Vapor

22. Conforto


VAPOR - PARTE II

MEET YOU THERE

CAPÍTULO 22

conforto

alissa fontes

Havia muito pelo qual Alissa poderia estar sentindo falta ou tristeza naquele, ao sentar na cadeira desconfortável do avião ela não pode evitar sentir uma tristeza repentina. Sua vida tinha mudado completamente no último ano, ela não gostava de acreditar que poderia existir um “melhor ano de sua vida”, por que em sua opinião todo ano tinham coisas boas e ruins, todavia se pudesse escolher, aquele tinha sido um de seus melhores anos. Tantas pessoas novas tinham aparecido em sua vida, tantos momentos tinham sido criados, momentos estes que ela carregariam para sempre na memória.

Deixou que as lágrimas passeassem livremente pelo seu rosto enquanto a aeromoça declarava que o voo iria ser iniciado em cerca de poucos minutos. Até então ela não tinha chorado tanto, mas ao ter pisado o pé no Aeroporto de Sydney, ao ver suas amigas chorando dizendo sentir a sua falta... ao ter terminado com o seu namorado porque sabia que a vida dois não era mais compatível... Alissa sentiu tudo desmoronar. Seria uma viagem longa e ela teria muito mais de um vôo para poder chorar bastante, porque teria que fazer escala dali algumas horas.

Ela apoiou sua cabeça no encosto da cadeira e então deixou que as lágrimas viessem, sem medo de que os desconhecidos ao seu redor vissem uma garota chorando silenciosamente.

Se havia algo que Alissa tinha esquecido completamente sobre o Brasil, era sobre o como o clima do país era oito ou oitenta. Sua mãe tinha lhe avisado por mensagem de que como era janeiro, o clima em São Paulo estava bem quente então seria bom que ela se trocasse para colocar roupas mais leves antes de pousar. Felizmente Alissa não gostava de contradizer sua mãe, então apenas vestiu um cropped azul claro e um short jeans.

Faziam anos que ela não pisava no Aeroporto de Guarulhos, mas só de estar ali, de ver as pessoas falando português enquanto caminhavam apressadas para todo canto possível, fez um sorriso de conforto se formar em seu rosto. Aquele era o seu país, e apesar de todos os defeitos e infortúnios, era o seu lar.

Não demorou muito para que ela encontrasse a sua mãe, Alessandra no meio da multidão junto de seu padrasto. Sua mãe tinha mudado bastante naqueles últimos anos, o cabelo cacheado que costumava ser tão longo estava cortado nos ombros, a pele negra estava bem bronzeada por conta do sol. Contudo, a mulher ainda vestia o mesmo macacão que Alissa costumava vê-la vestir quando estava trabalhando em casa e procurava usar uma roupa mais confortável.

O susto veio mesmo quando Alissa conseguiu olhar melhor para a barriga da mãe. A expressão de surpresa dela arrancou uma gargalhada gostosa do casal.

— Mãe! — exclamou com a voz começando a ficar embargada. Por tanto tempo ela desejou que a mulher estivesse perto dela, e agora ela estava ali, na sua frente, com um sorriso que poderia iluminar o seu mundo. Alissa não conseguia acreditar que aquilo era verdade, que ela realmente estava ali. — Meu Deus, eu senti tanto a sua falta.

Se ela já tinha chorado bastante nos vôos que tinha tomado até Guarulhos, agora

ela estava chorando mais ainda. Porque sequer tinha imaginado como ia ser quando encontrasse sua mãe, e agora ela estava ali, na sua frente, caminhando até a sua direção para lhe dar um abraço carinhoso.

— Oh minha querida você cresceu tanto! Você tem comido direitinho? Me prometa que não comeu McDonalds de almoço que nem seus amigos estrangeiros, almoço que sustenta é arroz com feijão.

Alissa riu, abraçando a sua mãe com certo cuidado.

— Você não me falou que estava grávida.

