Underwater

O sonho e um velho amigo


-O QUE?!- Gritei.

Tapei minha boca com uma das mãos e outra permaneceu agarrada a coluna. Só podia ser brincadeira, só podia ser brincadeira. Tinha que ser brincadeira.

-Que barulho foi esse?- Ela perguntou alarmada. - Tem alguém aí?

Por alguns segundos permaneci em silêncio, eu até tinha parado de respirar por alguns instantes. Meu coração estava acelerado, eu tremia e não era pelo vento frio da noite, era de completo nervoso. De raiva.

-Não estou vendo ninguém. -Papai falou.

Ambos sentaram-se no píer, ela balançava os pés para frente e para trás.

-Vamos finalmente ficar juntos, eu você e nosso bebê.- Ela disse empolgada.

A palavra “bebê” ecoou pela minha mente, que no momento estava um caos. Ela estava grávida?

-Sim eu, você, o bebê e mais ninguém.

Naquele momento soltei um riso sarcástico, será que ele esqueceu de seus dois filhos? Se é que em alguma vez na vida ele lembrou de nós, agarrei os cabelos com raiva, grunhi baixinho afundando no mar.

-Ah, mas e a ursinha? Nossa cadelinha tem que viver conosco.

-Tudo bem, a ursinha também.

Ah não! Brincadeira né? Papai nunca nos deixou ter nem um peixe, mas com essa vadia… Argh. que ódio!

-O que é isso?

-Um presente. Para quando você precisar comprar roupas para o bebê.

-Aqui tem muito dinheiro! Obrigada meu amor.

Isso foi a gota d'água, ele deu dinheiro pra ela. -Puta merda-pensei afundando silenciosamente, eu não sabia como nadar com essa cauda, mas eu daria um jeito, ficar nessa merda de lugar eu não ficaria. Nadar como uma humana, ou pelo menos tentar, não daria certo já que faria muito barulho e demoraria uma eternidade para eu sair do lugar.

Eu teria de aprender a nadar como uma sereia, já que no momento eu era isso. Juntei as mãos e estiquei os braços, como eu tinha aprendido na aula de natação, bati levemente a cauda para cima e para baixo, tinha funcionado? Sim, mas não com tanto êxito. Decidi usar minha mão como guia, então tentei denovo, nadar daquele jeito era estranho, mas divertido. Eu parecia ter me mesclado as ondas do mar, me movendo em sincronia com o movimento dele, o frio não se fazia mais presente e quando percebi, eu nem segurava mais o ar, já que não era necessário. Meu corpo fazia parte do mar e o mar parte de mim, era como se eu tivesse nascido para aquilo.

Coisas que eu jamais veria, eu vi. Esses minutos que eu quebrei o castigo, foram suficientes para esfriar minha cabeça, nadar realmente me agradava, principalmente do ângulo que eu estava e sem ter que sair para respirar, minha visão assim com minha audição, estavam perfeitas, por isso eu conseguia ver cada peixe e coral de Dovii, que não eram poucos a propósito. Tudo tão colorido e vivo,e ao mesmo tempo sombrio e escuro. Percebi que eu não sabia para onde estava indo. Decidi ir até a superfície. O ar continuava frio e o céu estava limpo cheio de estrelas, olhei para a praia que estava surpreendentemente vazia, nadei até a mesma. Me arrastei pela areia até um local seco, não vou mentir foi difícil. Fiz o mesmo truque de antes curvando a mão devagar até ficar em punho.-Eu to adorando isso- pensei sorrindo. Minhas pernas voltaram e eu me levantei limpando a areia e caminhando descalça. Sim, infelizmente eu tinha deixado meu chinelo em casa, nem mesmo tinha me lembrado dele quando sai.

Entrei em casa na ponta dos pés, depois de ter lavado a areia dos meus pés no tanque e ter caído no chão, foi burrice minha lavar o pé sabendo que eu iria virar peixe, mas eu não tinha me acostumado ainda, não é todo dia que você acorda e toda vez que toca a água aparece uma cauda em ti. Não é normal, não tem como me acostumar. Chegar na ponta dos pés não foi o suficiente, até porque quando passei pela cozinha a luz se acendeu e eu dei grito.

-Que bonito hein.- Tereza disse cruzando os braços. - Sorte sua que sou eu e não a tia Lúcia, se não tu tava fudida, mas não duvido nada que ela acordou com esse teu berro da cabrita do Himalaia.

-Lógico, eu tô chegando no modo 007 e você acende a merda da luz do nada, quer me matar do coração?

Ela deu de ombros.

-Talvez.- Ela disse inocentemente, olhei-a com uma falsa indignação.- Mas fala ai.- Ela disse andando até a mesa e se debruçando sobre ela.- Quem tu foi dar uns pegas?

Ri sem ânimo e me sentei na sua frente.

-Antes fosse isso.-Suspirei.

-O que aconteceu?

Contei a ela tudo que aconteceu, Tereza arregalou os olhos e perguntou:

-Mas você não gravou ou algo do tipo?

