Unfinished Business

The Bloody Killer - Part2


“Fazer um juramento é como estabelecer um curso, mas se os ventos e as marés do destino forem fortes demais, o leme perde seu poder”

Bernard Cornwell

A caçada começara.

Estávamos a caminho da delegacia local o mais rápido que o trânsito nos permitia e, enquanto dirigia, pude sentir os olhos inquisidores de Rossi pregados em mim.

–O que foi aquilo? - quis saber.

–O que?

–Não sou responsável pelo o que você faz e sei que não é novata nesse trabalho, mas está se comportando como uma - fez uma pausa e aguardou minha resposta, contudo fingi não compreender do que ele estava falando - Nós não podemos prometer nada, sabe disso.

Antes de sair às pressas da casa de Allison Matthews, eu fizera uma promessa. Uma promessa cujo o cumprimento estava fora do meu poder de decisão.

–Nós vamos encontrar Emily, eu prometo. - essas foram as exatas palavras que eu dissera para os pais da criança desaparecida. E desejei, com todas as minhas forças, que pudesse cumprir o que estava dizendo.

–Weston - prosseguiu Rossi - eu quero encontrar a garota tanto quanto você e nós vamos fazer o possível, mas… Não há certezas nem garantias.

–Eu sei, Rossi, só que… - suspirei e recostei a cabeça na janela do carro. Nós já havíamos chegado em nosso destino. - Não lembro de ter agradecido você por ter falado com o Hotch. Obrigada, David.

–Sem problema.

–Eu espero que você tenha feito a coisa certa.

–Eu também, Agnes. Eu também. - ele abriu a porta do carro e eu segui a deixa - Vamos, temos um trabalho a fazer.

–x-

–Já temos o suficiente para um perfil completo? - perguntei para Reid, que já estava na delegacia, assim como todos os outros.

–Creio que sim - notei sua expressão atordoada, porém não achei pertinente comentar algo.

Os policiais e o delegado nos aguardavam em uma espécie de sala de conferência. Hotchner começou a detalhar os aspectos psicológicos do unsub.

–Procuramos um homem branco, jovem, no máximo 27 anos. Não tem um emprego fixo e talvez nunca tenha tido, mora sozinho, mas provavelmente é sustentado por alguém.

–Ele come os órgãos das vítimas porque acha que isso o fortalece. Como a antiga crença que os antropófagos tinham de que se comessem a carne do inimigo, seriam invencíveis em batalha - declarou Reid.

–E bebe o sangue por um possível delírio psicótico - completou Morgan. - Pode achar que não ele mesmo não tem o suficiente dentro do próprio corpo e por isso precisa encontrar mais.

–O modus operandi é muito variável, ele não planeja ou articula nenhuma ação. As duas primeiras vítimas eram mulheres, mas a última foi uma criança que ele levou consigo, coisa que nunca fizera antes. Age de acordo com a oportunidade do momento e não atacou ninguém do sexo masculino por se sentir inseguro, o que indica que tem estatura baixa e é um cara que não chama atenção - falei.

–E como ele nunca sequestrou ninguém antes, não sabemos quanto tempo a vítima possa ter - acrescentou Rossi.

–Também pode apresentar distúrbios mentais, nosso melhor palpite é esquizofrenia. Um delírio bastante comum nas pessoas que possuem essa doença é ter a sensação de estar sendo perseguido e observado o tempo inteiro - J.J ainda não terminara de falar quando um policial entrou apressadamente na sala.

–Identificamos o carro de Allison Matthews.

O modelo e a placa do carro haviam sido divulgados na TV e no rádio, porém foi dito somente que se tratava de um roubo comum, sem nenhum detalhe que ligasse aos assassinatos ou a presença da BAU na cidade, não queríamos alertar a mídia com receio de que isso pudesse estressar o assassino e torná-lo mais impulsivo ainda.

–Algum sinal da criança?

Minha voz saiu trêmula e esperei que ninguém tivesse percebido, podia sentir o nervosismo latejando em todas as células do meu corpo.

–Ainda não.

–x-

Era um bairro pobre e afastado do centro da cidade. O veículo fora estacionado negligentemente de forma que estava parcialmente na calçada de uma velha igreja decrépita. O padre que fizera a ligação estava a nossa espera.

Hotchner solicitou que Morgan e Reid fossem até o local onde o carro fora abandonado, mas eu insisti em ir, então Reid permanecera na delegacia para trabalhar no perfil geográfico.

–Agente Morgan e essa é agente Weston - Derek fez as apresentações como uma saudação.

–Boa tarde, boa tarde. É esse mesmo o carro? - perguntou o padre enquanto apertava os olhos devido a luz do sol. Era um dia abafado e quente do tipo que faz você ficar um pouco tonto, caso não esteja acostumado.

