Underwater

Entre dois mundos


Duas semanas depois

Tudo estava voltando aos eixos. Isso aos poucos, eu finalmente ia voltar pra escola, as meninas se recusaram a me contar o que aconteceu e eu só de birra também recusei contar a elas sobre eu ser a tal escolhida. A rainha também não falou muito comigo, Yêva e Jefferson eram minha única companhia naquele castelo, de vez em quando eu via sombra de um garoto me seguir.

O rei não deu sinal de vida, a princesa e o príncipe mais novos não se pronunciaram também era como se nem estivessem lá. Mas o pior de tudo foi quando mamãe acordou, alguém calculou errado e minha mãe tomou um pouco de soro a menos, acordando antes do tempo. Ela apenas acordaria em casa no conforte de sua cama, eu poderia inventar qualquer desculpa qualquer, mas Jefferson fez o favor por mim. Ele disse que era um professor meu e que eu tinha ligado dizendo que ela passava mal.

-Então estou em um hospital?- Perguntou ela com voz fraca e falha. Assentimos.

Minha mãe abaixou a cabeça e começou a chorar, começou como um simples derramar de lágrimas que evoluiu para mais que soluços e murmúrios, ela tremia e tossia, olhei para Jefferson em desespero antes de correr para a cama e amparar minha mãe, abrace-a com força trazendo sua cabeça para meu peito.

-E-ele foi embora… Ele me traiu, não é?- Ela questionou trêmula, eu não podia mentir, era melhor agora do que depois, eu estava tão focada nas outras coisas que o fato de Fernando existir estava nulo. Mas agora a realidade me esmurrou, me trazendo de volta a tona, meu mundo era muito mais que esse castelo.

-Sim..- Respondi com voz fraca.Me vi em lágrimas.

Achar que aquilo não me afetaria era tão estúpido, no final de tudo Fernando tinha sido meu pai, mesmo que vivendo tão pouco em minha vida, ele era meu pai, me carregou em seus braços e talvez um dia ele tinha me amado, como eu mesmo não querendo o amava, mesmo contra minha vontade ele era meu pai. Vi pelo canto do olho Fernando desaparecer pela porta e voltar logo depois, ele estava desesperado, me chamou com a mão e mesmo eu querendo me aninhar a minha mãe para sempre, eu precisava ver o que era sua cara não me davam boas esperanças.

-Mamãe, vou sair por uns minutos.- Ela negou com a cabeça- Eu vou voltar, eu prometo.

Me desaninhei dela para caminhar até a porta onde Jefferson e a curandeira se encontravam Tulla se não me engano.

-Sinto muito senhorita.- Ela começou com voz triste e solene, o fato dela apenas proferir essa frase me fez entrar em pânico.- Ela teve um aborto espontâneo a três dias.

Me vi confusa.

Aborto espontâneo.

Mamãe estava grávida.

Estava.

Levei a mão aos lábios, eu teria um novo irmão, mas…

-Ela estava com quantos meses?- Questionei para Tulla que franziu a testa.

-Você não sabia?- Parecia preocupada, mas ela já tinha me contado. Neguei com a cabeça.- Oh Céus, ela estava entrando em seu quarto mês.

Levei a mão a boca perplexa demais para sequer comentar, ou qualquer coisa relacionada. Senti perder a firmeza das minhas pernas e o equilíbrio era difícil demais para se controlar. Minha visão ficou embaçada. Será que não tinha apenas uma coisa que não tinhamos perdido?

Será que eu teria paz em algum momento da minha vida?

Mas nada disso era pior que o fato de que eu precisava contar para minha mãe, uma mulher arrasada de uma recém descoberta traição, que seu filho que ela nem sabia carregar morreu.

Olhei para minha que olhava para as cobertas da cama.

Por Deus, como contar?

Olhei para minha mãe sentada do outro lado da mesa, ela estava tentando, estava mesmo. Mas era difícil para ela não colocar um prato a mais na mesa na esperança que seu marido voltasse, era difícil ter um lugar vago na cama, tudo era difícil. E o pior de tudo ela o amava.

