Em meus sonhos, Ville reclamou pelo fato de eu ter descoberto como bloqueá-lo. Ele não aceitou isso muito bem. Nem eu. Então expliquei como aconteceu e ele pareceu se acalmar. Depois disso, o fiz prometer que ele me contaria toda a história no dia seguinte, independentemente da hora. Porém, quando acordei, ele já não estava mais lá. Que raiva senti. Que raiva!

Enfim era sexta feira. Fui no Volks para a lojinha e lá fiquei até o horário do almoço. Depois zanzei pelas ruas e nenhum sinal do meu vampiro. O que ele estava aprontando agora? Eu não resistiria mais viver sem ele. Nem com a Tia Sara ele estava... Tentei me acalmar (em vão) e voltei para a lojinha. Ele não podia me deixar.

Para o meu alívio e deleite, ele estava em meu quarto quando voltei. Gritei seu nome e pulei em cima dele, como de costume. O beijei apaixonadamente e disse que ele deveria me esclarecer coisas. Ele nada disse em resposta; eu já estava começando a ficar nervosa, pois ele não parecia feliz.

-Jessy... – disse-me ele com uma voz um tanto melancólica – Preciso voltar.

-Não precisa não. – respondi.

-Meu amor... Eu preciso voltar. Estou em perigo aqui. E você também estará se estiver ao meu lado.

Ah, NÃO! Ele não ia começar com isso de me deixar outra vez, ia?

-Jessy... Por favor, tente compreender! Isso é perigoso!

-Perigoso é você não me contar agora mesmo o que está acontecendo!

Ele não sorria. Ele não me apunhalava com sentimentos de ira. Era pior: estava triste. A imagem de Ville quando estava triste assemelhava-se a um anjo chorando.

Sentou-se em minha cama e mirou o infinito por alguns segundos. Depois, com uma expressão cheia de mágoa, enviou-me uma mensagem mental que dizia que ele precisava se concentrar. Esperei pacientemente e a me auto-flagelar por saber que a culpa daquela tristeza era minha.

Foi aí que uma imagem apareceu em cabeça. Era um homem alto e louro, muito louro. Seus olhos eram de um mel intenso e vestia roupas que pareciam ser caras. Sem mencionar que sua figura majestosa era de uma beleza irrevogável. Apenas Ville passaria aquilo.

-Quem é ele? – perguntei um pouco agitada.

-Vladimir Mikhail Nicolai.

-AH! Então esse é o Vlad!

Deus, como ele era lindo!

A tristeza de Ville foi substituída por indignação.

-Ah, agora virou Vlad, é?

Não pude evitar rir de sua reação.

-Não gostei disso. Ainda mais porque ele é um inimigo, Jess!

Deus, como aquele outro anjo poderia ser um inimigo?

-Ele não é um ajo, é um vampiro nojento assim como eu! Não existe lugar para nós no coração de Deus, portanto pare de mencionar o Seu nome!

Silêncio. Não soube o que dizer... Então perguntei:

-Qual é o problema do Vlad, Ville? Por que ele é perigoso?

-Ele quer me matar.

-Por quê?

-Porque coisas ruins aconteceram no passado.

-Por quê?

-Porque eu traí sua confiança e paguei caro por isso, mas aparentemente nada foi o suficiente para ele.

Irritei-me. Além de reconhecer a semelhança que eu tinha com uma criança curiosa de 5 anos de idade.

-Quer fazer o favor de ser mais específico?

-Eu estive lá, Jessy. Na Segunda Guerra Mundial. Foi quando nos encontramos pela primeira vez.

Às vezes eu me esquecia o quanto Ville era velho. Segunda Guerra Mundial? Como assim?

-Estive lá na Finlândia, Jessy. E na Alemanha. Eu vi Hitler mutilar corpos de judeus; cheguei até a falar com o Führer. Era um homem doentio, porém inteligente em demasia e dono das palavras. Você simplesmente acreditava no que ele lhe dizia. Ou pelo menos quase tudo.

Hitler em pessoa?

-Mas enfim... Vlad não era alemão. Ele era um comunista que conheci na batalha da Linha de Mannerheim. Por acaso já ouviu falar?

Pesquisei no fundo de minha memória e nada da tal linha se revelar.

