Vampire

Os Desejos e As Angústias de Choi Seungcheol


Suco de uva. Melancia. Torta de maçã. Red Velvet. Waffles com cobertura de morango. Açaí. Donuts de cereja...

— Seungcheol!

— O que foi?

— Você tá encarando de novo.

— Ah.

Seungcheol suspirou. Faziam pouco mais de duas semanas desde que ele e Hansol haviam voltado para Seul depois de quase meio século sem pisar na cidade, mas o Choi ainda se sentia meio perdido. Tudo estava tão diferente; Os lugares, os humanos, os cheiros, a música. Da última vez que esteve na capital, tudo era tão tradicional e simples, mas agora, tão pouco tempo depois, as cores e o barulho da noite o incomodavam, ele não esperava por aquilo.

— Se você quer tanto falar com ele, devia ir logo.

Eles já tinham até voltado à escola. Sua identidade registrava Choi Seungcheol, dezesseis anos, nascido em oito de agosto de dois mil e dois, claro. Repetente, porque Seungcheol não podia fazer nada à respeito de aparentar ter dezessete anos, já que havia sido mordido nessa idade. Sorte tinha Hansol, que fora transformado aos dezenove, mas tinha cara de quinze.

— E você acha que eu não sei? Eu não entendo o que aquele menino tem, Vernon, mas ele me deixa louco só de sentir o cheiro do outro lado do cômodo, como você quer que eu fale com ele? Eu vou enlouquecer antes dele chegar perto o suficiente!

Seungcheol detestava esse lado de ser um vampiro. Ele simplesmente não conseguia se controlar perto de alguns tipos de sangue, alguns tipos de humano. Hansol dizia que ele tinha uma queda imensa por sangues doces – porque aparentemente todas as pessoas que descontrolavam Seungcheol tinham muita glicose nas veias –, mas o Choi sabia que era mais que isso. Não era só o que corria nas veias que descontrolava Seungcheol – O humano em si, num todo, deixava-o bastante incomodado. Arriscava dizer que sentia curiosidade de descobrir o motivo daquilo tudo, mas depois de todas as brincadeiras de Hansol, Seungcheol sempre acabava tentando afastar essa curiosidade.

— Hoje você está com sorte, hyung! Eu estive fazendo alguns testes com o Jihoon-hyung e tive uma epifania!

Lee Chan era um dos garotos que Seungcheol e Hansol conheciam a bastante tempo. Eles só tinham uns cem anos de diferença, mas Chan conseguia aparentar ser bem mais novo, tanto física quanto psicologicamente. Em sua identidade dizia que ele tinha quatorze anos e seus registros escolares relatavam superdotação e que ele havia pulado dois anos na escola. Mas na verdade Lee Chan era apenas um pequeno mago – bem pequeno – incrivelmente bom em feitiços de memória e manipulação de ideias. O único problema era que desde sempre ele foi péssimo com poções.

— Ah, então foi por isso que o Woozi faltou a escola hoje, agora tudo faz sentido. Você envenenou ele, não foi, Dino?

Seokmin era o primo distante de Chan que vivia grudado com Soonyoung, outro primo distante deles (pois é, magos são assim, piores que vampiros quando se trata de família). Ele era o mais velho entre todos, mas conseguia soar mais infantil que Chan, na maioria das vezes.

— Dokyeom, deixa o Chan. O dever de zoar ele é meu, você tem que limpar quando ele explode animaizinhos no porão.

Kim Mingyu era o único lobisomem entre eles. Isso porque lobisomens normalmente vivem em suas alcateias afastadas da civilização, como monges cabeludos que adoram gritar com a lua. Mas Mingyu era o que você pode chamar de lobo solitário, ele tinha ido contra as tradições de sua tribo e decidiu estudar na cidade só pra poder ficar perto de Lee Chan – por mais que ele sempre negasse essa última parte.

— Eu não explodo animaizinhos no porão!

— Ah, é no sótão, então?

— Oi gente, do que vocês estão falando?