— Eu quis fazer uma surpresa. — Alessandra deu um sorrisinho cúmplice para Phill que apenas olhava as duas mulheres com carinho. — Não é mesmo querido?

— Isso foi uma ideia sua Alê. — o homem disse dando risada enquanto tentava se defender. Phill era filho de uma inglesa com um goiano, apesar de ele ter passado alguns anos de sua infância no Brasil, parte de seu sotaque vinha do fato de ele ter sido naturalizado na Inglaterra. Alissa achava o sotaque do padrasto bem engraçado.

— Ele nunca me apoia nas minhas ideias. — Alessandra fez “tsc” descontente com a boca.

Alissa sorriu de leve, era bom saber que enquanto sua mãe era praticamente ligada no 220v sempre animada e falando várias coisas ao mesmo tempo, seu padrasto era um homem mais calmo mas que sempre embalava nas artimanhas da mãe, embora ele normalmente atuasse sendo a voz da razão. Tinha de admitir que os dois era um contraste bem engraçado.

— E aí, eu vou ter um irmão ou uma irmãzinha?

Alessandra sorriu acariciando sua barriga involuntariamente.

— É uma menina, filha. Devo dizer que essa menininha aqui é bem mais agitada do que você.

— Igualzinha a mãe. — Phill disse, fingindo revirar os olhos apenas para irritar a mulher.

Conforme andava no carro de seu padrasto pelas ruas de São Paulo, Alissa não pode evitar sentir falta da sua cidade. A garota tinha aberto a janela para poder sentir a brisa forte do vento enquanto olhava as pessoas caminhando na rua. Era quase final de tarde, o sol estava se preparando para se pôr, o que significava que os bares estavam cheios com pessoas rindo e bebendo cerveja enquanto esperavam pelo começo da copinha de futebol que seria exibida na televisão. Já nas ruas haviam algumas mulheres nas calçadas conversando com as vizinhas enquanto uma música alta e característica da cidade tocava no fundo.

Não havia algo mais cotidiano do que aquela vista, aquilo fora o suficiente para fazer com que Alissa se sentisse em casa.

marinn [16:30 PM]

ei, eai?

Você já

chegou? Está bem? Comeu direitinho?

alissa [16:31 PM]

acho muito fofo a forma como você é praticamente a minha mãe

acabei de chegar em SP, estou com a minha mãe e meu padrasto indo pra casa de carro

queria que vc estivesse aqui, sério. Tenho certeza de que vc ia amar a cidade

marinn [16:35 PM]

eu só estou cuidando de você, boba

tudo bem,

me manda mensagem quando vc chegar em casa

vou ir dormir agora, já são cinco da manhã aqui, eu estou morrendo de sono

alissa [16:35]

boa noite

amiga ♡

Ao desligar a tela do celular, Alissa deu um suspiro. Ter conversado cerca de cinco minutos com Marina fez com que ela sentisse uma saudade súbita de Sydney, seus amigos, seu ex-namorado e até mesmo da Universidade. Apesar de ter uma vida bem corrida e as vezes estressante por lá, também não iria negar que era apaixonada por aquela cidade.



— Alissa? Eu falei que não era para você ter vindo aqui! — o tom ríspido fez com que a garota desse uma gargalhada.

Era seu terceiro dia de volta ao seu país de origem e a primeira vez que de fato ia para a casa de sua avó. Como sua faculdade ficava mais perto da casa da avó, seria ali que ela iria morar por aquele tempo. Teria tempo o suficiente para estagiar, estudar e passar um tempo com sua avó ranzinza, embora ela soubesse que todo aquele humor amargo fosse apenas uma fachada.

— Boa tarde vó, tudo bem com a senhora? Tenho certeza de que sentiu minha falta.

— Hum. — Dona Amélia estreitou os olhos na direção da neta — Prepotente que nem a mãe.