-Não importa. – ele disse – A Linha era desprovida de meios de batalha e mesmo assim foi um empecilho àqueles soviéticos que tentaram tomar a Finlândia. Eu não estava lá para batalhar. Eu estava lá, para encontrar a mim mesmo; saber se meu o lugar era realmente em campos de batalha.

“Obviamente não era, pois após esse confronto, nunca mais voltei a chegar perto de um combate aberto. Os corpos eram mutilados e sua carne ficava exposta de maneira nojenta... A putrefação em meio ao gelo e... Era terrível. O pior era minha sede ao ver tudo aquilo e a sentir o aroma do sangue.

“Certo dia, não lutei. Eu simplesmente andei em meio à batalha, escapando com facilidade das bombas e das armas dos soviéticos. Após várias horas de confronto, eles começaram a se retirar e eu os segui. Alguns soldados iam ficando para trás, pois já era tarde demais para que seus ferimentos fossem curados. Vladimir era um deles. E em seus olhos eu vi a decepção e a desgraça da derrota. Vi que ele não queria desistir de viver. Vi que ele não queria abandonar sua pátria.

“Então eu o transformei. E ele se tornou o que é hoje. No início foi apenas para satisfazer minha solidão. No entanto, com o tempo eu conheci outros vampiros e deixei Vladimir para trás. Ele me odiou durante anos. E para completar, matei a companheira dele. A única mulher que já amou em sua existência.”

Choque.

-Satisfeita comigo agora? – perguntou-me impaciente.

-Bastante. Eu só não sabia que você esteve num campo de batalha, Ville! Me conta mais sobre isso!

-Jess! Você percebe o quanto é perturbada? Eu acabei de confessar vários crimes terríveis e você só...

Ele se interrompeu e começou a rir mais descontraidamente.

-Você não se cansa de me surpreender, não é?

-De maneira nenhuma!

E o beijei. Não me importava com as coisas horríveis que ele havia feito no passado. Desde que estivesse comigo, me impedindo de cometer suicídio e ao mesmo tempo me matando com seu sorriso, já estava tudo ótimo!

Ele riu ao ouvir meus pensamentos e começou a pensar alto por si mesmo. Talvez ele tenha feito de propósito, mas não me bloqueou dessa vez.

Talvez, com ela seja diferente. Talvez com ela não aconteça o mesmo que aconteceu à mim. Mas como posso saber...?

Nada perguntei. Eu sabia que ele não iria me contar.

-Enfim... – concluiu ele – Eu tenho de voltar à Moscou para destruí-lo. Mas devo passar pela Inglaterra primeiro e matar um feiticeira que está ao lado dele. Nada disso vai ser bonito, Jess. E se não o fizer, serei eu a “morrer”.

-Eu vou com você assim mesmo. Eu não ligo.

-Jessy... Você está perdendo a pouca noção de perigo que tem! Não posso te levar. Eu nunca iria me perdoar se algo lhe acontecesse.

-Mas...

-Sem “mas”! Não! E por favor, não me implore isso, Jessy! Pense em meu sofrimento ao menos uma vez...

-Ville... Você me prometeu que algum dia iríamos até lá.

-Eu sei, mas...

-Então! Eu não vou te atrapalhar... Eu... Por favor! Se não ficarei aqui... e indefesa!

-Não estará indefesa! Mogli irá te ajudar com certeza. Ele sempre está por perto. – disse ele com certo escárnio.

-Mogli?

-É. O menino lobo.

Como ri daquela piada idiota. Ben transformara-se em Mogli, o menino lobo!

Após minutos de risada, continuei:

-Mas ele não serve para me defender! Ele não serve para nada! Ville... Eu preciso de você! Somente você!

-Jess... Por favor... Não faça isso... Não faça...

Mas já estava feito. Eu já havia convencido a ele de que eu teria de ir junto.

****

Dois dias se passaram desde a conversa sobre viagens.

Nosso primeiro problema foi enfrentar logo ele: Ben – ou Mogli – veio a descobrir que estávamos de partida e resolveu checar. Ele apareceu perto das 18 horas enquanto ainda não estava escuro. E para nosso infortúnio, aquela era uma noite de lua cheia.