a admitir isso.

—O fato dele ter ido dormir no Rattler não significa que vá fazê-lo sozinho._exemplificou a morena enquanto reclamava de um nó que Claire com dificuldade desmanchava.

—Isabelle, você sabe que ele não levou nenhuma mulher ao Rattler desde que o barco passou a ser sua propriedade também.

—Isso provavelmente mudará em breve.

—Por que diz isso?

—Por nada… apenas suposições. Na verdade o que David faz ou deixa de fazer das noites dele não me interessa._terminou o assunto. Não tinha a menor vontade de relembrar o que ouvira da conversa de David e Mauriri._Agora vamos dormir pois quero estar com boa aparência quando Benjamin vier me visitar pela manhã.

—Sei… Benjamin… _ Claire disse pouco convencida de pra quem Isabelle gostaria de ficar bonita. Não quis insistir no assunto mas conhecia dos sentimentos de Isabelle por David e desejava que ela e o amigo encontrassem a felicidade. Contudo, torcer pelo casal era o máximo que estava ao seu alcance fazer, os dois já eram adultos o suficiente saberem tomar suas decisões, ou, pelo menos, deveriam saber.

****

—Paiku, onde encontro Isabelle?_ gritou David ao empregado nativo de Isabelle Reed no momento que entrou no estábulo. Ainda era cedo, mas, Isabelle era uma mulher diurna e ocorreu-lhe que talvez ela pudesse ter saído mesmo com as recomendações médicas de repouso.

—Nos fundos, David._respondeu o rapaz.

David se sentiu satisfeito por encontrá-la em casa. Claire provavelmente vigiou a paciente teimosa e por isso ela não estava realizando nenhuma travessura. Ao se aproximar da porta percebeu que estava aberta e por isso entrou mesmo sem ser anunciado. O que ele poderia encontrar demais além de duas amigas trocando confidências. A casa estava completamente em silêncio e ele se encorajou a adentrar mais buscando algum sinal de vida. Ouviu um praguejar vindo do quarto. Reconheceu a voz de Isabelle, ela deveria estar em apuros para variar e era seu dever ajudá-la. Caminhou alguns passos e parou na soleira entreaberta do quarto dela. Em silêncio e hipnotizado ficou a observá-la. Isabelle tinha os cabelos molhados, provavelmente acabara de se banhar pois o perfume inebriante de flores invadiu suas narinas espalhando-se por todos os seus sentidos. Teve impulso de tocar sua pele com os lábios para saber se tinha o mesmo sabor delicado que a aquele cheiro o intuía. Sentiu imediatamente uma pontada em sua virilidade, não era uma sensação incomum quando estava perto daquela mulher que era fonte de tantas de suas fantasias.

Isabelle praguejava tentando abotoar sua camisa branca, contudo, era óbvio que o machucado no braço havia lhe tirado parte de sua mobilidade.

—Eu posso ajudá-la com isso._sugeriu David. Ele percebeu a tensão se instalar na musculatura da mulher ao ouvir o som de sua voz. De fato, ela não era indiferente a ele.

—Nunca ouviu falar em bater à porta?

—A porta estava aberta e acho que algumas formalidades não são mais necessárias entre nós, você não acha?_jogou com cinismo e pretensão.

—Formalidades são sempre necessárias, capitão Grief._ ela recuperou-se da tensão inicial e começou a jogar com ele também.

—Além disso, imaginei que Claire estivesse com você._disse enquanto se aproximava.

—Ela teve que sair cedo para ajudar Lavínia._seus batimentos se aceleraram com a proximidade dele.

—Permita que eu a ajude._ logo David estava compartilhando o mesmo ar que ela e suas mãos ásperas tocavam o tecido delicado da camisa.

Isabelle prendeu a respiração quando os dedos dele roçaram suavemente seus mamilos enrijecidos sob o pano fino da peça. Grief notou a excitação da mulher e uma onda de prazer o invadiu ao perceber que mesmo não demonstrando claramente que ela ainda se sentia atraída por ele. Ergueu com delicadeza o seu queixo e viu em olhos dela o reflexo de seu próprio desejo. Aproximou-se de seus lábios e os tomou para si. Faziam muitos meses desde que David havia provado o doce sabor de sua boca, entretanto, guardava consigo a memória de que os beijos de Isabelle eram inesquecíveis.