Claro que não podia faltar o humano que não sabia de nada para completar o pacote do Ensino Médio, certo? Jeon Wonwoo ocupava esse cargo. Ele era meio lesado, mas só porque Jihoon já tinha forçado Chan a apagar sua memória algumas várias vezes, sempre que o pobrezinho acabava descobrindo algo sobre alguma das identidades dos amigos. Tirando esse fato, ele era apenas um bobo apaixonado por Hong Jisoo, um outro primo distante de Chan e Seokmin que estava fazendo “intercâmbio” na Transilvânia.

— Eles estavam discutindo se o Dino explode animaizinhos no porão ou no sótão de casa.– Hansol era bem direto, parecia não ter dó da mente maltratada de Wonwoo. Bem, o que esperar de um vampiro, certo?

Wonwoo apenas expressou sua careta habitual de quando os amigos falavam sobre coisas estranhas demais para seu cérebro aguentar e Seungcheol riu do quão “lugar-comum” Seul estava se tornando novamente, apesar das reclamações anteriores. Era bom voltar para sua cidade natal, apesar de tudo.

— Enfim, bebe isso.– Chan, do nada, ofereceu uma caixinha de leite de morango ao Choi, que o olhou confuso.– Vai acalmar a sua fome.

— Você não tomou café da manhã hoje, Coups?– Wonwoo o lançou um olhar preocupado.– Você devia se cuidar, coma algo com proteínas, vai te fazer bem.

Mal sabia ele que as proteínas que Seungcheol precisava eram bem mais complicadas de se obter, já que seu coração não as bombeava pelo corpo como deveria.

— Calma, você deu leite pro Woozi?– Seokmin quase riu, mas sua expressão estava preocupada.– Ele tem intolerância à lactose, seu louco!

— Como você sabe?

— Porque o Soonyoung tem isso escrito no diário dele, óbvio! Como você não sabe?

— Porque eu não saio lendo o diário dos outros, seu ridículo!

Seungcheol gostava de observar os dois amigos discutindo, eles pareciam irmãos de verdade, e ouvi-los acabava distraindo o Choi de sua miséria chamada Yoon Jeonghan, o garoto do primeiro A que tinha o cheiro ridiculamente maravilhoso e despertava os instintos mais primitivos de Seungcheol – tipo, literalmente – toda vez que estava por perto.

— Mas como eu ia saber o que acontece com ele se eu não lesse o diário, seu anãozinho de jardim do Harry Potter!

Foi quase engraçado a reação em cadeia que aquela última frase de Seokmin acarretou. Chan era muito, repito, muito sensível quanto à sua altura, ele já tinha falhado várias vezes testando feitiços para ficar mais alto, algumas vezes até conseguiu diminuir ainda mais, o que o deixava ainda mais sensível. Ao ouvir as palavras do primo, seus lábios se abriram, prontos para gritar uma resposta à altura, mas aí ele parou, olhou fixamente para Seokmin – que à esse ponto já havia percebido que tinha ferrado tudo e se apressava em pedir mil desculpas –, se levantou e saiu correndo da quadra de esportes, que era onde eles todos estavam conversando. Claro que, antes de desaparecer de vista, ele apontou o dedo médio para Seokmin, que ganhou um nariz de cenoura – um dos truques preferidos de quando Chan ficava com raiva. Assim que ele bateu a porta, Mingyu saiu correndo atrás enquanto Seokmin gritava maldições à família de Chan e se arrependia logo em seguida, lembrando que fazia parte do pacote.

— Bem, acho melhor eu ir indo pra sala, não posso me atrasar para a aula de física.

Os olhos de Wonwoo estavam perdidos em algum lugar entre o rosto alaranjado de Seokmin e o cosmos. Ele saiu andando meio cambaleante e Seungcheol suspirou enquanto o observava se afastar.

— Chan devia fazer alguma coisa com ele – comentou, a voz preocupada.– Esse cérebro não vai durar muito se continuar assim.

— Na verdade, fiquei sabendo que as notas dele tem melhorado bastante desde que começou a andar com a gente.

— Woozi!– Hansol exclamou, a mão no coração que nem batia mais.– Quando, como, o que? Você não tava doente?

