Unfinished Business

Gravity gets us all


"Nada nunca é igual. Seja um segundo mais tarde ou cem anos depois. Tudo está sempre se agitando e se revolvendo. E as pessoas mudam tanto quanto os oceanos."

Neil Gaiman

–Odeio quando envolvem crianças. Quer dizer, já é horrível o suficiente fazer isso com qualquer pessoa, mas de alguma forma… Eu não sei explicar, é simplesmente…

–Eu entendo. - J.J me interrompeu.

–Na Narcóticos nós não tínhamos vítimas, é claro que era basicamente uma coletânea de vidas arruinadas, mas a única preocupação era a retirada das drogas da rua. Só isso. Não interessava o motivo pelo qual alguém traficava nem nada. Não existiam inocentes, só vilões.

Coloquei as luvas e agachei perto da primeira criança que estava mais próxima à porta. Tinha, no máximo, 7 anos. Era um menino, os cabelos estavam desgrenhados e empapados de sangue e sua irmã, 13 ou 14 anos, estava mais a frente.

–Mas isso não faz o menor sentido, não segue o Modus Operandi.

–Talvez sejam dois assassinos - respondi.

–Uma vingança? Um parente de uma das vítimas que chegou a mesma conclusão que a nossa e veio prestar contas? Não parece provável.

Tive que concordar, a minha teoria anterior já não fazia o menor sentido. J.J vasculhava a cozinha que, estava repleta de sangue no chão, porém sem sinais de luta.

–Ok, então o unsub entra na casa e a Sra. Connor está na cozinha preparando alguma coisa - apontou para os restos de uma tigela de vidro caída ao chão - as crianças deveriam estar na escola, então talvez ele esperasse encontrar somente a mãe.

–Isso não foi planejado, foi um acesso de fúria desorganizado. Não segue o perfil.

–Talvez ele esteja ficando sem tempo - retrucou.

–Sem tempo para que?

–x-

Uns 40 minutos depois, os peritos chegaram e confirmaram que o suspeito entrara na casa, atirara a queima-roupa no filho mais novo do professor, que estava na sala assistindo TV, em seguida, subira até o quarto da filha e a surpreendera ainda dormindo e, por algum motivo, levara o corpo para a sala, junto ao irmão, o que podia indicar remorso. Quando a mãe sai da cozinha para verificar, o unsub a esfaqueia por trás, perfurando os pulmões e impedindo-a de gritar. Todos os ferimentos das crianças foram post-mortem, porém a Sra. Connor não morrera tão rápido assim, o que indicava que o sangue na parede da frente da casa provavelmente pertencera a ela. Nenhum dos três teve a chance de dizer ou gritar algo.

–Nenhum sinal do professor? - perguntou Hotch.

–Não, ele não foi ao trabalho hoje - Reid respondeu.

–O carro dele não está na garagem.

Ainda estávamos em frente a casa de Ryan Connor esperando qualquer informação nova.

–Bom, como não há sinais de arrombamento, quem entrou na casa tinha a chave.

O celular de Hotchner tocou, era Rossi, que estava na delegacia com Morgan e ligara para avisar do desaparecimento de um dos alunos de Ryan Connor. Ao final da ligação, Hotch contatara Garcia para pedir informações sobre o tal Aidan Edwards.

–Hum… Vamos ver… - ela estava no viva-voz - Uau, aqui está algo impressionante. Aidan é uma espécie de garoto prodígio, é claro que não é um Dr. Reid - Spencer franziu o cenho diante a declaração, seu cabelo constantemente desgrenhado caia nos olhos. Estava diferente, não parecia mais aquele garoto que eu conhecera anos atrás. - mas mesmo assim não deixa de ser louvável, porque, aliás, é impossível existir dois Reid’s em um universo, simplesmente desequilibra as coisas.

–Qualquer coisa que ligue ele aos crimes? - perguntou Hotch.

–Hum… Deixa eu ver… Pelo histórico, ele com certeza deve conhecer a tal obra que pode ter inspirado os primeiros homicídios, mas fora isso, nada. Sério, sinto até agonia em olhar uma ficha tão limpa e perfeita.

–Então… Aidan ou Ryan? - perguntei e a resposta pairou no ar por um tempo antes de ser respondida.

–Há alguma ligação entre esses dois que perdemos - J.J apontou enquanto olhava a foto de Aidan enviada por Garcia para o seu tablet.

–Eu vou ao apartamento do Aidan e vejo se encontro alguma coisa - disse.

–Tudo bem, Reid vai com você. Eu e J.J vamos ao necrotério ver as outras vítimas.

–Acho que Reid seria muito mais útil aqui, talvez haja algum detalhe que perdemos e ninguém seria melhor para encontrar - falei, detendo a saída de Hotchner e J.J. Aaron lançou um olhar na minha direção que eu conhecia muito bem. Ele estava me testando, analisando e, ironicamente, fazendo meu perfil.

–Reid, você vai com agente Weston - o doutor assentiu, sem contestar. E eu me senti como aquela criança birrenta que não tem o que quer. Respirei fundo e sorri para Spencer.

–Vamos nos divertir um pouquinho?

Ele nem ao menos me lançou um segundo olhar. Simplesmente entrou no carro e demorou muito até que um de nós começasse a falar. Sim, estava preparada para aquilo, mas costumávamos ser grandes amigos. Assim como Gideon, ajudei Reid na sua adaptação a BAU e o tinha em grande estima, sempre acreditando em seu potencial. E, mesmo assim, aqui estávamos nós. Dois estranhos.

–Sinto muito - disse, por fim.

