Unfinished Business

Out there in the cold, getting lonely, getting old


"Nesse jogo que estamos jogando, não temos como vencer. Alguns tipos de fracasso são melhores do que outros."

George Orwell

–Alô?

–Agente Weston, é maravilhoso ouvir sua voz mais uma vez. Soube dos seus problemas em Nova York, fico feliz que esteja bem.

–O que você quer?

–Só dar um breve aviso, ouça com atenção, não irei repetir. Hoje o dia não será tranquilo, haverá uma bomba em uma área de construção, sem criminosos ou reféns, portanto a BAU não será chamada, somente o esquadrão antibomba. Você nem imagina o alcance da minha belezinha… Ah, se eles não a encontrarem a tempo… O shopping, as casas… Enfim, provavelmente não irão espalhar a notícia devido pânico desnecessário que ela causaria, porém esse não é seu maior problema, Agnes. Naquela adorável hora que eu tive a oportunidade de conhecer o escritório da Unidade de Análise Comportamental, deixei um presente para você e seus amigos. Tique-taque, tique-taque. Você tem até às 12h para me dizer qual das bombas vai explodir. E vou logo adiantar, não tente tirar os agentes da sede ou, sobretudo, sua equipe. Qualquer sinal que eu receber de que eles foram alertados, as duas bombas explodem, entendeu? Não tente ser esperta, você sabe que estou um passo a sua frente. Você tem seis horas, Agente Weston. Tique-taque, tique-taque, tique-taque.



Alguns dias antes



–O que você quer? - Aaron mantinha sua expressão impassiva, mas a exaustão era visível em seus olhos. Aliás, a equipe inteira estava desgastada. O trabalho dos agentes da BAU é mórbido, doentio e capaz de atingir o ponto de ruptura de uma pessoa. Olhar para o pior lado da face humana todos os dias faz com que percamos a fé em antigos valores. Você começa a se perguntar que diferença faz prender um maníaco se para cada assassino em série detido existem vários outros livres. Esse pensamento ganha mais intensidade quando lidamos com casos carentes de conclusões, quando não conseguimos prever o passo seguinte de nosso oponente e, sobretudo, não conseguimos explicar para as famílias por que seus filhos nunca se formarão na faculdade. Estávamos exauridos. Meu inconsciente me fazia divagar sobre o quanto J.J e Hotchner deveriam estar querendo ir para casa abraçar Henry e Jack.

–Eu quero a ajuda da BAU - respondeu Elle, resoluta e peremptória.

–Nós já temos um caso - retrucou Hotch e recomeçou a andar, subindo os degraus da entrada da sede.

–Hotch, Nova York tem um serial killer em potencial estuprando e matando mulheres estrangeiras. É um crime de ódio e logo que a mídia ligar os pontos, vai fazer o alarde que esse cara ta procurando. Ele é um narcisista com sede de atenção, não podemos dar isso a ele - contestou.

Hotch parou de caminhar subitamente e fitou a ex-agente da BAU com o semblante vincado.

–Sinto muito, Elle. Nós só podemos nos meter nisso se formos designados e, além disso, também temos um potencial serial killer em Virginia.

–Tudo bem, Hotch, não estou pedindo a equipe inteira. Pode me emprestar dois agentes?

O resto da equipe se entreolhou enquanto Aaron e Elle continuavam sustentando o olhar um do outro.

–Ok. Reid e J.J, vocês vão para NY - concluiu.

–Na verdade, eu estava pensando em Morgan e Weston.

Houve mais um duelo silencioso de olhares até que Hotch finalmente aquiesceu.

–Vou fazer as provisões e pedir o avião para vocês - deixou-nos, seguido por Rossi, sob o sol ofuscante.

–Ei pessoal - só então Elle voltou-se para cumprimentar os ex-colegas de trabalho. Abraçou Reid e J.J, aproveitando para se desculpar. - Adoraria ter vocês comigo, mas eu preciso de dois cabeças quente para lidar com o pessoal em Nova Iorque, vocês não têm noção do quanto a jurisdição de lá me tira do sério.

–O que você quer dizer com “cabeça quente”? Por acaso eu deveria considerar isso um elogio? - Morgan perguntou em um tom irreverente.

Entramos no escritório e Elle conversou com Spencer por mais um tempo antes de sairmos. Mesmo com o passar dos anos, ele ainda sentia um fragmento de culpa pelo o que acontecera a ela. Pensava que poderia ter previsto seu ponto de ruptura iminente, embora isso fosse algo que ninguém fosse capaz de fazer. Elle Greenaway era um constante alerta para nós, uma espécie de lembrete, algo que podemos nos tornar. Era como se o que ocorrera com ela nos dissesse para nos entregarmos plenamente ao trabalho enquanto estivéssemos em serviço, mas não permitir que ele tomasse conta de nossas mentes.

–Então Elle, vai nos adiantar alguma coisa sobre o caso? - indagou Morgan quando já estávamos acomodados no jatinho.