Hansol sempre se assustava quando Jihoon aparecia do nada de mansinho. Só que ele sempre fazia isso, Seungcheol já nem se admirava mais, era raro o Lee se pronunciar quando chegava.

— Eu já disse pra não usar meu apelido na escola, Hansol! Quantas vezes tenho que repetir?– repreendeu o garoto, revirando os olhos.– Mas respondendo suas perguntas: “Quando?” Eu acabei de chegar, só vi o Seokmin correndo com o nariz na mão. “Como?” Eu vim correndo, obviamente. O Jisoo apareceu lá em casa hoje de manhã do nada e me ajudou com meu… Hã, probleminha do estômago. Aliás, me lembre de arrancar os escrotos do Lee Chan mais tarde. “O que?” Bem, eu sei que eu sou irresistível, mas você não precisa se surpreender tanto assim, nós nos conhecemos à tempo o suficiente pra você ter ciência desse fato. Acho que a última pergunta eu já respondi com as anteriores, certo? Eu tava doente por conta do Chan, aquele rato de laboratório fodidamente adorável que conseguiu me convencer a ser cobaia dele de novo.

E aquele era Lee Jihoon: O segundo mais velho entre eles, segundo mais baixo, com cara de mau e tão arrogante quanto aparentava, mas que sempre derretia e sedia aos charmes de Chan quando ele pedia ajuda com seus feitiços e poções novos.

— Espera, mas o Joshua não tava na Transilvânia?

— Apelidos, Hanso!l – insistiu Jihoon, os olhos cortantes.– Bem, ele tava, mas disse que teve um sonho noite passada que dizia que ele devia voltar pra me ajudar, então eu nem contestei muito, né.

— Magos e seus sonhos esquisitos – Hansol ergueu os ombros.– Lembro da última vez que o Soonyoung dormiu na aula de literatura. Quando acordou, saiu desesperado atrás do Seungkwan e encontrou ele desmaiado no banheiro masculino do terceiro andar, tadinho.

Seungcheol riu com a lembrança. Seungkwan era outro amigo humano deles. Ele era o único que sabia do segredo de todos, o único problema era que tinha fobia de sangue, então os vampiros tinham que tomar muito cuidado quando tocavam no assunto café da manhã perto dele.

— Aliás, vocês viram ele hoje? Seungkwan disse que precisava de ajuda com alguma coisa e eu estou com fome.

— Deve estar com o Soonyoung.– Hansol fez uma careta enquanto respondia.– Não abusa muito do Kwan, você sabe que ele odeia sangue.

Jihoon exibiu um de seus raros sorrisos e direcionou-o ao Choi mais novo.

— Você devia tentar, ele é uma delícia.– provocou, já que sabia que Hansol tinha um problema com Seungkwan parecido com o problema que Seungcheol tinha com Jeonghan, só que não queria admitir.– Eu vou procurar eles, então. Se vocês virem um dos dois ou o DK, me avisem.

— Achei que a gente não devia usar os apelidos na escola.– retrucou Hansol.

— Eu tenho uma exceção para quando eles foram minha última refeição. Você tem que tratar a comida com carinho, certo? Humanos felizes produzem mais hemácias.

E, dito isso, desapareceu porta afora.

— Agora fiquei com fome.– reclamou Hansol, olhando triste para Seungcheol.– A gente devia sair pra caçar depois da aula.

— Nah, vai você, esse leite do Chan tá me deixando enjoado.– recusou o moreno, fazendo careta para a caixinha vermelha.

— Você tá bebendo isso?– Hansol pareceu surpreso.– E se você ficar doente igual o Woozi? Eu vou ter que encontrar o Joshua e inventar uma desculpa pra tirar os dois daqui! Taca isso aí no fogo logo!

— Eu não tenho intolerância à lactose – Seungcheol revirou os olhos, afastando a caixinha das mãos do amigo.– Pode parar de elaborar o plano perfeito pra ir pra casa mais cedo! Se você tem tanta preguiça de vir pra escola, por quê ainda vêm?

— Pra ficar com você, claro.– Seungcheol não pareceu acreditar naquelas palavras.– E porque é no Ensino Médio que o sangue dos humanos está mais apetitoso, todos os hormônios da adolescência deixam eles irresistíveis!