-Não. Infelizmente estava sem meu celular.

-Mas tu é uma jega mesmo.

Olhei-a brava, cruzando os braços e inflando as bochechas.

-Mas é verdade, como provaremos que ele está fazendo alguma, se nem provas temos. Sem provas, a vantagem é dele.

-Sim, mas… Pera que?- Perguntei arregalando os olhos.- Como assim Tereza.

-Vamos vingar sua mãe! Seu pai, desculpe-me, é um merda. - Concordei dando de ombros e ela .continuou.- Sua mãe não merece isso, ela merece no mínimo um templo e muito ouro, já que ela a maior deusa grega que já existiu, mas voltando, se ele fizer ela sofrer teremos uma grande arma em mãos.

-Vingança, suborno. Tereza meu amor, sei que você é desprovida de bom senso, mas sério, o que que está acontecendo mulher?- Perguntei.

-TPM.- Maravilha, terei que fazer um estoque de chocolate.

Demos um pulo ao ouvir a porta se fechar e parece que outra pessoa tinha chegado, sabíamos muito bem quem era, fechamos a cara e nos encaramos por breves momentos, o necessário para passarmos via telepatia a seguinte mensagem “vamo vaza, se não ele tá fodido”. Saimos dando de cara com ele, Fernando.

-Oi tio Fernando. - Tereza sorriu amarelo. Permaneci com a cara emburrada.

- O que estão fazendo acordadas a essa hora? - Ele perguntou cruzando os braços.

-Nada.- Tereza, disse me puxando pelo braço.- Boa noite.

Ele deu de ombros.

-Boa noite meninas.

Tereza cutucou meu braço e eu grunhi.

-Boa noite… pai.- Eu disse a última palavra com uma pitada de ódio.

Subimos as escadas até meu quarto. Me joguei na cama de bruços e gritei, mas o grito foi abafado pelo colchão.

-Tu quase voou no pescoço do teu pai.- Ela disse deitando no colchão dela. Praguejei baixinho ao ouvir pai.

-Primeiro: não quero que chame esse… esse lixo, de meu pai. Eu estou passando a acreditar que a cegonha que me trouxe ou que minha mãe me fez com o dedo.- Me deitei ao seu lado.- E segundo: só não voei porque você é estraga prazeres e me atrapalhou.

-Você tem que ser sigilosa, pense, se quer prova, não o deixe desconfiar de nada. Vamos fingir que não sabemos nada e que tudo que você disse ou fez foi apenas um dos seus muitos ataques de TPM.

-Quem tem ataques de TPM é você.- eu me cobri.

-Tanto faz!- Ela levantou-se para apagar a luz e deitou novamente.- Boa noite.

-Boa noite.

Acordei assustada, olhando para os lados, eu não estava em minha casa,e em lugar nenhum. De repente uma garota morena sentou-se ao meu lado, logo depois um garoto pálido de cabelos ruivos chegou sentando ao seu lado.

Um sorriso nasceu no rosto da garota e eles se abraçaram e o cenário do nada virou um tudo. Grama verde nasceu a nossa volta, flores e árvores também, um rio passou correr a nossa frente. E o sol se punha pintando o céu de escarlate. Eu não entendia o que estava acontecendo, não sabia onde eu estava, nem quem era esse casal ao meu lado. Suas roupas não eram como as nossas tradicionais, a garota usava um vestido branco e leve, o garoto já trajava roupas mais formais e de época.

Afundei meus pés na grama inalando o cheirinho das flores, o casal levantou e andou até o rio a garota beijou lhe o rosto, ela estava prestes a entrar na água quando ele a puxou para um beijo apaixonado. Corei instantaneamente tapando o rosto.

-Clara!- Alguém gritou em meus ouvidos, pulei de susto vendo a mesma garota. O cenário tinha mudado drasticamente, estávamos em uma praia e a lua cheia brilhava sobre nós, o vento batia forte contra meu rosto e o mar fazia uma sinfonia gostosa para meus ouvidos. - Está na hora vamos.

Levantei-me sem forças. Cambaleei e fui segurada por alguém. Um garoto, ele me pegou no colo.

-Está quase na hora, poupe suas forças.- Ele disse me apertando com força e beijando minha testa. Aconcheguei-me em seus braços. Adormecendo.

-Clara.- fui chamada baixinho.- Clara. Clara!- Eu acordei aos gritos com Tereza me gritando do meu lado. -Tu ta atrasada!

-Pra que?- perguntei sonolenta. Então a ficha caiu eu estava de castigo.

Bufei me levantando, me dirigindo para o banheiro. Fiz o impossível para escovar o dente sem molhar a boca, depois voltei para o quarto onde Tereza tinha voltado a dormir, me vesti com um short e uma regata preta. Peguei meu celular e coloquei no bolso, desci a escada e a casa estava incrivelmente silenciosa. Fernando, Lucas e mamãe devem estar dormindo. Dei de ombros e saí de casa tomando cuidado para não acordar ninguém.