–Não podemos falar disso quando pousarmos? Eu mataria por meia hora de sono - resmunguei.

–Exatamente. Vocês dois, durmam um pouco, preciso que estejam calmos quando receberem todas as minhas notícias.

–Como assim? Achava que você queria justamente nosso lado caliente. - brincou Morgan.

–Sério, eu dormiria se fosse vocês.

–Não precisa mandar duas vezes - falei sentindo o peso da noite em claro se abatendo sobre mim.


NYC - Estado de Nova York

–Seu café, Agnes - murmurei um agradecimento e estreitei os olhos para a claridade atordoante - Nada para você, Ells?

–Nunca mais me chame assim e não, nada para mim, muito obrigada. Coloquem seus cérebros produtores de perfis para trabalhar, agentes.

–Mostre o que você tem - Morgan solicitou com voz travessa.

–Primeiramente, saibam que eu menti para Hotch. Esse cara não é um narcisista clamando por atenção, é mais uma espécie de justiceiro silencioso.

–Então, estamos lidando com o Batman? O que o comissário Gordon acha disso?

–Em qualquer outro momento, Agnes, eu riria, mas agora vou pedir que você cale a boca, ok?

Não completara nem uma hora desde que pousamos em NYC e estávamos sentados em uma das mesas ao ar livre de uma lanchonete. Tentei esconder minhas mãos trêmulas debaixo da mesa e disfarçar minha ansiedade, porém o fato de estarmos em frente a uma adega não tornava nada mais fácil. Senti a típica queimação na garganta e engoli meu expresso quase de uma vez.

–O M.O diverge de acordo com a nacionalidade das vítimas, ele tenta, de alguma forma, utilizar maneiras de torturar e despejar o corpo que inferiorizem suas culturas nativas. Talvez isso tenha feito com que ninguém fizesse as ligações apropriadas entre os crimes, mas estou trabalhando nesse caso há quase 3 meses e garanto a vocês, é o mesmo cara.

–E o que a polícia local está fazendo? - Morgan inqueriu e recebeu uma risada amarga em resposta.

–Nada, aliás, teoricamente, nós não temos nenhuma vítima.

–O que você quer dizer com isso?

–Todas as mulheres assassinadas tinham algo em comum, estavam aqui ilegalmente. Sem nenhum registro que ao menos comprovasse a existência de qualquer uma. Tentei falar com conhecidos e familiares, mas um distintivo os assusta mais que qualquer assassino em série.

–E a Unidade de Vítimas Especiais simplesmente ignora isso?

–O que eles podem fazer? Sem vítima, sem testemunha, sem um M.O contínuo, somente corpos dados como indigentes… - explicou.

Derek e Elle despejavam as inúmeras palavras ao vento enquanto eu me esforçava para conectar sons e significados. Tinha plena consciência dos lábios de ambos se movendo, contudo só entreouvia o batuque dos dedos que Elle tamborilava na mesa. Bum. Bum. Bum. Cerrei os olhos e mirei a loja de bebidas. Quem sabe, quando o caso estivesse concluído…

–Agnes? - a voz repleta de urgência de Morgan arrastou-me cruelmente dos tentadores devaneios. - Você está ouvindo alguma coisa do que estamos falando aqui, por acaso?

–Claro - menti. Os dois me fitaram e repentinamente senti-me como algo transparente, como se qualquer um pudesse ter acesso aos meus mais íntimos pensamentos. - Parem como essa mania insuportável de fazer o perfil até do vendedor de hot-dog que encontram no meio da rua. Continue falando do caso, Ells. Acho que gostaria de ir necrotério dar uma olhada nos corpos.

–Na verdade… - mordiscou o lábio e contorceu suas feições, ensaiando para anunciar algo desagradável.

–Conheço essa cara. O que você está escondendo, Greenaway?

–Digamos que eu tenha insistido com um pouco de efusão nesse caso e isso tenha importunado meus superiores da SVU*, então… Bom, eu não estou portanto nenhuma arma no momento. Tirem suas próprias conclusões.

Limitei-me a encará-la, revezando o olhar estupefato para Morgan que estava tão boquiaberto quanto eu.

–Vocês nos arrastou até aqui para…

–Eu sei, eu sei, por favor, me polpem dos sermões - interrompeu-me.

–Ainda podemos ter acesso aos arquivos dos assassinatos e ao necrotério, ao contrário de alguém aqui, nós temos as credenciais necessárias - Morgan fora melhor na tarefa de transpor o fato de Elle estar suspensa e reiniciar o raciocínio lógico necessário.

–Não, não podem. Dois agentes da BAU chegam perguntando sobre um caso que a SVU quer abafar, vocês sabem como eles podem detestar a intromissão do FBI em certos assuntos, não vai terminar muito bem. Ligarão para Aaron e vocês serão obrigados a ir embora e, quando isso acontecer, eu perco meu distintivo de uma vez por todas. Essa não é minha primeira suspensão. Precisamos fazer isso na surdina - anunciou, quase solenemente.