Aquilo parecia fazer bem mais sentido.

— Você é um pervertido, isso sim! Quem é que gosta de hormônios no sangue? Que esquisito.

— Esquisito é você, que se derrete pelos sangues docinhos! Porque não bebe seiva de flor, então, senhor glicose? Ou encontra um doador com diabetes! Você seria feliz o resto da morte. Da morte do doador, claro.

— Quem precisa de um doador? Eu lá quero compromisso com essa idade!– protestou.– Sou muito novo pra me prender à alguém.

— Mesmo que esse alguém seja o Yoon Jeonghan? Aposto que você ia adorar prender as garras nele.

Seungcheol apenas se limitou a erguer o dedo médio e imitar Lee Chan toda vez que ele lançava um feitiço contra Seokmin. Isso acabou assustando um pouco Hansol, e eles foram para sua aula de coreano enquanto Hansol reclamava que precisava comer o quanto antes, senão seus caninos enferrujariam por falta de uso.

...

Seungcheol gostava da sua morte. Era um pouco tedioso ter que mudar de cidade de tempos em tempos porque ele não aparentava crescer e sempre acabava despertando o interesse de algum esquisitão metido à caçador de vampiros? Era, mas ele gostava da sua morte.

Não que fosse um sádico. Seungcheol não gostava de ter que beber sangue uma vez por semana para não desidratar completamente até a morte (confie, ele tentou uma vez, não valeu nem um pouco a pena). Não, o que Seungcheol gostava era de conhecer lugares novos, pessoas novas e culturas novas. Quando vivo, sempre invejou pessoas que vagavam o mundo com apenas uma mochila nas costas, provavam comidas exóticas e sobreviviam assim, só viajando. Agora, morto, era exatamente isso que ele fazia. De cidade em cidade, país em país, pescoço em pescoço. Já até tinha aprendido a diferenciar os tipos de sangue, coisa que é relativamente complicada, mesmo para vampiros. Também conhecia seus instintos, sabia quando precisava comer e como não ter uma crise de abstinência.

Mas uma coisa que Seungcheol não podia explicar era Jeonghan. Jeonghan, o calouro colega de seus amigos humanos; Jeonghan, o raio de sol por onde quer que passasse; Jeonghan, o sangue mais irresistível para Seungcheol, cujo autocontrole sempre fora um ponto forte. Esse Jeonghan, que naquele momento estava sentado logo ao lado de Seungkwan, na mesa que os amigos de Seungcheol sempre usavam no almoço.

— … E é por isso que os gatos vão dominar a terra!

— Mingyu, esse seu medo de gatos não faz muito sentido, né?

— Chani, eu não acredito que você está do lado deles!

Seungcheol olhava para seu bibimbab e tentava se concentrar no cheiro do molho em vez do cheiro de Jeonghan, mas ainda parecia impossível.

— Tudo bem?– murmurou Hansol olhando apreensivo para o amigo.

— Me dá dois minutos – respondeu Seungcheol antes de levar os chopsticks à boca e mastigar com concentração.

— Acho que gatos são fofos – comentou Jeonghan e Seungcheol sentiu um arrepio na espinha. O garoto não podia nem falar perto dele que seus instintos gritavam! Precisava urgentemente fazer algo a respeito daquilo.

— Não, Jeonghan-ah! Cachorros são muito mais fofos, gatos são seres diabólicos!– insistia Mingyu, determinado em convencer todos de sua teoria.

— Os dois são fofos, é isso – Jihoon cortou a discussão.– Quero saber uma coisa, o que vocês vão fazer no fim de semana?

— Você vai chamar a gente pra fazer alguma coisa? Essa é nova – comentou Seungkwan, surpreso.– Normalmente você sempre foge quando a gente combina de sair.

— Imagina, eu adoro a companhia dos meus amigos – Jihoon sorriu para Seungkwan e o garoto corou com seu tom de voz sugestivo.– Na verdade, a ideia foi do Jisoo, mesmo, eu vou só patrocinar.

