Acordei meio atordoada depois. Que hora era aquela, que dia... Nem sei dizer. Lembrei de sonhos esquisitos que envolviam sangue e borboletas azuis. O que será que isso queria dizer? As borboletas me levavam até esse homem. Tão sombrio... Tão encantador. Eu sentia que já o conhecia, porém não dava. Eu simplesmente não conseguia lembrar-me de onde ele vinha. Parecia irritado, gritava algo como “Está vendo porque não era uma boa idéia?”. Não, eu não estava vendo! E quando acordei, só lembrei-me disso e das borboletas.

Aí me virei e vi sangue. Gritei. O que aquele sangue fazia na minha cama? Minha cama? Aquela cama era minha?

-Fique tranqüila, ninguém se feriu seriamente.

Mas não parecia. O quarto estava todo destruído, a cama ensangüentada... Mas esse cara... Esse cara loiro, alto de olhos azuis estava parado lindamente e sorria para mim. Que jeito ótimo de acordar! Com um homem desses sorrindo!

-É mesmo, é? – repliquei.

-É sim. – ele disse, ainda sorrindo. – Isso tudo foi apenas obra de uma pessoa irritada.

Que irritação mais estranha! Mas e daí? Esse homem não podia parar de sorrir para mim de jeito nenhum – era isso que importava!

-Qual é o seu nome? – perguntou-me.

Não consegui responder. Qual era o meu nome mesmo? O que eu estava fazendo ali? Vim sozinha? Difícil... Eu sei que sou anti-social e que não amo muita gente, só que... Parecia errado estar ali sozinha.

A dor de cabeça começou a vir, junto com partes da minha memória. Eu realmente tinha vindo com alguém. Mas quem?

-Ah... Você está apenas confusa. Às vezes isso acontece. – disse-me ele, parecendo compreensivo.

-Jura? Não me lembro de muita coisa...

-Não se preocupe! É por isso que estou aqui. Para te ajudar.

-Mas você não sabe o meu nome! – não que isso importasse muito...

-Você também não.

Como era espertinho esse loiro. E fofo. E lindo. E mau.

-Vou ser sincera. – eu disse – Acho que tem algo de errado com você. Eu vim até aqui com alguém e esse alguém não era você! Ser sua acompanhante não deve ser ruim... Mas... Mas...

-Não se preocupe, eu já lhe disse. Venha comigo. Posso te ajudar a lembrar de qualquer coisa. Posso acabar com a sua confusão. É só acreditar.

Existia algo de mal nele. Mas que escolha eu tinha? Além de estar sendo enfeitiçada por sua beleza, eu sentia uma dor de cabeça terrível desde o ultimo flash de memória. E dor no pescoço também. Então tive que concordar.

-Mas eu preciso saber de uma coisa primeiro. – eu lhe disse.

-O que você quiser.

-Qual é o seu nome?

-O meu nome? – ele falou, sorrindo outra vez – Pode me chamar de Vlad.

****

Vlad conhecia bem aquelas ruas. Ele se movia pelas sombras da noite sem fazer nenhum ruído. Já eu, cansada, com dores de cabeça e flashes repentinos de memória, atrapalhava sua dança sinuosa entre as ruas. Senti-me engraçada; ele tinha certo poder de influência sobre mim que eu não conseguia entender. Era só uma atração descontrolada. Enquanto eu delirava, ele me arrastava rapidamente até o desconhecido. Sorria como sempre. Ainda bem que era paciente comigo, pois quase caí diversas vezes e o frio me fazia sentir ainda pior.

-Seja bem vinda à minha casa. – disse-me.

Vir-me-ei e, de fato, havia uma mansão ao meu lado. Nem reparei em como chegamos ali.

-A gente vai entrar aí? – perguntei.

-Sim.

-E depois?

-Depois vamos esperar a sua memória voltar.

Não fiz mais perguntas e, mesmo que quisesse não seria possível, já que ele voltou a me puxar. E entramos. Ele era rápido demais para que eu pudesse ver os maiores detalhes, tudo não passava de um grande borrão colorido. Ao diminuir a velocidade vi, em sua maioria, obras de arte góticas e muitos vitrais. Pelas janelas observei a neve cair e a melancolia tomou conta de mim. Sozinha com um estranho do mal e sedutor, esperando minha memória voltar.

Flash.

Aquela era a Rússia. Lembrei-me.

Senti um cheiro esquisito. Não estava no ar, estava em minha mente. Também havia algo errado com a mansão. Não estava em minha mente, estava em meu corpo. As paredes cheiravam a algo familiar. Não. Não estava em meu corpo. Estava em minha alma.

-Alguém já morreu aqui. – falei.

-De fato. Isso lhe incomoda?

-Um pouco. – disse-lhe. O morrer em si não era ruim. Pessoas já morreram em todos os lugares, nós é que não sabemos disso. – Mas... Quem morreu aqui? – com certeza, não era um ser humano ordinário. E era louco estar pensando que havia seres humanos não ordinários.

-Não. Ela não era comum.

-Quem era?

-Uma feiticeira.

-E como ela morreu?

Ele poderia ter mentido para mim.

-Eu a matei.

Acho que eu já sabia desde o início.

-Por quê?

-Eu precisava do sangue dela. Para ser mais forte.

-Você mata feiticeiras para ser mais forte.

-De fato. Existe uma razão para que eu faça coisas assim.

Tudo bem. Melhor não cruzar essa linha. Pelo menos não agora.

Flash.

-Meu nome é Jessica.

-Bom saber.

-Quando a minha memória voltará? – perguntei repentinamente.

-Logo.

As horas passavam e passavam. Alguns flashes vinham e dor de cabeça aumentava. Só que nada ficava mais claro. A mansão me intimidava, culpa do sangue da feiticeira.

Vazio.

Que vazio na mente! Será que ela sempre foi assim?