–Caçaremos um serial killer sem nenhuma migalha de pão que nos leve até o maldito? - protestei.

–Exato. E, já que tocamos no assunto, vou precisar de uma arma e acho que algum de vocês poderia me emprestar, não é? - hesitei em aceitar o pedido e troquei um olhar desconfiado com Morgan. - Ah, qual é, pessoal? - bateu na mesa com estrépito e eu me contorci. Tinha aversão a barulho repentinos, algo adquirido recentemente… - Eu esperava isso do Reid e da J.J, mas vocês? Sinceramente, acabaram de descer quatro degraus no meu conceito.

Concedi um sorriso a ela e tirei uma das armas de meu coldre.

–Vai ser como brincar de Sherlock Holmes e de quebra ainda mandamos mais um desgraçado para a cadeia.

–Ou para o inferno - acrescentou Morgan.

Meus olhos foram, mais uma vez, atraídos para a vitrine da adega. Debaixo da mesa, esfreguei as mãos uma na outra até que perdessem qualquer tonalidade, assumindo uma cor cadavérica.

–Ou para o inferno - repeti.


Quantico - Virginia

–Vamos revezar os turnos. J.J - elevou o tom para atrair a atenção para si - Reid, vocês dois podem ir para casa. Voltem mais tarde, durmam um pouco, ligaremos caso algo novo surja.

Em outra ocasião, eles teriam discutido e alegariam não precisarem de uma pausa, porém não havia como contrariar Hotch, ambos já não estavam sendo de utilidade nenhuma devido ao cansaço mental. Reid deixara a BAU, porém Jennifer ainda recolhia alguns pertences quando Garcia irrompeu na sala com uma torrente de palavras desconexas.

–Penelope, desacelere - pediu Rossi.

–Ok, nós temos um homem que alega ter visto um cara em uma van levando uma criança e…

–Alguma ocorrência já foi informada? - perguntou J.J, que desistira completamente de ir para casa.

–Ainda não, mas esse sujeito diz ter lutado com nosso unsub, mas que o outro tinha uma arma e não havia nada que ele pudesse fazer - concluiu.

–Leve ele a sala de interrogatório - ordenou Hotch - J.J, você conduz.

–x-

–Já disse para você, eu estava correndo no parque e vi um cara arrastando uma menina pelo braço. De início, achei que ele era pai da criança e que todo aquele show era só birra, mas… Não sei, ele parecia nervoso demais e quando eu o confrontei, o desgraçado partiu para cima de mim e me deu isso de presente - indicou o inchaço na área que circundava o olho esquerdo e, gradativamente, tomava uma tonalidade púrpura. - Eu juro que tentei ajudar, mas ele tinha uma arma!

–Eu compreendo, você fez o que podia - J.J interviu em um tom amistoso. - Pode descrevê-lo?

O homem assentiu efusivamente. Tinha o cabelo escuro e desgranhado, os olhos de um azul muito profundo e, em média, 37 anos. Parecia atordoado, mas diante às circunstâncias, aquilo era de se esperar.

–Alguma coisa está errada - alertou Rossi do outro lado da tela escura que permitia que alguém conduzisse ou assistisse ao interrogatório.

–O que foi?

–O ferimento é no olho esquerdo… Hotch, finja que vai desferir um soco em mim com sua mão esquerda - pediu com a empolgação particular na voz. - E tente não gostar muito disso.

Hotchner, em movimentos lépidos, ergueu o braço esquerdo e simulou a agressão.

–Está vendo? Você atingiria meu olho direito, não o esquerdo. E, se me batesse com a mão direita, seria o inverso.

–O isso nos diz que… - encorajou.

–As marcas nos pescoços das vítimas indicam que o unsub é canhoto, então , seguindo essa lógica, o hematoma está no lugar errado.

–Mas como você pode dizer isso? O cara usou um saco plástico para asfixiar as meninas - retrucou Aaron.

–Sim, mas fez isso enquanto pressionava os pescoço de cada uma. Ou seja, ele queria que acabasse rápido, estava inseguro e…

–Já entendi, vou pedir para Garcia verificar esse sujeito.

J.J saiu da sala e foi atropelada com o turbilhão de novas informações que não estabeleciam nenhuma conexão lógica aparente.

–Ele está mentindo, já sabemos disso. Mas, então, por que vir até aqui só para contar uma história sem nexo? - ponderou.

–Pessoal, acho que vão se decepcionar com o que eu tenho. Sabem o quanto eu gosto de catar o lado obscuro das pessoas, mas esse cara… - alertou Penelope logo que chegou na sala - James Brosnan, 39, professor de física, mas pediu demissão há uns meses e… É só.

–Quer dizer que não temos nada para segurá-lo aqui? - perguntou Hotch.

–E em algumas horas teremos que liberá-lo - conclui Rossi.

–Preciso concordar com Rossi, ele tem álibi para os horários de todos o sequestros.

J.J mirou o homem sentado do outro lado da tela.

–Quem é esse cara?