Todavia minha mãe estava agindo mais responsável que nunca, mas estava frágil e eu era o suporte dela, ela sempre fora meu suporte, agora eu sou o dela. Na última semana me descobri entrando em uma rotina cansativa, onde minhas madrugadas se resumiam em cuidar da mamãe sempre que ela acordava entre gritos e lágrimas, e cuidar de Lucas e da casa de dia tentando sempre evitar a palavra pai ou o nome Fernando, ainda haviam tardes em que eu fugia para ir ao castelo com Jefferson, lá eu treinava um pouco com Montana e de vez em quando com instrutores.

Levantei-me e peguei os pratos vendo mamãe guiar um Lucas sonolento até a cama,no segundo andar. Coloquei os pratos na pia, mamãe sempre os lavava e nem se importava em reclamar por eu não fazer, nesse últimos dias em que voltamos para casa eu fazia tudo que podia.

Ela entrou no banheiro e essa foi minha texa, corri até meu quarto e peguei minha bolsa, está que continha todas minhas armas, no final de tudo aquelas armas que me foram dadas na luta ficaram para mim. Agora eram minhas e Montana me ensinava a usá-las.

-Manhê!- Gritei batendo na porta do banheiro. Ela respondeu com outro grito.- Tô saindo.

Okay. Minha mãe com certeza achava que eu iria para uma festa por trauma ou algo assim, mas talvez isso fosse mais plausível do que meu verdadeiro destino está noite, o castelo siren, cujo o reino eu não sei o nome.

-Não volte tarde.- Ela apenas respondeu.

-Eu te amo.

Sem respostas, suspirei e olhei para o chão, eu sabia que as coisas estavam difíceis para ela, mas o que eu menos queria era frieza, porque eu também sofria. Eu estava inquieta, mas não esperei mais, desci as escadas e sai pela porta batendo com força ao fechar.

Limpei uma lágrima que escorreu pelo meu olho.

-Eai sereia…- Jefferson saudou, apenas acenei com a cabeça. Ele franziu o cenho.- Ih… Vai me contar o que tá acontecendo ou vai continuar com mistério que nem você fez a semana toda?

Fechei a cara e caminhei até a moto pegando o capacete que eu costumava usar.

-Não enche.- Murmurei irritada.

Ele ergueu as mãos em forma de rendição e colocou o próprio capacete, montamos e ele saiu cantando pneu.

Eu não gritava mais quando ele ia com sua moto na velocidade da luz, mas confesso que o medo ainda me possuía, mas desde que ele me levou a Micaal voando há dois dias, não sei se tenho medo da moto ou dele. O fato da frieza do meu lar me afetar talvez me fizesse ignorar tudo.

Agradeci por ele não abrir a boca respeitando meu mau-humor, mesmo ele não percebendo eu o abraçava mais forte com o rosto escondido em suas costas, a questão era que Jefferson lembrava meu pai, só que com cabelos repicados e sorriso maroto, ele era mais presente do que Fernando um dia já foi.

A moto parou e eu me soltei dele, chegamos a um beco, não, o beco, lá naquele cantinho recheado de mendigos nos embrenhamos pela escuridão e fomos até uma porta de ferro velha. Abracei minha bolsa fazendo o som metálico das armas afastar a mulher que se aproximava aos poucos, ouvi ela praguejar e murmurar que estava cansada de seus visitantes ser “um deles”. Talvez ela só queria alguém para roubar.

Jefferson abriu a porta com um estalo e se afastou para que eu entrasse primeiro, fui de cabeça baixa sentindo a mágica arrepiar os pelos de meu corpo e logo depois eu estava ali, diante do castelo no reino dos Sirens.

-Bem-vinda a Akiren.- Jefferson deu batidinhas em meu ombro me despertando do transe.

O segui.

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-Desembainhar.- Montana gritou a mim e assim o fiz, retirei a espada pesada do cinto e me coloquei em posição de ataque.-Defesa!- Gritou, afastei a espada e ergui o escudo que eu tinha achado na forja.- Ataque!- Novamente trouxe a espada para frente apunhalado o ar, sem sair da posição de defesa.- Ataque!- Ela gritou novamente, bufei e fiz o escudo retornar a forma de relógio. Levantei a espada e arrumei minha postura, ataquei o ar com velocidade.- Certo, recolher arma.

