Tive um sonho fora do comum naquela noite. Me fez tremer e sentir muito frio a noite toda. Eu não conseguia me lembrar de tudo, apenas de pequenos trechos... Ville estava lá e Ben também. Havia muitas sombras e gritos... Depois disso, minha cabeça começa a doer e eu não consigo me lembrar de mais nada.

Ao acordar, entrei novamente em pânico quando vi que não havia Ville algum deitado comigo. Senti vontade de gritar e espernear como a criança mimada e suicida que eu era, mas fui procurá-lo pela casa. E o encontrei na sala de estar, deitado no chão.

-Bom dia, amor! – Ele disse-me alegremente.

-Bom dia...

Eu simplesmente pulei para cima dele jogando-me no chão. Isso o assustou um pouco.

-Ficou maluca, Jessy? Não pode sair se jogando nas pessoas desse jeito!

-Desculpa Ville... Desculpa... Eu só queria que você estivesse lá comigo... E eu pensei que você não estava mais aqui... E eu... Eu não...

Ele posicionou seu dedo indicador sobre meus lábios e me fez parar de falar imediatamente. Minhas bochechas coraram e ele sorriu. Eventualmente, fiquei paralisada graças a esse último detalhe.

-Eu já disse que vou estar aqui quando você acordar.

-Mas disse que estaria ao meu lado...

-Quando não tivesse sol.

-Eu posso comprar uma cortina!

-Isso seria conveniente.

Seus frios lábios tocaram minha testa e ele disse:

-Mas não fique se jogando nas pessoas. Você pode se machucar.

-Desculpa...

-Ta tudo bem. Você pode se jogar em mim, desde que não cause um ferimento sério em si mesma.

Abri um enorme sorriso e o beijei pela primeira vez. Foi emocionante demais e eu fiquei sem ar. Ele interrompeu o contato para dizer:

-Pode respirar que não dói, amor.

-A culpa é sua que me deixa sem ar!

-Mentira! Você que quer morrer me beijando. Por favor, não faça isso!

-Eu não quero nada!

E tivemos nossa primeira pequena discussãozinha boba. Ele começou a fazer cócegas em mim e rolamos rindo pelo chão da sala. Foi maravilhosamente alegre, mas ele parou logo. Disse que estava com sede.

-Eu pego água pra você...

-Mas não tenho sede de água. Eu preciso ir.

-De novo? Ah... Fica, vai! Só mais um pouquinho...

-Não dá. Você sabe que eu quero ficar aqui com você... Outro dia a gente pensa nisso.

-Awwwww, Ville...

Fiz carinha de cachorro sem dono e ele deu uma risadinha. Se levantou e estendeu a mão para mim. Segurei-me e levantei.

-A sua sala é escura, amor. Eu gosto disso.

-Acho que isso é ruim. Um pouquinho de sol nunca é ruim.

-É ruim para mim.

Fez-se silêncio. Ele me beijou mais uma vez e me abraçou também.

-Você sabe que eu quero ficar aqui com você.

-Então fica...

-Não posso. Coisas ruins podem acontecer.

-Que coisas ruins?

Ele selou meus lábios com o indicador novamente e disse:

-Não faça essas perguntas. Eu não vou responder.

Eu estava me preparando para choramingar quando ele beijou uma de minhas bochechas. Segurou minha cintura e seus lábios deslizaram até meu pescoço, beijando-o suave e delicadamente. Fiquei arrepiada até o final da espinha. Ao interromper o beijo, sua respiração deixou de ser calma por alguns segundos e ele ficou imóvel.

-Que houve? – Perguntei-lhe.

Nenhuma resposta.

Ele se afastou vagarosamente. Parecia ter ficado nervoso com alguma coisa.

-Seu cheiro é problema para mim. – Disse-me.

-Por quê? É ruim?

Ele sorriu e tentou se acamar, mas sua respiração inconstante não enganava ninguém. Ainda estava nervoso por algum motivo. Provavelmente o meu cheiro.

-Não. Muito pelo contrário... Ele me atrai de um jeito estranho. Aliás... Eu fico muito esquisito perto de você, amor.

Esquisito? Aquelas palavras começaram a pesar em minha consciência e fiquei a me perguntar se isso era algo ruim.

-E não, isso não é ruim.

-Ta. – Respondi ainda sem entender.

-É melhor que vá, antes de fazer alguma besteira.

Olhei para ele com olhar de cachorro sem dono e percebi a ironia.

-Agora é você que não pode fazer nenhuma besteira, não eu.

E ele sorriu. A força deste pequeno gesto quebrou minhas pequenas defesas e quase tropecei. Depois do momento de constrangimento, perguntei-lhe:

-Quando você vai voltar?

-Hoje à noite. Não se preocupe, ok?

Acenei positivamente e senti a onda de depressão se formar dentro de mim mais uma vez.

-Não demora não, ta...

Minha voz estava sumindo e a proximidade à cozinha criava em mim um forte impulso de correr até lá e me matar com uma faca. Ville percebeu meu desespero e com certa dificuldade se aproximou de mim. Beijou minha testa mais uma vez e sussurrou:

-Eu não vou demorar. E não esqueça que ainda tem meu casaco.

Piscou para mim e seguiu em direção à porta. Antes de sair, disse-me:

-Pense em mim.

-Eu vou.

Sorriu pela última vez e saiu.