Cheguei lá, e fui recebida por Rebecca que me guiou até a área de funcionários e me entregou a blusa do uniforme vermelho e azul. Agradeci e fui me trocar.

O dia passou como uma lesma, a clientela pareceu ter triplicado e tive que ficar zanzando por aí, de um lado para o outro. Minha pernas doíam como nunca antes, estralei os dedos das mãos. Graças ao altíssimo meu trabalho ali tinha acabado, tirei aquela blusa e pendurei em uns ganchos que tinham lá.

Meu celular vibrou em meu bolso, peguei o e vi que era uma mensagem de Tereza

“Trás suco pq eu fiz torta”

~Cremosa

Todo meu árduo trabalho seria compensado pela torta da Tereza. Saí pela porta dando de cara com uma pessoa.

-Me desculpe.- dissemos juntos. Eu tinha esbarrado com um garoto um pouco mais alto que eu, ele tinha cabelos negros e olhos mel, parecia não ser muito musculoso, mas também não tinha cara de quem era varapau.

-Não suave. - dissemos novamente.

Eu ri e ele também, estendi a mão e ele aceitou.

-Prazer Benjamin.- Ele disse sorrindo, e que sorriso!

-Prazer Clara.- Eu retribui o sorriso.

-Clara? Sou eu James. Benjamin James.

-James! Nossa cara! Onde você esteve o verão inteiro? E como você mudou!- Eu disse em um fôlego só, James ou Benjamin, como preferir, é meu amigo e meu ex-crush, nunca tive coragem de me declarar, eu achava que ele me daria um fora por causa das minhas constantes alucinações.

- Eu fui visitar um parente lá na onde Judas perdeu as meias.

-Ué? Não é as botas?

-Ele perdeu na cidade vizinha.

Eu ri.

-Então o senhor além de mudar a aparência virou piadista.- disse andando e ele me seguiu.

Andamos e conversamos até o mercado eu comprei um suco de uva, o favorito de Tereza. Convidei-o para comer e ele sem rodeios algum aceitou. Já era de se esperar do James, chegamos em casa tagarelando e rindo. Tereza nos recebeu brava por eu ter demorado mas ficou feliz ao ver James ao meu lado.

-James!- Ela abraçou ele. Olhei-a com cara de tacho, ela o tinha reconhecido mais rápido que eu.- Eu falava com ele por chamada de vídeo. Não sou anti social como você.- Ela me mostrou a língua.

-Vamos comer? - Perguntei mudando de assunto, eu não era anti social, só que o celular piorava minha dor de cabeça e fones então, Deus me livre. Eu sempre evitava ligações de vídeo entre meus colegas que geralmente ocorriam na madrugada, era necessário fone para que minha mãe não acordasse com os berros deles. Uma vez eu participei e quase entrei em colapso, a dor era insuportável.

Sentamos todos na mesa e comemos rimos lembramos de vários acontecimentos passados.

-Ai a Tereza escorregou e caiu certinho de cara no bolo.- Todos explodimos em gargalhadas enquanto Tereza fazia uma falsa carranca.

Tereza e eu nos calamos quando ouvimos a porta bater, mamãe e James continuaram a rir, meu pai chegou e se sentou junto com a gente na sala, ele pegou uma torta e beijou a testa da minha mãe, quase vomitei perante tamanha falsidade. Tereza tocou minha mão, pedindo silenciosamente para que eu me acalmasse. E assim o fiz, bom tentei.

-Olá senhor Fernando.- James sorriu lhe estendendo a mão. Fernando olhou-o nos olhos.- Sou eu Benjamin, Benjamin James.

-Ben!- Ele lhe comprimentou alegre.- Quanto tempo pirralho! Como cresceu.- Nisso meu pai bateu o braço no copo de Tereza que estava vazio porém que caiu sobre o prato de bolo que bateu na jarra, que me molhou por inteira. Entrei em desespero, levantei-me para correr para algum lugar porém escorreguei e caí no chão, todos riram, poxa será que eles não sabem que é questão de vida ou morte?- Talvez nem tanto- ah é mesmo eles não sabiam. Levantei-me novamente correndo como um pato para meu quarto, no exato momento em que eu entrei e tranquei a porta eu caí de bruços no chão.

Pousei minhas mãos sobre a cauda fechando-as em garra lentamente, o calor percorreu meu corpo novamente e tchan! Eu já estava seca. Me levantei espantando uma falsa poeira da roupa, quando reparei algo, a mancha de suco não tinha permanecido, ela sumiu como se nunca estivesse lá antes. Dei de ombros e levantei o olhar para a janela rapidamente quando vi um vulto na casa vizinha, era um tipo de pássaro com asas grandes, não! Não parecia ser um pássaro era grande demais, sua silhueta era como de um homem, mas eu não conseguia ver direito já que o sol batia contra ele, quando ele percebeu meu olhar ele bateu asas e voou.