Larguei a espada no chão e me sentei.

Três horas e meia de treino com espadas e agora começaria o treino com arcos e flechas, descobri odiar arco e flechas.

Okay eu tinha ficado animada.

Hey! Arco e flecha!

Mas aí as aulas com Montana começaram, postura, mira, força, precisão, técnica, blá blá blá… Eu odeio esse negócio de aprender coisas novas, é um saco, pelo menos os arcos que usávamos eram mais leves que os usados em campeonatos, não tinha todas aquelas corda e isso ai, eram leves e mágicos, davam apoio e estavam ligados a você.

Mas o treino não deixava de ser essencial, afinal era necessário controle do arco e da magia que ele possuía.

Murmurei um xingamento desconexo e peguei o arco do chão, Montana me instruiu a ficar em postura, envolvi minha mão pelo cabo fino e polido do arco, olhei em volta procurando uma flecha.

-Onde estão as flechas?-Perguntei a Montana que pegava o próprio arco arqueei as sobrancelhas, vendo uma ela puxar a corda e uma flecha se materializar, era fogo puro e dançava sem deixar sua forma de flecha, Montana a soltou e ela voou até o alvo explodindo-o.

Abri a boca sem palavras, eu desejei nunca ser um alvo da Montana, mas aí eu lembrei que eu já tinha sido um alvo da Montana. Então dei de ombros e a olhei, esperando sua resposta.

-Invoque-a.- Foi simples e direta. Arqueei as sobrancelhas e a olhei duas vezes tentando achar um resquício de brincadeira. Montana nunca brincava.- Fique em posição.

Ela ordenou e eu voltei a posição que ela havia me ensinado, entretanto sem flecha, concentrei minha mente tentando criar algo, como assim invocá-la?

Abri a boca quando uma faísca surgiu, um brilhinho leve e falhado, tremeluziu antes de sumir, fechei a cara, certo, chega, cansei. Deixei o arco cair no chão e me sentei exausta, tudo bem eu só invoquei uma faísca, mas humano nenhum sabe o quanto magia cansa, principalmente quando nunca se teve contato deste tipo antes. Montana cruzou os braços e fixou o olhar em mim.

-Certo.- Prendi os lábios em linha fina quando ela começou a falar, seu tom ameno até mesmo me assustou.- O que está acontecendo?- Perguntou, se sentando ao meu lado.

Não respondi.

Os motivos eram básicos e claros.

Eu me acostumei com o fato de ser sereia, eu amava, mas era difícil, o fato de James estar ficando com Luana não me afetava tanto quanto antes, mas eu queria sumir sempre que os via, claro minha recente descoberta queda por Vilj me deixava furiosa e nossa distância né destruía, para piorar tudo eu era escolhida e eu nem sabia para o que, não sabia o que fazer e que vidas estavam em jogo, mas o bônus, a cereja do bolo, o milho da merda era o fato da minha família ter sido destruída.

Tudo cooperava para que eu quisesse explodir, ou querer que o mundo explodisse, eu só tinha a droga de catorze anos e minha vida inteira era baseada em sofrer.

Levei a mão aos olhos limpando-os das lágrimas que nem haviam escorrido ainda, se antes eu era reclusa agora eu era um baú enterrado.

-Certo, chega de treino.- Ela suspirou e eu me assustei mais, Montana suspendendo treinos, aquilo sim era novo.- Vamos nos entender. Eu e você somos uma equipe, você querendo ou não eu estou aqui por você.- eu só pude franzir a testa de forma ridícula.

-Você quer dizer que além de treinar nós teremos sessões de auto ajuda?- Perguntei irônica. Quando eu tinha me tornado tão antipática?

Ela suspirou e assentiu, eu soltei um riso desacreditado.

