Cerise, porém, permaneceu no terraço, sentindo o ar perfumado da noite, admirando as estrelas quase tão brilhantes quanto seu olhar e recordando de sua infância feliz. Nada a impedia de entrar e divertir-se, exceto ela mesma, sentia seu coração partir-se; aquele a quem dedicou sua vida, sua alma, já não era o mesmo, a saudade vinha para tornar tudo irreparável. Sem perceber, ela havia entrado no labirinto que tanto atravessou, agora parecia que não podia mais sair de lá, não importava o quanto corresse. Foi neste instante que ouviu ruídos vindos da entrada principal do castelo, parecia que uma corrente de ar frio fez-se ouvir e uma sensação estranha invadiu o interior da pequena Cerise, afinal, não era inverno...

Tratava-se de uma pobre senhora, ofertando uma simples rosa branca em troca de abrigo e alimento. "Ora vejam! Que grande tesouro a bruxa veio trazer-me! Peço-te, vá embora, sim?" Ela o aconselhou a não julgar pelas aparências e que um dia também precisaria de ajuda; Quando ele tornou a expulsá-la, eis que surge uma bela feiticeira. O jovem tentou desculpar-se, pena, tarde demais. "Você foi iludido pelo teu coração gelado. Eu amaldiçoo tua casa e tudo que há nela. Até que encontre alguém que o ame como você é, você será para sempre uma Fera." Envergonhado de sua monstruosa aparência, a Fera escondeu-se no castelo, com um espelho mágico, sua única janela para o mundo exterior. A rosa que ela ofereceu era encantada e floresceria até o vigésimo primeiro ano. Se ele aprendesse a amar alguém e fosse retribuído na época em que a última pétala caísse, o feitiço seria quebrado, se não... ele estaria condenado a permanecer fera eternamente. "Quem seria capaz de amar um monstro?"

Embrenhando-se por entre os arbustos, Cerise sentia os espinhos rasgarem seu vestido, no entanto, nada disso era maior que o choque ao ver que todo o jardim estava tristemente congelado. As rosas, antes cheias de vida, estavam murchas; o lago no qual ela nadava com Adam, estava coberto por uma espessa camada de gelo. Ela não acreditava em seus olhos, há um tempo, as árvores eram maravilhosas, o verão preenchia a cidade que ela tanto amava; agora o inverno cobre seu lugar preferido no mundo inteiro. Virando-se para encarar o castelo, não pôde evitar o cenho franzido, o exterior estava cinza, rachando, as estátuas douradas e convidativas tornaram-se gárgulas crueis; engolindo em seco, ela esperou por um som sequer.

Nada.

Hesitante, ela adiantou-se em direção ao castelo, mesmo com o seu coração temeroso, não podia recuar mais. Tocando na porta, ela a empurrou com toda sua força, era como se estivesse congelada a séculos... pingentes de gelo desprendiam-se e chegavam ao chão criando uma melodia gélida e mórbida. Enfim, ela adentrou o então sombrio castelo. "Olá? Eu..." Por onde passava, deixava um rastro de neve. Tudo parecia tão antigo, gasto, escuro. O farfalhar das cortinas passando pelo papel de parede a fez virar-se, segurando firme a saia de seu vestido "Olá?"

"Mademoiselle, mademoiselle!" Cerise deu um passo para trás ao som da familiar e infantil voz, seu coração parou por um instante. "Zip? Onde está? O que houve por aqui?" Pobre do garoto não sabia responder, deu então um assobio, que fez com que a garota olhasse para o chão; Bem ali, junto aos seus pés, estava Zip, na forma de uma pequena xícara de porcelana.

Agachando-se com cuidado, a filha do padeiro tomou suavemente o garoto nas mãos "Oh Zip, o que aconteceu com você?" De repente ela ouviu passos vindos em sua direção, olhando para frente, pôde ver um castiçal dourado, ricamente decorado; um bule de chá, um espanador, um relógio e um pequeno capacho. Todos esses objetos possuíam feições! "Graças a Deus a senhorita não foi transformada!" Disse a chaleira, aliviada. "Meu Deus, Madame Samovar!"

"Tememos por você, Mademoiselle!" Cerise reconheceu o forte sotaque francês e mais uma vez pediu por explicações, suas mãos tremiam como as penas de Plumette - Céus, Plumette! Sua amiga agora era um espanador... -

"Isto só pode ser um sonho, um pesadelo terrível." Todos eles balançaram as cabecinhas negativamente. "Temo que isto seja por demais real." Lumière prontificou-se, e antes que Cerise abrisse a boca novamente, Horloge elucidou. "Uma maldição, o Palácio sofre de uma maldição." A moça deu uma leve risada, porém, sua expressão tornou à seriedade. "O Príncipe, onde ele está?"