Os garotos viraram os olhos para Jisoo, que estava na ponta da mesa lendo um livro grosso e antigo mas, assim que percebeu a atenção voltada pra si, deixou o objetivo de lado e sorriu de canto.

— Querem jogar Vampire?

Houve um silêncio atordoante enquanto os garotos tentavam processar a pergunta, até que Wonwoo se pronunciou:

— Tipo o jogo de RPG de mesa dos anos noventa?

— Esse mesmo. O Jihoon vai ceder a casa dele e nós pensamos em fazer sessões quinzenais. Se vocês toparem, claro.

— Tá, mas de onde veio essa ideia tão aleatória?– perguntou Chan, olhando de esguelha para Seungcheol, Hansol e Jihoon.

Jisoo ergueu os ombros e começou a se levantar da mesa.

— Os garotos na Transilvânia são viciados nesses jogos, eu achei que seria legal mostrar pra vocês também. Bem, vou fazer um grupo no Kakao, daí a gente se organiza melhor, agora preciso voltar pra sala. Até depois.

Mas Seungcheol não conseguia deixar de pensar que tinha algo muito suspeito por trás daquilo tudo.

A parte interessante dos RPG de vampiro era que além dos humanos, existiam também a guerra contra os lobisomens (por mais que na vida real as coisas não fossem bem assim) e Seungcheol achou adorável quão feliz Mingyu ficou quando Soonyoung e Chan disseram que seus personagens também seriam lobisomens.

— Não vou mais ficar sozinho!– exclamou o garoto emocionado.

— Não acredito que você escolheu humano, Seungcheol – surpreendeu-se Jihoon com uma careta de desgosto.

— Ué, a ideia do RPG não era ser um ser mitológico?– brincou Seungkwan.

— Eu gosto de ser humano – comentou Wonwoo inocente.– O Seokmin escolheu humano também, olha.

— Claro, vocês precisam de alguém pra ser a cabeça da raça. Imagina se os dois bocós ficam sozinhos contra tudo isso de monstro.

— E você vai proteger eles, é isso?– ironizou Chan.– Quem que ficou com os vampiros, então? Hansol, Jihoon, Seungkwan.

— Eu também – Jeonghan levantou a mão e entregou sua ficha para Jisoo, que seria o mestre daquela sessão.

Seungcheol estalou os lábios quando o pulso de Jeonghan passou pertinho de seu rosto e cravou os dentes na rosquinha de morango que Chan havia preparado. Suas mãos pararam de tremer aos poucos e o garoto pensou que, para um mago, Lee Chan era um ótimo confeiteiro.

Depois daquele dia em que eles haviam decidido fazer as sessões de RPG, Seungcheol chorou aos pés de Chan (mais ou menos) para que o garoto o ajudasse a encontrar um jeito de ficar no mesmo cômodo que Jeonghan sem se descontrolar e avançar no garoto.

— Você sabe que podia simplesmente morder ele, daí tudo se acalmava, certo?

— Não é tão fácil como parece – resmungou Seungcheol.– Pra seguir as regras, ou eu teria que contar pra ele sobre os vampiros, ou apagar a memória dele. E nenhuma das duas opções parece sucessível a dar certo.

— Por quê?

— Você viu como ele é, Chan, o Jeonghan é tão inocente quanto o Wonwoo. Se eu contar ele pode se assustar e sair correndo, se eu apagar a mente dele ele pode pifar.

— Você se preocupa demais com um menino comum, tsc.

— É que – Seungcheol suspirou fundo.– Ele não é comum. Não pra mim.

— Claro, você fica se torturando perto dele e acaba não fazendo nada. Mas tá, eu vou te ajudar. Eu tava querendo testar as receitas antigas da vovó mesmo…

E o resultado daquilo foi que Chan passou todas as tardes daquela semana procurando receitas no livro de feitiços de sua avó que pudessem ajudar Seungcheol a se acalmar perto de Jeonghan.

— Pois bem, já que todos tem seus personagens definidos, nós podemos começar a história – Declarou Jisoo assim que se certificou de que todos tinham entregado as cópias de suas fichas.– Vamos dividir as sessões assim: Primeiro os vampiros, depois os humanos, aí os lobisomens.