-Isso...Eu... Não.-Neguei com a cabeça ainda rindo.- Isso só pode ser uma piada.- Me levantei.-Eu...Estou cansada! Cansada de você e da sua rainha.- Gritei para Montana, ela impassível assentiu e eu continuei.- Cansada desses treinos idiotas.- Chutei o arco com raiva.- Cansada da minha casa, cansada da Kaila aquela maldita, uma dia eu ainda vendo essa piranha no mercado negro.- Resmunguei e olhei para Montana ela não se pronunciou momento algum.- Eu tô cansada de ter que esconder meu nome, “hey Nuit” pra cá, “olha a Nuit” pra lá. MEU NOME NÃO É NUIT, QUE PORRA.- Pisei com força.

Ofegante andei de um lado pro outro meu corpo parecia ter sido liberto da tristeza e agora tudo parecia ter sido possesso por ódio.

-E o Fernando?- Perguntei para mim mesma, colocando as mãos na cintura e gesticulando com a cabeça, completamente nervosa.- Eu odeio ele, ele destruiu minha família, ele destruiu tudo!- Afundei os dedos no cabelos e me sentei de novo perto de Montana.

-Terminou?- Ela perguntou, assenti.- Ótimo… Eu entendo seu nervosismo, seu ódio e sua confusão. Mas é o seguinte, no campo de batalha eu quero que você concentre todo esse ódio, rancor e raiva no arco, imagine o alvo sendo todas as suas preocupações e a flecha a solução dos seus problemas. E simplesmente atire.

Suspirei e me levantei para tentar.

-Mas… Não faremos isso hoje.- Ela me interrompeu.- Você precisa descansar. Vou pedir para chamarem o Jefferson.- Ela disse e eu recolhi minhas coisas.- Amanhã não venha, tire o dia para se acalmar.

Parei para olha-la, o rei havia sido claro, treinamento intenso todos os dias, eu precisava estar à altura. Mas Montana sorriu, estranhamente linda e piscou para mim:

-Eu invento uma desculpa, fica tranquila.- Murmurou sorridente com lábios ainda repuxados em um adorável sorriso.

Assenti e lhe acenei com a mão antes de sair pela porta, mas parei voltei e devidamente lhe agradeci:

-Obrigada Montana. Por tudo.

-Somos uma equipe, eu disse. Aqui por você.

Sorri e sai correndo.

Enquanto corria pelo castelo em direção às grandes trombei com alguém e logo praguejei em minha mente, odiava cruzar com qualquer um deles, eles sempre reagiam de formas diferentes, alguns me olhavam como se eu fosse uma deusa e outros como se eu fosse um lixo, era insuportável o que diziam e como me viam, por isso me afastei e me levantei ergui a cabeça e pasmei.

Eu reconhecia o brasão e as cinco máscaras da família real, os três príncipes sempre as usavam como se fossem parte sua pele acompanhados sempre de seus capuzes, a única que a identidade eu vira era Yêva, os outros dois não me importava.

Me levantei, limpando a sujeira da roupa que eu usava, eu ainda tinha que me trocar, bufei. O garoto, príncipe me olhou de cima a baixo, com sua máscara de águia branca e seu capuz negro, eu não sabia seu nome, nem podia ditar sua aparência.

-Nuit?- Ele perguntou, me perguntei se era de família ter uma voz gostosa pra caralho.

Cruzei os braços e ergui as sobrancelhas.

-Não, a Xuxa.- Peguei minhas coisas no chão e me virei, eu queria mesmo ir para casa, ou dar uma fugida para o mar.

-Pensei que a escolhida seria bonita e educada, vejo que nenhum dos dois você é.- Emburrada parei com suas palavras, me virei lentamente.

Ri sarcástica.

-Você não consegue nem ver meu rosto cara.- Ressaltei, apontando para a máscara.- E mais nem me conhece para tirar tal conclusão.

Me virei para ir embora.

-Creio que se fosse educada o suficiente responderia com a devida...Como posso dizer…? Educação.

E com um ato de intensa maturidade eu ergui minha mão para ele ainda de costas, juntei todos meus quatro e os juntei o com dedão repetidas vezes.

-Fala com a mãozinha.

Muito maduro Clara, muito maduro.— Revirei os olhos pra mim mesma deixando o príncipe pra trás resmungando algo sobre eu ser sem educação.

-Onde você tava?- Perguntou Jefferson quando finalmente saí do vestiário com minhas roupas de Clara e não de Nuit.