Morgan assentiu e ficou fazendo as perguntas rotineiras. O senhor sabe há quanto tempo o veículo está aqui? Viu alguém estranho pelas redondezas? Alguém que estava com uma criança, talvez? E para todas essas perguntas, um balanço negativo com a cabeça foi a resposta.

Talvez tenha sido o calor, eu não saberia dizer, mas a conversa entre Morgan e o padre foi se tornando cada vez mais alheia para mim, como se fosse uma gravação distante, um programa de rádio que toca no apartamento vizinho. Os meus olhos foram atraídos para uma falha na cerca de arames que rodeava um dos lados da igreja.

–Padre, aquilo já estava assim antes? - apontei para o lugar onde o arame parecia ter sido cortado.

–Eu nem tinha notado, juro que estava normal ontem. - e pela expressão atordoada, soube que ele dizia a verdade.

A igreja era uma simples construção cercada por terra batida e capim crescido. Andei até a direção que a falha levava e enxerguei uma parte do terreno onde aquela terra havia sido remexida recentemente.

Em um trabalho como o dos agentes da BAU, você passa anos habituando corpo e mente a trabalharem juntos. Controle a mente e o corpo a seguirá. Estabilize suas emoções e não as envolva nos casos. Entretanto, por mais que nos preparemos para todos os tipos de situações, há certos efeitos que não controlamos. Aquele arrepio na base da espinha, por exemplo, as pernas que nos falham e bambeiam, o gelo no coração. E naquele momento eu sentira tudo aquilo.

Porque sabia exatamente o que iria encontrar naquele monte de terra batida.

–x-

Só atentei para a presença de Morgan ao meu lado quando sua voz quebrou o silêncio que gritava nos meus tímpanos.

–Hotch, preciso dos peritos na igreja. Acho que encontramos a Emily - fez uma pausa. - Eles já estão a caminho.

Aquela última frase fora dirigida a mim, mas eu nem me dera ao trabalho de responder. Comecei a andar até chegar ao ponto onde a cor da terra era diferente. Ajoelhei e cravei as unhas, as mãos e o antebraço no solo. Não creio que estava realmente consciente do que fazia, era como se minhas ações não me pertencessem, como naquela parte de um filme onde a cena continua, contudo todos os efeitos sonoros cessam.

Cavei, cavei e cavei. Morgan disse algo, eu não ouvi. Cavei.

–Agnes!

Cavei.

–Agnes, o que você está fazendo?

A ponta dos meus dedos tocou em algo gelado, uma outra mão minúscula de dedos frios e arroxeados.

Sinto muito, Emily.

Mais tarde, eu soube que nunca havia chegado nem perto de cumprir a promessa. Minhas palavras foram ao vento enquanto Emily já não podia ser salva.

–x-

Alguém me puxou pelos ombros, não sei dizer quem. Lembro de ter desferido uma cotovelada contra essa pessoa e de ter sentido braços fortes revolvendo minha cintura, meus pés não tocavam o chão quando fui obrigada a deixar Emily em sua cova.

–Agnes! Que diabos você estava fazendo?

Eu estava sentada no banco traseiro de um carro, mas não fazia ideia de como chegara até lá. Minhas mãos sangravam e notei a ausência de algumas unhas, porém não estava sentindo dor. Estava calor, minha cabeça rodopiava. Morgan me lançou uma garrafa d’água.

–Ei, desculpa ter gritado - senti suas mãos em meus ombros, me forçando a olhar em sua direção - tá me ouvindo? Desculpa. Tem certeza que quer continuar?

Foi aí que vi. O olhar de Morgan estava repleto de pena.

Foi como sair de um transe. Levantei-me do carro e atentei para o fato de que eu estava sendo ridícula.

–Não sei do que você está falando, Morgan - disse, com a voz coberta de cinismo, enquanto dava as costas para ele.

–Posso saber aonde você está com a cabeça? - berrou Hotchner. Não tinha nem ao menos visto a chegada do restante da equipe. Olhei ao redor, o local estava abarrotado de carros, agentes, policiais, peritos e alguns transeuntes curiosos. - Você contaminou a cena, será que eu preciso ensinar que não se deve fazer isso? - seu tom ácido quase me fez recuar.

–Aaron… - fiz um meneio de cabeça - me desculpa, eu fiquei um pouco alterada, mas isso não vai se repetir. Prometo.

Aaron Hotchner era um homem de expressões duras que não abarcavam raiva, seu rosto era impassivo, mas, concentrada, nos olhos estava a mais fria e contida raiva.

–É agente Hotchner - corrigiu com rispidez evidente na voz - e não, Weston, não vai acontecer novamente. Me dê sua arma e distintivo.