— Que por acaso é a sua filha. — Alissa disse baixinho dando um sorrisinho de

canto.

— Venha criança, creio que não quer ficar parada na frente do portão que nem uma palhaça. — a senhora disse erguendo uma sobrancelha sugestivamente, como se estivesse doida para ter a sua paz de volta e ter a jovem barulhenta longe.

— Claro que não. — Alissa fez uma careta pegando suas malas sozinha, sabendo que sua avó estava muito debilitada para ajudar ela a carregar todo aquele peso. O resto das suas coisas ainda estavam na casa de sua mãe, ela iria pegar o restante quando tivesse tempo para tal.

A garota teve de fazer um esforço para subir as escadas da entrada da casa da avó com as malas, e quando se lembrou de que a casa tinha dois longo andares, acabou suspirando cansada.

Quando finalmente conseguiu se arrastar até a sala da casa, sua avó já estava sentada em sua poltrona confortavelmente como se indicasse que não iria sair dali por tão cedo.

— Seu quarto fica no andar de cima, sinto muito Alissa, meu corpo está muito cansado para que eu lhe mostre o restante da casa. Segunda porta a esquerda.

Alissa não deixou de perceber que sua avó tinha lhe chamado pelo nome pela primeira vez, o que fez um sorriso genuíno aparecer em seu rosto.

— Está tudo bem vó, eu consigo lidar com isso. E a sua cuidadora, ela vem hoje?

— Ah, aquela pirralha? Sim, vem sim. Vocês duas se dariam bem, nenhuma das duas bate bem da cabeça mesmo. — Dona Amélia comentou em um murmúrio que fez Alissa querer dar risada. Sua avó era literalmente a única pessoa no universo que conseguia fazer com que ela risse de tamanho sarcasmo.

— Tudo bem.

A menina subiu as escadas da sala com certa dificuldade enquanto arrastava as malas consigo, depois de duas viagens de sobe e desce, ela tinha conseguido levar tudo para o corredor do piso superior. Não se surpreendeu ao ver que as paredes do andar de cima eram iguais ao debaixo, cor creme. Toda a casa tinha sido cuidadosamente planejada e decorada para ser agradável e ser acessível a sua avó que já tinha idade avançada, até mesmo nos corredores havia uma superfície na parede para que Dona Amélia pudesse se guiar ao andar.

O quarto que Amélia tinha reservado para neta era bem bonito e tinha a vista direta para um parque que ficava logo ao lado da residência, o que era muito gentil da parte dela. O ambiente era bem simples e sem muita decoração, o que indicava que Dona Amélia iria deixar Alissa decorá-lo da forma que quisesse. Havia apenas uma cama, uma escrivaninha e um guarda-roupa ambos de um marrom bem clarinho que dava uma sensação de elegância. Se não estivesse na casa de sua avó, poderia dizer que aquele era um quarto de hotel.

Só de olhar para a pilha de malas e o guarda-roupa vazio, Alissa se sentiu derrotada. Começou a procurar trezentos motivos em sua mente não começar aquela trabalheira de uma vez, e para sua alegria, seu celular vibrou sinalizando que ela tinha acabado de receber uma mensagem. Aquilo seria o suficiente para afastá-la de todo aquele trabalho nem que por apenas dez minutinhos.

Era uma mensagem de Marina perguntando se a amiga poderia fazer uma ligação, a mesma aceitou, se perguntando porque raios de motivo Marina estava acordada àquela hora da madrugada na Austrália.

— Bom dia, flor do dia. — disse ironicamente ao atender a amiga que deu risada fracamente, indicando que apesar de tudo, ela estava casada por ter virado a noite.

— Ali, você não vai acreditar.

— Pode falar, eu estou com tempo. Você me ligou no exato momento que eu estava me questionando se deveria começar a arrumar o meu guarda-roupa ou começar a procrastinar.

