You trick your lovers
That you're wicked and divine
You may be a sinner
But your innocence is mine

Please me
Show me how it's done
Tease me
You are the one

Undisclosed Desires (Muse)

Não devia ter se apaixonado tão desenfreadamente, nem tão profundamente. Ou tão silenciosamente sufocante. Tampouco devia tê-lo privado de saber que era personificação de uma coisa – que hora era suave, noutro minuto parecia lhe roer a carne de dentro para fora. Mas claro que o senso crítico de um adulto o diria para não fazê-lo. Será que não havia uma forma de dividir a agonia? Ah, se Jim nunca houvesse os apresentado. Ah, Jim. Este só lhe trazia problemas desde que se conheceram. De qualquer forma, poderia aquela criatura passar transparentemente por suas vistas quando tinham contato - voluntário e involuntário - todo santo dia? - e quase toda santa hora, já que é quase impossível sair de um hospital?

Encarando o teto do quarto, havia quem dissesse que estava tudo bem. Logo no início da manhã ele não costumava franzir tanto o cenho. O cobertor escuro o cobria até o tórax e ele ainda respirava calmamente, sentindo o corpo despertar de modo lento, acolhido pelo calor dos tecidos que o rodeavam. Pensou em sorrir - não passou do pensamento.

Sua dor parecia – e estava começando a acreditar que era – mais psicológica que física. A cabeça latejando, como se quisesse se comprimir para logo após explodir de uma vez o dizia que já acumulava problemas de mais, que já não dormia direito havia dias e que a famigerada cafeína não fazia mais tanto efeito. Seus olhos pesavam, seu interior pedia paz e era pelos orbes que essa súplica se projetava para fora. Mesmo que soubesse que seu despertador já havia se desesperado algumas vezes, lutava para se mexer.

Seria pedir de mais para que o mundo parasse por pelo menos uns cinco dias? Ou que as pessoas simplesmente fossem imunes a qualquer tipo de doença? Ou que sua vista embaçasse cada vez que passasse por alguém e seus neurônios altamente castigados soubessem como ignorar essa situação?

Não adiantava respirar fundo porque já não existia mais oxigênio no mundo que clareasse sua mente. Sentia como se sua cabeça fosse a própria Terra e que o efeito estufa estava atacando-lhe diretamente, então estava tudo cheio e congestionado e abafado e ruim.

Sabia que se colocasse os pés para fora da cama, nunca mais iria pô-los no chão.

Por isso, no mês anterior havia coberto todo o assoalho com um carpete claro. É, não havia mais desculpas. E ele suspirou de novo.

Sua conduta era extremamente antiprofissional e ele sabia disso, mas muitas vezes se pegou distraído, pensando no porquê de um dos jovens residentes daquele lugar o havia chamado tanto a atenção.

Quase quinze anos de profissão e nada o tinha preparado para aquilo. Nada, nada dizia sobre jovens empolgados e com sua vozes suaves eles iriam pedir instruções. Ninguém escreveu artigos sobre cabelos dourados, também encaracolados, ou sobre olhos oceânicos gentis e sagazes; muito menos sobre o poder de persuasão ou as habilidades com enfermos mais difíceis. A paciência, então? Nunca publicaram um documentário sobre gargalhadas em sucintas horas de folga ou flertes involuntários. Ou sobre bochechas rosadas.

Não havia revistas de saúde dizendo que esses fatores poderiam produzir sensação de total inutilidade no início do dia e que o desempenho nas atividades só saia como planejado quando um dos integrantes do grupo de residentes vinha lhe dizer um bom-dia caloroso e carregado de um sotaque russo que ele, sinceramente, não queria que fosse perdido.

"Ah, que calamidade. O fundo do poço, não parece? Espera teus olhos encontrarem com os dele novamente", foi o que o inconsciente sussurrou. Ele largou a mão no próprio rosto e, lamentando o que sua mente o obrigaria a lembrar, viu-se pensando em jovens promissores. Russos.

Então, Leonard disse bom-dia para si mesmo, espalhou as cobertas ao lado do corpo e levantou.

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Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.