— Calma, a gente vai jogar separado?– perguntou Hansol, surpreso.– Achei que seria todo mundo junto.

— Por que os lobisomens são os últimos? Que injusto – protestou Mingyu.

— É que vocês vão estar em lugares diferentes, né, não dá pra um saber a história do outro se a ideia é vocês brigarem – explicou Jisoo.– Quem não estiver jogando pode ficar no quarto ou na cozinha. Vocês conhecem a casa, fiquem à vontade.

— A minha casa, né – resmungou Jihoon.

— Foi o que eu disse. Tá, vamos começar com os vampiros, o resto pode se retirar, vai.

Seungcheol suspirou aliviado e se encostou na bancada da cozinha de Jihoon.

— Pra que esses biscoitos?– perguntou Wonwoo apontando o pacote nas mãos de Seungcheol.

— Eu que fiz – sorriu Chan todo contente.– Quer um?

Wonwoo olhou assustado para o pacote e depois para Seungcheol. Até mesmo ele conhecia a falta de dotes de Lee Chan na cozinha.

— Não, obrigado – negou dando um passo pra trás.– Por que ele tá comendo aquilo?– sussurrou para Soonyoung.

— O Cheol perdeu uma aposta – piscou Seokmin e riu quando Chan o encarou com a cara fechada.– Agora ele tem que ajudar o Chan no sonho de confeiteiro dele.

— Boa – comentou Soonyoung quando Mingyu chamou Wonwoo para ver um vídeo de cachorrinhos.

— Eu sou o mestre do improviso, né, me respeita.

— O que será que eles tão aprontando na sala?– perguntou-se Chan.

— Devem ser as introduções ainda – Seungcheol ergueu os ombros.

— Meu nome é Kim Sungyeol – exclamou Soonyoung, pegando dois peperos e os prendendo na boca como garras.– O erudito que caminha pela noite! Gwi, lute comigo num duelo imortal!– continuou apontando para Seokmin.

Seokmin olhou para o primo com um sorriso confuso, mas logo aceitou a brincadeira e os dois garotos se colocaram em posição de combate no meio da cozinha.

— Vocês são muito estranhos, por que tinham que ser meus parentes?– suspirou Lee Chan enquanto observava com desgosto os dois meninos rosnarem um pro outro.

— Os vampiros não deviam ser do mesmo clã nessa história?– perguntou Mingyu.– Tipo uma grande e má família de caninos sugadores de sangue.

— Se fosse na dinastia Joseon as coisas seriam diferentes – apontou Soonyoung.

— Pena que essa história é nos dias atuais – Seokmin ergueu os ombros.– Vampiros em dramas de época são muito mais legais.

— Seungcheol, você é de que ano mesmo?– perguntou Mingyu.

Seungcheol, que estava num transe olhando para seu pacote de biscoitos, voltou os olhos para Mingyu e piscou algumas vezes.

— Eu?– perguntou, surpreso.– Eu sou humano, cara – disse erguendo os ombros.

Mingyu ia dizer mais alguma coisa, mas Chan empurrou seu ombro e apontou com os olhos para Wonwoo e eles mudaram de assunto logo em seguida.

Na sala de estar, Jisoo já começava a introdução do jogo:

— Muito bem, vocês estão todos sentados em volta de uma mesa muito longa, com tipo mais uns vinte e cinco lugares além dos que vocês ocupam. O cômodo é uma copa bastante luxuosa, com candelabros ao lado das janelas de cortinas de seda carmesim, cálices cheios de um líquido vermelho às suas frentes na mesa junto com uma refeição chique..–

— Vampiros podem comer?– perguntou Jeonghan, cortando a narração de Jisoo.

O Kim ergueu o cenho e pensou um pouco antes de responder.

— Quer dizer, eles não precisam. Mas, é, em ocasiões especiais ou pra se disfarçar entre os humanos eles comem, sim. Mal não faz, né?