–Pelo que? -seu olhos estavam fixos no caminho e eu imaginei que ele poderia até mesmo estar decorando o padrão de cores das casas.

–Por tudo. Primeiramente por ter falado com você daquele jeito naquela hora. - ele não respondeu - Soube que você levou um tiro no pescoço e ficou muito mal…

–Não foi você quem atirou. E essas coisas acontecem em trabalhos como o nosso, você deve saber disso.

–Ok. Então eu sinto pela partida da agente Blake, sei que vocês eram próximos.

–Vou sentir falta dela, mas foi para o melhor. Ela merece uma vida.

Respirei fundo mais uma vez e tentei formular as próximas palavras da melhor forma possível.

–Sinto muito por Maeve.

Foi a primeira vez que Reid não teve resposta. Mesmo com a atenção voltada para o volante, pude sentir seus olhos em mim.

–Como… Como você soube?

–Eu fui embora, Spencer, mas nunca deixei a BAU. Me preocupo com você.

–Então você ficou acompanhando nossas vidas?

–Parece meio assustador, ahn? Mas não. Eu simplesmente pedia notícias.

Ele ficou sem palavras, mais uma vez.

–Spencer? Desculpa ter tocado no assunto, eu não…Quer dizer, eu só… Ainda sou sua amiga.

–Você soube de tudo isso e nunca nem ao menos tentou falar comigo. Não, você não é minha amiga - respondeu, peremptório.

–Queria que eu dissesse o que? Se eu ligasse, você não atenderia. Queria que eu dissesse que podia contar comigo para qualquer coisa? Todos disseram isso, é o que todos dizem. E você sabe que eu faria qualquer coisa para ajudá-lo.

–Sei? -Estacionei e saímos do carro, o que pôs um fim na conversa.

A vida, na maioria das vezes, é uma piada sádica e mortal. Toda vez que nos sentimos inabaláveis, ela nos mostra nossa fragilidade perante ao mundo, nos joga no chão e enfia na nossa garganta o quanto somos pequenos e insignificantes.

O prédio de Aidan era uma espécie de construção decrépita que me fazia lembrar o lugar onde eu morei quando precisava me manter e pagar a faculdade. Não tinha porteiro e não oferecia nenhuma resistência para quem quisesse entrar. O endereço que Garcia enviara indicava que o estudante morava no penúltimo andar e, como o edifício não tinha elevador, subimos todas as escadas até lá.

É horrível para meu ego admitir que minhas pernas estavam um pouco bambas depois dos oito lances, aliás, é de se esperar que aos 35 uma agente do FBI estivesse em melhor forma, mas eu não trabalhava em campo há um bom tempo e sim, estava desacostumada com esse tipo de vida. Precisei esperar um pouco para estabilizar minha respiração antes de bater na porta do apartamento.

E foi exatamente aí que as coisas começaram a dar errado. Primeiramente, eu nem ao menos olhara ao redor de onde estava, isso era um erro inadmissível até mesmo para novatos.

No exato instante em que erguia a mão para bater a porta, vi Reid sacando a arma e ouvi o trovão do tiro. Por um momento pensei que meu ouvido tivesse estourado e, congelada, não consegui agir rápido o suficiente para pegar a minha arma e defender Spencer. Muito depois eu decodifiquei a sequência dos ocorridos: no corredor mal iluminado, duas pessoas nos esperavam. Reid notara a primeira, que estava atrás de mim e atirara. Eu notara a segunda, mas não fui ágil o suficiente.

O atacante atingira Spencer na nuca com um taco de beisebol e ele caíra, recebendo dois golpes em seguida no estômago. Tirei minha arma do cinto, contudo ouvi uma pancada surda e depois um zumbido insuportável no meu ouvido direito. Quem quer que estivesse atrás de mim, se recuperara rapidamente do tiro. Provavelmente Reid não atirara para matar, deve ter sido na perna ou no ombro.

Quando caí ao chão, instintivamente chutei ao acaso esperando atingir quem quer que fosse e, por muito azar, chutara minha arma para longe. O objetivo do meu agressor era me atordoar e isso ele conseguira, mas então porque não me finalizou quando eu ainda estava ao chão? Estavam aterrorizados, as coisas saíram do controle. Nada daquilo deveria estar acontecendo.

Bom, é claro que eu pensei em tudo isso bem depois, porque naquela hora, jogada ao chão, tudo que eu queria era reagir. Levantei-me e tentei manter a guarda, recebi um chute na barriga, soquei um rosto e fui atingida nas costas. Eram duas pessoas, uma delas baleada e eu estava fora de forma. Dei uma cotovelada na que estava atrás de mim e uma joelhada na da minha frente. Era uma mulher. Consegui vislumbrar seus cabelos depois que recuperei completamente os sentidos. Branca, altura mediana, não mais que 27 anos. O que estava na minha frente era alto e forte, mas não do tipo extremamente atlético. Quase como um professor quarentão que cuida da saúde. Sim, aquele era Ryan Connor, tive certeza disso.

Não consigo dizer o que aconteceu em seguida, mas sei que eles não estavam querendo me matar, estavam encrencados demais e não queria a morte de uma agente federal nas mãos. Ryan conseguiu me desequilibrar e minha costa bateu violentamente contra o batente gradeado que cercava o corredor. Pude ver o pânico em seus olhos. Ele não iria me machucar, contudo a mulher, que fora baleada no ombro, veio até mim, suas mãos sangrentas empurraram meus ombros.

Cair no vazio é uma sensação o horrível, subitamente todo o seu peso te trai e você, mesmo depois de perceber que é tarde demais, continua se agarrando a algo. Tentando segurar-se.

Mas nunca há nada para salvá-lo.

Você simplesmente cai.