A lojinha do meu pai era um ótimo lugar. Os artigos antigos eram bem antigos e estranhos; ótimos para me distrair e esquecer essa história de Ville Valo. Se bem que era difícil esquecê-lo depois da declaração que ele fizera...

-AI!

Quase tropecei no degrau da entrada apenas por lembrar-me desse fato.

-Maldição!

Ouvi o tilintar do sininho quando abri a porta da entrada. Ela era feita de vidro e possuía um adesivo rosa neon escrito: LOJA DE ANTIGÜIDADES. Eu acreditava que a lojinha de meu pai era a loja mais extravagante do centro da cidade: letreiros enormes em amarelo, laranja, vermelho e rosa. Sem falar nas placas e enfeites que ficavam na parte de fora da loja. Era assustador...

Até esse momento estava tudo bem, mas dei de cara com cerâmica vinda da Finlândia e voltei a pensar nele. Pensei que tudo melhoraria na seção Greco-Romana, porém quando vi o deus Hades sentado em um de seus tronos da morte, lembrei-me do sonho da noite anterior.

Eu estava me desesperando... Tudo me lembrava dele. Isso já estava me cansando!

-Já sei! Se eu me matar agora, vou parar de pensar nisso! E vou realizar meu sonho de morrer primeiro que o meu amor! SIMPLES!

Procurei objetos pontudos na seção egípcia e encontrei um punhal perto de uma estátua de Hórus.

-É aqui que tudo vai acabar... – Disse a mim mesma.

Segurei aquilo com as duas mãos, mas antes que eu pudesse fazer qualquer movimento, o sino tocou. Praguejei baixinho e recoloquei o punhal no lugar. Fui correndo atender o cliente.

-Em que posso ajudá-lo, senhor?

Era um cara de 50 e poucos anos, cabelos grisalhos. Usava um terno azul-acinzentado, da cor da bolha dos meus sonhos. Sorria para mim como uma criança. Devia estar animado.

-Estou procurando um punhal, - Ele falou-me com sua voz rouca – para adicionar à minha coleção.

NÃO! Ele não iria roubar a minha passagem desta vida para a próxima!

-Não sei se ainda temos algum disponível, senhor...

-Então vamos dar uma olhada. Que tal?

Maldito cliente feliz. Rondamos a loja toda e encontramos alguns punhais que o interessaram. Nessa lista estava incluído, CLARO, o meu punhal egípcio.

-Mas... Este aqui não está disponível, senhor...

-Ora bolas, mas por quê?

Pense rápido Jess... Pense rápido...

-Ahn... Porque... Porque já está... Reservado pra alguém... É isso aí.

-Eu pago o dobro do preço então. Não é possível encontrar uma raridade dessas nem em museus!

Quase xinguei o homem de todos os palavrões existentes na face da terra, entretanto negócios são negócios. Ele estava levando todos os meus punhais, ou seja, gastando MUITA grana na lojinha. E eu estava com menos uma chance de morrer.

Maldito, maldito, MALDITO!

-Volte sempre! – Eu disse-lhe com o sorriso mais deslavado do mundo.

Ele nem ligou para esse detalhe e respondeu:

-Vou voltar sim! Esse lugar é ótimo!

Enfim: fiquei a ver navios e a pensar fervorosamente em meu reencontro com Ville... Como eu sentia saudades daquele sorriso assassino e maravilhoso... Só de olhar para ele, o mundo parecia mais bonito. Ouvir aquela voz...

Eu precisava me distrair. Esquecê-lo. Isso estava me afetando demais. Tinha que haver uma forma de dizer para ele o Ben me dissera: “Nosso relacionamento não vai nos levar a lugar algum”. Se é que existe uma forma de se fazer isso...

Sentei-me atrás do caixa e liguei um daqueles rádios horrendamente velhos. Ouvi o locutor dizer:

-E agora mais um grande sucesso em todo o país: Franz Ferdinand com “Do You Want To”!

-Merda. Odeio esses caras!

Sucesso em todo o país... Que mentira! Tentei mudar de estação, só que nada mais pegava. Voltei a ouvir o Franz Chatice. Só a primeira frase da música mostrava o quão podres eles eram.

“When I woke up tonight I said: I’m gonna make somebody love me.

