Minha cabeça estava pesada. Os raios de sol penetravam pela janela e foi difícil me acostumar àquela visão num primeiro momento. Revirei-me e não senti a presença mais maravilhosa que dormira ao meu lado na noite anterior. Abraçou-me e disse que não deveria me preocupar com nada mais, pois ele estaria aqui comigo. Talvez se eu tivesse sido uma pessoa melhor, tido outras influências, enfim... Acho que teria desistido de morrer tão cedo.

Mas morrer para mim não era apenas uma conveniência... Era um desejo muito profundo e inexplicável. E não poderia ser uma morte qualquer: algo bem dramático, digno de cinema e por alguém que eu amasse. Morrer por ele. Eu morreria alegremente por Ville... Desde que ele sorrisse para mim até o último segundo da minha existência.

Só que ele não estava ali ao meu lado. Tudo não passou de um sonho. Ben estava pronto para ligar a qualquer momento e perguntar por que eu tinha que acordar sempre tão tarde. Era hora de acordar para a vida...

Levantei-me ainda sentindo a depressão e segui até o banheiro. Olhei meu reflexo descabelado e comecei a escovar os dentes. Quando terminei e olhei novamente para o reflexo, percebi algo que não tinha visto antes. Estava lá no meu ombro. A alça do vestido preto. O vestido da noite anterior.

Então não foi um sonho! Nada foi um sonho! Ele esteve comigo sim! Meu mundo desabou de repente. Ele fora embora e me deu falsas e idiotas esperanças de que se interessou por mim. Era um mentiroso! Um monstro! O sonho começou a parecer mais atrativo e menos doloroso.

Fui andando vagarosamente em direção a cozinha, sentindo as quentes lágrimas se formarem em meus olhos... Cada vez mais próximas de deslizarem por meu rosto. Como pude ser tão burra? Tão cega? O que aconteceu já era óbvio! Senti um grande alívio por não termos tido nenhum tipo de relação na noite passada. Uma dança e só. Me trouxe até em casa, dormiu ao meu lado e foi sem deixar vestígios. ÓTIMO. Tudo que eu mais queria. E isso me deixou bastante irritada.

As lágrimas caindo com facilidade e eu me sentindo mal. Sozinha mais uma vez.

-O que houve?

Era aquela voz... A voz da minha salvação. Da minha paz... As lágrimas cessaram.

-O que houve, amor? Teve um pesadelo?

Estava calmo e sentado numa cadeira perto da porta, onde havia sombra. Seus olhos pareciam preocupados e não se via mais sorriso algum.

-Pensei que tivesse ido embora.

Frios cinco segundos de reflexão se passaram até ele falar novamente:

-Venha até aqui.

Obedeci sem hesitar. Fui andando em sua direção e quando cheguei perto o bastante, ele me fez sentar em seu colo. Enxugou minhas lágrimas enquanto eu me encolhia em seus braços. Sorriu para mim e dessa vez não doeu, muito pelo contrário.

-Não faça mais isso comigo... Quero acordar com você ao meu lado.

-Quando o sol não estiver tão forte, juro que vou estar lá para quando você acordar. Desculpe pelo susto.

Seus lábios tocaram meu pescoço. Ele também parecia tenso.

-Você tem um cheiro tão...

Atiçou minha curiosidade saber que tipo de cheiro eu tinha... Será que era bom? Ele respondeu:

-Enfim... Eu preciso ir.

-NÃO!

Eu gritei sem nem ao menos parar para pensar. Não queria que ele fosse embora nunca... Perdê-lo teria o mesmo efeito que perder o coração. Se ele fosse embora agora, eu finalmente me mataria.

-Não precisa ficar assim. Eu vou voltar. Isso é uma promessa. Mas está cedo e eu... Tenho fome.

-Fique... Eu faço almoço pra você.

Ele deu uma risadinha incrivelmente contagiante... Cheia de sotaque do lugar de onde ele vinha. Americanos não riem de maneira tão bela.

-Acho que não posso almoçar o mesmo que você.

-Por quê? Ah Ville... Por favor... Fique! Não quero que você vá embora... Me sinto tão bem quando está aqui...

Outra risadinha vinda da parte dele.

-É a primeira vez que estou aqui. Mas entendo como se sente.

-Não entende nada! Ainda assim você quer ir embora!

Desta vez, seus lábios tocaram os meus. Nosso primeiro beijo de verdade! Sedutor e ao mesmo tempo sutil; tudo na medida certa. Sua língua explorava cada canto da minha boca e a cada segundo ficava ainda melhor. Repentinamente ele interrompeu nosso contato, deixando-me sem fôlego.

-Jessy... Eu tenho mesmo que ir.

Fiquei emocionada ao perceber que ele acabara de me chamar de Jessy. E logo me deprimi novamente, pois ele ainda queria ir embora. Tentei choramingar e argumentar contra, porém infelizmente ele foi mais rápido e selou meus lábios com seu dedo indicador.

-Eu juro que volto. Hoje à noite.

Concordei em silêncio enquanto ele se levantou e me fez permanecer sentada. Indignação percorreu meu corpo.

-Como posso saber se você vai mesmo voltar? HEIN?

-Que desconfiança! Eu já menti pra você alguma vez?

Segundos de silêncio até que eu fosse capaz de responder:

-Não, nunca.

-Então não há motivos para isso. Tome... Fique com meu casaco. É só olhar para ele que vai lembrar que estou voltando e não fará nenhuma besteira.

Mais indignação ainda percorreu meu corpo.

-Como assim nenhuma besteira?

-Tentar se matar por exemplo. Ainda lembro das conversas de ontem.

-HA! Não pode me impedir se não estiver aqui!

-Vou ficar muito decepcionado se tentar algo desse tipo. Não quero nada com alguém meio suicida.

A indignação foi embora, sendo substituída por uma onda enorme de tristeza. Agora eu estava pronta para morrer. Ele apenas riu lindamente e falou:

-Alguém meio suicida não tem graça... Mas alguém completamente suicida... Quem sabe?

E fiquei feliz mais uma vez. Ele me beijou novamente e antes de sair falou:

-Não faça nenhuma besteira!