— Mas sangue tem gosto muito melhor que qualquer iguaria humana – acrescentou Hansol, ao que Seungkwan e Jisoo o olharam assustados e Jihoon beliscou sua perna.– Quer dizer! É o que o pessoal que joga esses jogos sempre diz, né… Haha.

Jeonghan apenas concordou pensativo e voltou a analisar sua ficha.

— Bem, como eu ia dizendo… Vocês estão tendo uma reunião importante sobre qual vai ser seu próximo passo pra conseguir sangue, porque vocês são vampiros que vivem na época atual, mas ainda se escondem dos humanos. Seungkwan?

O garoto, que tinha erguido a mão, olhou curioso para o mestre.

— Ninguém conhece o segredo dos vampiros?

— Bem – Jisoo começou, já bastante preparado para aquelas perguntas, já que havia estudado o contexto social dos vampiros atualmente durante aqueles três meses na Transilvânia.– Algumas pessoas sabem, sim. Como os lobisomens, ou os simpatizantes.

— Simpatizantes?– quis saber Jeonghan.

— Isso. Os amigos íntimos dos vampiros, que acabam guardando seu segredo. Ou os namorados – terminou ele com uma risadinha.

— Vampiros podem namorar humanos?– surpreendeu-se Jeonghan.

Jihoon e Hansol observavam aquele questionário calados, apenas aguardando com certo tédio, já que aquelas questões eram o dia-a-dia para eles.

— Podem – Jisoo ergueu os ombros.– O humano que se relaciona com um vampiro é chamado de "doador", já que na relação é comum acontecer do humano doar seu sangue para o vampiro, para que ele não tenha que morder outras pessoas ou coisas.

Ao ouvir a explicação, Jeonghan fez uma careta e tocou seu pescoço com a palma da mão.

— Mas não dói não – riu Hansol, mas desfez o sorriso quando viu a expressão irritada de Jihoon.– Os jogadores de Vampire dizem que a mordida do vampiro, principalmente se ele sente atração pelo humano, é anestesiada e causa até cócegas.

— Às vezes atiça a líbido também – acrescentou Jihoon com um sorriso perverso para Seungkwan.

— Vocês estudaram bastante para jogar isso, né. Acho que eu devia ter lido algo a respeito também, me sinto perdido.

— Ah, você se acostuma – Seungkwan riu forçado.– Mestre, eu, Boo Seungkwan, quero fazer uma sugestão para nosso método de encontrar sangue.

— Você usou seu nome verdadeiro no jogo?– riu Hansol.

— Melhor que o seu – o garoto retrucou.– Que tipo de vampiro se chama Vernon?

— A gente combinou de usar os apelidos – Hansol fez bico.

— Tá, chega de papo offtopic. Voltando pra reunião. Qual sua proposta, Seungkwan?

— Boo Seungkwan – corrigiu ele.– Minha proposta é que a gente roube um hospital!

— Quê? A gente pode ir contra a lei pra conseguir sangue?– exclamou Jeonghan.– Achei que a gente ia criar um ong de doadores ou algo assim.

— Essa é uma boa ideia, na verdade – apontou Jihoon.– Jisoo, eu tenho como descobrir se tem algum clube de doadores por perto na cidade?

— Joga um D-20.

— Dezesseis.

— Hmm… Você lembra que conheceu uns humanos um tempo atrás que podem ter contatos. Você quer ligar pra eles?

— Óbvio – Jihoon concordou.

— Beleza. Jeonghan, pode chamar os meninos na cozinha?

— Okay – concordou o garoto e se levantou do sofá.

Os três que ficaram se entreolharam até ele se afastar o suficiente.

— Vai super dar certo!– exclamou Hansol.

— Se você não abrir o bico antes do momento apropriado!– repreendeu Jihoon.

— A gente tem que apressar o Seungcheol, se ele continuar se enrolando…

— Eles tão voltando – Seungkwan alertou.

— Se comporta – Jihoon olhou feio para Hansol e o garoto sorriu amarelo.

Jeonghan voltou com Wonwoo, Seokmin e Seungcheol e eles se sentaram nos sofás novamente.

E Seungcheol ainda não sabia se estava preparado psicologicamente para aquele jogo.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.