Suspirei.

-Me desculpe tive um pequeno problema com um dos membros da família real.- Jefferson parou de abrir o portão/portal/porta de ferro para estapear a própria face.

-Não me diz que discutiu com a rainha de novo?- Ele perguntou se apoiando na porta, neguei.

-Conheci um novo membro da família real.- Passei pela porta deixando-o para trás.

O ouvi suspirar e vir atrás de mim.

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A moto de Jefferson parou no Sereia e eu o olhei de forma interrogatória, ele apenas deu de ombros e entrou, tirei minha bolsa do banco e o segui em silêncio. Entramos no estabelecimento animado, hoje era quinta e às quintas eram sempre animadas aqui.

Jefferson se sentou e me chamou para acompanhá-lo, o fiz.

-O que quer?- Questionou olhando para o pequeno cardápio a mesa, eu sabia os pedidos na ponta da língua, mas apenas cruzei os braços e respondi:

-Eu não tenho dinheiro aqui.

,-Fala o que quer logo, eu vou pagar.

O olhei desconfiada.

Sabe a frase “eu vou pagar” é tão pouco dita que quando ouço eu até me assusto. Queria perguntar para ter certeza, mas preferi apenas pedir um hambúrguer de camarão e uma macarronada com frutos do mar, nada para beber. Eu beberia água do mar mais tarde.

Não questionou o fato do pedido ser relativamente grande, apenas sorriu e comentou algo como “típico de sereias”. Não entendi direito.

Nossos pedidos chegaram e embarcamos em uma conversa engraçada, tão diferente dos nossos diálogos costumeiros, esses recheados de provocações, eu me arriscava a dizer que a conversa foi a melhor que um dia tivemos.

Terminei meu sanduíche e quase engasguei ao rir de algo que Jefferson dissera. Ele tentou me acudir, mas depois de algumas tosses e uns tapinhas nas costas eu voltei.

-Não brinca!- Disse desacreditada ele deu de ombros sorrindo e voltou a comer seu segundo x-tudo.- Ah cara, você derrubou mesmo uma sopa de mariscos na embaixadora?- Gargalhei.

-Eu não gostava dela, ela não gostava de mim, mas foi meio tarde quando eu percebi que ela gostava de mim. No final ela sempre estava tentando chamar minha atenção.- Ele limpou o canto da boca com a língua e focou os olhos negros em seu refri.- E além de ela ser chata eu tinha minha garota.- Ele sorriu.

Sorri também.

-Qual é o nome dela?- Perguntei sorridente ele sorriu mais como se amasse que tocasse neste assunto.

- Marielle.- O nome e o jeito que ele o disse foi tão lindo que parei de comer para apenas escutá-lo falar.- Mari e eu éramos inseparáveis, quase melhores amigos, ela era humana mas isso não atrapalhava nada, pelo contrário, Mari era a humana mais diferente que um dia eu conheci.- Sorriu.- Não me arrependo das lindas crianças que tivemos.- Ele disse.

-Volta a fita e para! Você era casado? Quantos anos você tem?- Perguntei para ele surpresa.

Ele acenou com cabeça em forma positiva e antes de morder o último pedaço de seu lanche respondeu:

-Eu tenho setenta e oito.- Abri a boca e esbugalhei os olhos surpresa, me apoiei sobre a mesa quase a derrubando. Como?- Eu sou um sirena lembra, existem várias categorias, duas delas não envelhecem com facilidade. A minha categoria e o da família real.

-Você são imortais?- Perguntei.

Ele revirou os olhos.

-Não Clara.- Nunca me senti tão bem em chamarem meu nome, pelo menos aqui fora eu podia ser Clara a garota que odiava violência, sabe a ironia estou aprendendo a lutar, ha ha, vida maldita.- Somos mortais, mas envelhecemos lentamente.

-E suas crianças?- Perguntei, afinal ele dissera ter filhos, quem seriam afinal.- E sua esposa?

Ele suspirou e sorriu menos, agora parecia distante e triste, negou levemente com a cabeça e olhou para meu prato.

