Quando acordei, todos os problemas, as brigas, os relacionamentos que falharam... Aquelas eram coisas mundanas e potencialmente tolas. Eu estava livre. E com fome.

-Ah. Você acordou.

Ville sempre teve uma voz rouca, sexy, linda... Agora parecia ainda melhor. Não era só uma voz. Era A voz. Sorri para ele.

-Eu morri! – disse.

-Verdade. Está encrencada agora.

-Por quê?

-Vamos viver juntos pela eternidade.

-Desde quando isso seria uma encrenca? – sorri mais uma vez. Sorrisos fáceis e leves, despreocupados.

-Prepare-se para ter vários CDs do Franz destruídos.

-Acho que posso lidar com essa parte.

E joguei-me em cima dele, como nos velhos tempos. Não medi minhas forças ao abraçá-lo. Senti o seu cheiro bem de perto. A sua pele, tão leve, macia... Ele era perfeito para mim.

-Está me esmagando, Jessy.

Fiquei sem graça e levantei.

-Desculpa... Eu sei lá o que me deu!

-O de sempre. Só que agora nossas forças... Meio que... Quase se igualam.

Ele transformou-me. Iríamos viver juntos por toda eternidade e eu havia morrido como sempre quis. Claro que agora o Ben nunca mais voltaria a me ver. Acho que não me importei muito com isso.

-Por que fez isso, Ville?

-Eu não... Não podia te perder de jeito nenhum. Ainda mais agora que te encontrei.

Joguei-me nele outra vez e caímos.

-Eu trouxe uma coisa pra você beber.

-Gente?

-Jessica!

-O quê?

-Você não pode beber gente.

Confusão.

-Por quê? Você pode! Eu também tenho esse direito!

Ele gargalhou mais lindamente que o normal.

-Você não cansa de me surpreender.

Comecei a sentir um calor repentino. Não era desejo... Nada disso. Era só uma necessidade. Ele não podia me deixar. Eu precisava dele mais do que tudo. Mais que antes. Ele era todo meu. O abracei com mais força.

-Jessy... Eu não vou fugir, você não precisa fazer isso.

-Eu... Eu sei.

Soltei-o. Ele não precisava respirar mesmo... Mas sentir-se sufocado é sempre ruim.

Não levantamos. Eu fiquei por cima dele e disse algo muito importante para nós dois:

-Eu te amo. Estou com fome também. Mas eu te amo... Mais do que tudo.

-Como pode ter certeza?

Aquilo me ofendeu.

-Como pode duvidar de mim?

-Por que você acha que eu não queria te transformar, Jessy?

Não fazia a menor idéia. Nem me lembrei disso.

-Por quê?

-Porque, quando eu fui transformado, também estava apaixonado. Mas isso é apenas natural! Os humanos são fracos em relação aos vampiros. Assim como a influência do Vlad te afetava, a minha te afetava também. Você poderia nunca ter me amado de verdade, Jessy! Nunca, você entende isso?

-Entendo.

-Se você acordasse e deixasse de me amar, eu morreria. Mas...

-Mas o quê?

-Não posso mais ficar sem você.

Ele segurou minha mão e posicionou no lugar onde seu coração batia.

-O que você sente? – ele perguntou.

-O seu coração.

-Ele não deveria fazer isso. Bater.

Verdade. Ville estava supostamente morto.

Como eu estava com FOME!

-Ele bate por sua causa.

-Por minha causa? ... Por quê?

-Os monstros não são capazes de amar. Mas você Jessy... Você não me faz sentir como um monstro. Você me faz querer ser melhor. É por isso que ele bate. É por você.

Chorei. Eu te amo também!

-Estou morrendo de fome! – gritei.

Ele recomeçou a rir.

-Só você, Jessy. Vamos arrumar alguma coisa pra você beber então.

-Ou alguém!

Ele fez cara de desaprovação, mas sorriu para mim. Levantou e seguiu até a cozinha. Foi aí que reparei que estávamos num lugar estranho.

-Que lugar é esse? – perguntei.

-A casa de um amigo. Ele me emprestou. Tome.

Entregou-me uma caneca com sangue dentro.

-Melhor beber logo antes que coagule.

Não era de gente, isso eu sabia. Mas deu pro gasto.

O Ville era maravilhoso. Iríamos ficar juntos para sempre e sempre... E sempre! Então bebi logo aquele sangue. Só por curiosidade, encostei uma de minhas mãos no lugar onde fica o coração. Senti... Aquela mesma palpitação... Mesma batida. Tive mais certeza ainda: éramos feitos um para o outro.

-Ville... Quero que você me diga por que o Vlad queria te matar.

-Porque, eu não salvei a mulher dele dos nazistas. E eu tive essa oportunidade. Não quis.

-Por quê?

-Inveja.

-Ele estava certo então.

-Sim. Mas não importa. Agora acabou.

-Inveja de que?

-Do amor que ele tinha. E eu já vagava por aí há tanto tempo sem ninguém! Ele já era casado antes mesmo de morrer!

-Tem razão. – eu disse. – Não importa mais.

Sorrimos mutuamente e eu o abracei outra vez. Ainda estou com fome.

Nossas mentes voltaram a sua antiga sintonia.

-Eu te amo. – disse.

Ele se assustou ao ouvir aquilo. Sentiu meu coração também. Sorriu para mim com ternura e respondeu:

-Não sei como fui capaz de duvidar disso algum dia.

Ele se aproximou pronto para me beijar, mas o impedi. Havia algo a me incomodar.

-Ville...

-O que é, amor?

-Acho que ainda estou com fome.

Ele riu para mim e respondeu:

-Vou buscar alguma coisa pra você, espere aí.

Ele retornou com mais uma caneca e me beijou antes de entregá-la para mim.

Daquele dia em diante, nossas mortes seguiram conectadas até o fim de toda eternidade. E nossos corações não deixaram de bater um segundo se quer.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.