I’m gonna make somebody love me

And now I know, now I know…

I know that it’s you!

You lucky, lucky,

You’re so lucky!”

-Que convencidos! – Gritei para o nada.

Continuei a prestar atenção na letra. Nunca vi uma banda tão ruim antes. Não diziam nada que preste na letra e ainda eram um “sucesso em todo o país”. Por favor, né!

Quando a música terminou, me senti em paz e a vontade de me matar havia passado. Descontei toda minha ira na música ruim e o mais importante: durante quase quatro minutos, fiquei sem pensar no Ville!!!!

Isso era importante; chegava a ser um marco. A banda era tão, mas tão ruim que eu me esquecera de Ville só para criticá-la! Amém! Só que a música terminara e isso significava que ele dominava meus pensamentos de novo.

E agora o que fazer para esquecê-lo? Havia uma loja de CDs não muito longe dali. E se eu procurasse alguma coisa do Franz Ferdilixo para comprar? Não seria uma má idéia... Mas teria de esperar até o horário do almoço. Até lá, Ville continuaria soberano sobre toda minha mente.

Pense em mim. – Ele disse.

-Ainda estou pensando. Isso é péssimo!

Por alguns minutos não esteve. Me sinto rejeitado.

-Não diga isso! Eu só estava ouvindo música ruim!

Sei...

-Ville... Eu juro! A música era tão terrível que me esqueci completamente do resto da vida!

Já que é assim, melhor eu nem passar por aí hoje à tarde. Não vai sentir minha falta.

-É claro que eu vou! – Protestei – Você PRECISA vir até aqui!

Vai estar muito ocupada ouvindo música ruim e não vai ligar para minha presença. Eu sei que pretende comprar o CD da bandinha boba. Você pensa muito alto.

-Por que você pode saber o que eu penso e eu não sei sobre você?

Porque você pensa alto, já disse. É como se estivesse gritando tudo para mim. Não há dificuldades em te ouvir.

-Você está invadindo minha privacidade!

Eu sei. Isso é muito mais divertido do que parece.

-Ville Valo, pare imediatamente com isso!

Então pare de tentar me esquecer.

-Você me incomoda, sabia?

Sabia. Já disse isso um milhão de vezes e está tentando me dar um fora. Eu sei das coisas. Não sou idiota.

-Você é tão fofoqueiro! Saia já da minha cabeça!

Não posso.

Isso já era demais.

-Por que não?

Porque ainda está pensando em mim.

-Então você entra na minha mente quando eu penso em você? Que absurdo! Você está aqui o tempo inteiro!

E isso me deixa animado. Qual é o problema em pensar em mim o tempo todo? Eu penso em você e não estou reclamando! Tem tanto medo de mim assim?

-Não é que eu tenha medo de você...

Pude senti-lo ficar aborrecido. Foi horrível... Partiu meu coração em mil pedaços.

-Mas tenho medo de te perder... De me machucar por sua causa... Vou acabar me matando mesmo se isso acontecer.

Você vai acabar se matando de qualquer forma...

-Não fala isso!

Ta bem... Eu te perdôo dessa vez.

Os pedacinhos do meu coração se juntaram e me senti bem outra vez.

Mas como sou seu namorado, a proíbo de escutar aquela banda.

-Meu namorado?

Eu não sou não? Bom saber!

-Não é isso! É claro que você é MEU namorado! Óbvio e evidente...

Enfim... Não quero vê-la ouvindo aquilo. Bloqueia a minha presença. Eu não gosto disso.

-Não pode me obrigar!

Mas posso te impedir.

O relógio tocou, anunciando meu horário de almoço.

-Vamos ver se pode!

Não vai querer competir comigo depois dessa.

Corri até o Mc Donald’s para lanchar e depois fui direto para a loja de CDs. Conversei com o vendedor e ele falou que todos os álbuns do Franz Ferdinand foram vendidos. Até aí tudo bem. Fui à outra loja, nem tão longe assim, para procurar. Chegando lá ouvi a mesma história, só que desta vez a informação foi mais precisa: um tal de Ville Valo tinha acabado de levar o último CD disponível.

Ou ele me amava demais, ou estava querendo me matar. Só podia ser isso.