Marina deu risada daquela fala, podia praticamente visualizar a imagem de uma Alissa sentada no chão cansada de tanto arrumar as suas coisas, procurando um motivo para começar a procrastinar. Normalmente sua amiga não procrastinava muito a não ser que estivesse de férias, e bem, aquela era a exata situação.

— Certo, então acho que eu estou com sorte. Eu e Ashton estamos finalmente namorando.

— Meu Deus, eu sabia! — Alissa quase deu um grito animada, sorte a sua que a porta do quarto estava fechada e sua avó não iria poder escutar a neta gritando ao invés de estar arrumando o quarto.

Um sorriso gigante surgiu no rosto da Fontes, desde antes mesmo de Marina começar a namorar Harry, ela conseguia ver ela e Ashton juntos. Só que não tinha certeza sobre os sentimentos dos dois, contudo, era impossível para ela ficar mais de dois minutos no mesmo ambiente que os dois e se perguntar se na verdade o brilho no olhar do Irwin era algo a mais que amizade.

A sensação de saber que estava certa desde o início era revigorante.

— E fui eu quem pediu ele em namoro.

— Meu Deus, como assim? — a brasileira indagou e então começou a exclamar alguns palavrões em português devido a surpresa que a sua outra amiga somente entendeu porque as duas eram latinas.

Marina riu baixinho.

— A verdade é que ele estava com medo de dar o passo para frente por minha causa. Como eu te explico isso... Ele estava lá quando eu discuti com Harry, principalmente quando eu terminei com ele. Além de você, ele foi a pessoa que esteve lá para me dar suporte e para que eu pudesse superar e entender que eu tinha, na verdade, me livrado de algo muito ruim. E bem, como ele presenciou tudo isso de perto, viu a forma em como eu lidei com aquele avalanche de sentimentos... Acho que tudo aquilo o deixou com receio de tentar avançar e eu ainda estar muito frágil, entende? Esse tempo todo eu fiquei me perguntando o porquê isso estava acontecendo, se ele na verdade, não queria me assumir ou algo do gênero. Se ele preferia manter casual... E agora eu sei, esse tempo todo ele apenas estava preocupado comigo. — conforme falava, a emoção ficava mais evidente na voz de Marina. Pelo outro lado da linha, Alissa conseguia perceber que ela estava se controlando para não derramar lágrimas de emoção, contudo acabou falhando e alguns soluços acabaram por escapar de seus lábios.

No meio da fala da amiga, Alissa começou a rir, feliz pela outra.

— Eu sabia, sabia que isso ia acontecer. Você não tem noção das vezes em que eu fiquei esperando que isso acontecesse. Ah, Marin, você merece tanto isso depois de tudo o que você passou.

— Ah amiga. — a voz de Marina falhou e ela começou a chorar, porém, de alguma forma, em meio ao choro, Marina começou a dar risada — Sabe essa não era a forma como eu planejava fazer a minha primeira ligação com você, chorando feito uma desgraçada. Ah Ali, como eu gostaria de ter você por perto agora. A gente poderia estar indo para um bar beber agora.

— Você não está com Ashton agora? — Alissa perguntou erguendo uma sobrancelha.

— Não, ele teve que partir para uma tour.

— Ah. — a voz da menina saiu fraca. Se Ashton estava em tour significava que Calum também estava, e que droga, pensar nele era doloroso. Alissa tinha a impressão de que términos onde o casal terminava pacificamente às vezes conseguiam ser mais difíceis de superar do que um término furioso, porque ela não conseguia evitar pensar em como ele estava, se estava bem, se sentia falta dela.

A Fontes balançou sua cabeça, procurando afastar todos aqueles pensamentos nocivos de uma vez e então se ajeitou no chão, procurando ficar confortável.

— Então, me diga, o que você vai fazer esse último ano de faculdade?

Marina riu, desatando a falar, o que preencheu o coração de Alissa, lhe trazendo aquela antiga sensação de conforto.