-Meus filhos e filhas estão vivendo suas vidas como os adultos que são e minha esposa…- Ele parou engoliu em seco.- Está… Em estado… Eu não sei como dizer…. Como se fosse um coma, mas não chega perto, chamamos de hibernação.

Olhei para meu prato finalizado e pensei se talvez eu tivesse tocado em um assunto delicado demais e como se lesse minha mente Jefferson prosseguiu:

-Mas não se preocupe eu falo com ela de vez em quando e com meus filhos também… Bom menos uma, ela não se lembra de mim.- Deu de ombros.- E você?

Então eu saquei, ele se abriu comigo, para que me abrisse com ele.

Malandro.

-As coisas estão difíceis lá em casa, papai fez algo horrível que afetou a todos…- Suspirando me dei conta que depois de muito tempo essa era única vez que eu o chamei de pai.- Mamãe… Mamãe está devastada, parece um cubo de gelo e afeta a mim, estou cansada, tantas coisas para se fazer em casa, tantas coisas para fazer no castelo, tanto que esconder deste mundo. Me sinto no limite e eu nem tenho quinze anos…. Meu irmãozinho nem sabe o que está acontecendo, mas isso pareceu o afetá-lo.-Suspirei e continuei.- Eu posso te pedir um favor?

Perguntei para Jefferson, este que escutava a mim com toda sua atenção assentiu, peguei minha bolsa com armas e estendi para ele.

-Leva pra minha casa por favor? Preciso dar uma volta.- No mar, completei internamente.

-Não seu Clara e a sua mã-O parei.

-É justamente dela que quero fugir, me deixa respirar um pouco, preciso de calmaria.- coloquei a bolsa na mesa e juntei as mãos com cara pidona.

-Está bem.- Ele aceitou.

Sorri e agradeci pela comida. Ele apenas assentiu, me levantei e corri até a porta do Sereia. Vidente algum seria necessário para descobrir onde eu iria naquela noite.

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O azul do mar me envolveu depois de tanto tempo, a transformação nem mesmo havia terminado e eu já me dirigia veloz a lugar nenhum, nadar sem rumo era maravilhoso.

Parei em meio ao nada onde cardumes perambulavam, a corrente me movia lentamente, arqueei as costas como se deitasse em minha própria casa, abri a boca deixei o mar entrar, se apoderar de mim, eu sentia falta daqui de estar no mar, mesmo que fosse difícil para mim manter o segredo era delicioso estar ali e eu não trocaria por nada. Sorri fechando os olhos ouvindo tudo os barulhos do mar, a vida, exatamente tudo.

Lembrei-me de meses atrás onde o mar era o único que acalmava a tempestade em minha mente, muita coisa mudou de cá pra lá, mas a calmaria do meu ser continua a ser encontrado em meio às ondas. Mexi lentamente as mãos brincando com as ondas, eu adorava a sensação da água em meus dedos.

Mas parei, minha paz se dissipou, olhei para o horizonte alarmada, algo me agonizava, não… Algo me observado, como um pedido leve uma voz me preencheu a mente:

-Não tema.- Olhei em volta batendo a cauda nervosa, com meus cabelos negros flutuando a minha volta, ergui a mão e ameacei atacar com meus poderes seja quem quiser me ameaçar.- Apenas me liberte…- Fiz careta, continuei com a mão erguida, senti a corrente oscila ao sul, ataquei tão rápido que vi que o poder saiu mais do que eu desejava, uma onda se ergueu em meio ao horizonte.

Opa.Pensei.

Todavia meu ataque foi em vão, não havia nada lá, nada além de peixes que se assustados com meu poder,senti a necessidade de bufar, mas sob água isso não era possível. A minha frente algo tomou forma, tinha silhueta de uma mulher, mas asas cresciam de suas costas, ela sorriu e estendeu a mão.

-Clara, liberte-me, só um pouco, eu lhe imploro!— Ela rogou, não neguei, mas também não aceitei.

Apenas perplexa vi ela se aproximar, quando recobrei os sentidos a ataquei, novamente foi em vão, a explosão de água a atravessou como se nem estivesse ali, quando ela me tocou foi como se milhões de agulhas entrassem em meu corpo, gritei.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.