Já eram quase nove horas e chovia bastante. Estávamos deitados no sofá assistindo a um filme. Tentei me levantar para ir ao banheiro, mas Ville me segurou pela cintura e resmungou:

-Onde pensa que vai?

-Pensei que estivesse dormindo. – Eu disse-lhe.

-Mas não estou. Aonde você vai?

-Banheiro.

Ele me soltou com relutância e segui em direção ao banheiro. Não pude deixar de reparar em minha sorte: Ville e eu éramos loucamente apaixonados um pelo outro e tudo isso começara num bar medíocre durante uma dança boba. O amor era realmente uma coisa muito estranha...

Fiz minhas necessidades, lavei as mãos e antes de retornar ao conforto do sofá, lembrei-me do CD em meu quarto. Agora ele não poderia me impedir! Eu sempre soube que eu era a mais esperta! Andei vagarosamente, procurando não causar nenhum ruído, até meu quarto. Mas e se ele entrasse em minha mente outra vez? Melhor não pensar nisso.

E lá estava a capa reluzente de plástico onde a mulher gritava Franz Ferdinand em letras amarelas.

-É agora que eu pego! – Sussurrei.

Segurei a capa de plástico sentindo o doce gostinho da vitória. Abri para ter certeza de que o CD estava em perfeito estado, mas me decepcionei. Minha boca ficou seca. Senti uma raiva incomum da esperteza do meu namorado. Não havia nada dentro da capa, apenas o encarte.

-Procurando por isso?

Virei-me de costas e lá estava ele, mais lindo que nunca, segurando o CD e uma faca.

-Quer fazer o favor de me dar isso?

-Você é muito teimosa. Eu avisei que não pode competir comigo.

-Quer fazer o favor de me dar isso? – Repeti a pergunta.

-Você ainda quer essa droga? Não vou te dar!

Joguei a capa no chão e olhei fundo naqueles olhos esmeralda inabaláveis. Ele estava se divertindo mais que nunca.

-Ville... Por favor, me entregue isso!

Ele arranhou o CD com a faca e sorriu. Aquele sorriso foi tão forte que me fez sentir como o CD sendo arranhado; um corte profundo.

-Não faça isso!

E o arranhou outra vez, ainda sorrindo. Desta vez foi pior que antes. Arranhou minha garganta e eu não consegui dizer mais nada.

-Desiste? – Perguntou-me.

Consegui sussurrar “nunca” com muito esforço, o que o fez quebrar o CD ao meio com as mãos e a largar a faca no chão. Senti uma dor excrucitante ao vê-lo sorrir. Tentei gritar, mas só consegui pronunciar um pequeno suspiro. Caí de joelhos. Que homem cruel!

Ele começou a se aproximar e se ajoelhou em frente a mim. Os olhos esmeralda encarando minha reação; tudo isso o divertia em demasia.

-Você desiste agora, amor?

Procurei a voz para dizer-lhe qualquer coisa que fosse, mas não havia nenhuma. Ele segurou minhas mãos e suspirou. Depois falou:

-Então posso tomar isso como um “sim”?

Nada. Não consegui dizer nada. Não consegui nem ao menos me mover. Eu estava com uma enorme vontade de chorar, mesmo não havendo motivo algum para isso.

-Ótimo. – Ele disse – Melhor assim.

Ele me ajudou a levantar e me beijou.

-Ficou tão quietinha de repente...

Eu o abracei. Era tão mau comigo e mesmo assim eu o queria a meu lado. Queria mais que tudo... Mais que qualquer CD idiota.

-Eu te amo. Tive de fazer isso... Mas veja pelo lado bom: você ainda tem a internet. Não posso tirar isso de você.

E me beijou outra vez. Comecei a me sentir diferente. Recuperei parte de meus sentidos e de minha voz. Eu não queria soltá-lo...

-Eu te amo também... – Sussurrei.

Ele deu uma risadinha e delicadamente me deitou na cama. Ficou a me observar por alguns minutos. E então disse:

-Você fica definitivamente muito sexy quando está assim.

-Assim como?

Eu ainda estava sussurrando. Falar era um pouco difícil.

-Assim tão... Tão... Frágil.

-Frágil?

Ele disse sim. Acho que eu estava entendendo a essência dessa conversa.

-Onde quer chegar? – Perguntei.

-Você sabe, amor. Eu quero você... Você me quer... Está deitadinha aí me esperando...

-Você quer dizer... Sexo?

-Precisamente.

Eu sorri. Que tarada! Depois de toda essa encenação e de toda a dor que eu senti, estávamos enfim a falar sobre sexo. Eu já havia pensado nessa probabilidade apenas uma vez, porém agora que ele estava mencionando...

-Acho que ainda é muito cedo pra isso. – Ele disse.

-Por quê? – Perguntei-lhe.

-Muitas razões... Só que é difícil resistir.

-Me dá uma razão.

É... Eu estava sendo a maior oferecida... Manchando a minha imagem... Só que não podia negar o quanto eu o queria. E ele me queria também! O que havia de mal em fazer isso só uma vez, hein?

-Não me sinto muito bem depois de fazer isso.

-Quê?

Ele poderia ter me dado todas as razões do mundo, menos aquela.

-Você não entenderia!

-Não entenderia?

-Não! Porque nós dois somos... Muito diferentes. Se nós fizermos isso agora, um desastre enorme acontecerá!

-Vai ser tão ruim assim?

-Não é isso Jessy... Procure entender!

-Mas eu não consigo, Ville! Você sempre some de manhã e é o cara misterioso! Eu só quero entender tudo isso!

Ele começou a andar círculos pelo quarto. Eu que já não entendia muita coisa, fiquei ainda mais confusa. Qual era o problema? O que iria acontecer com ele?

-Quer saber de uma coisa? – Ele perguntou.

Estava parado agora, com o olhar malicioso e um sorriso malvado estampado no rosto. Aquilo me assustou um pouco.

-Que se dane!