Underwater

De Volta Pra Casa


-Aqui, por um acaso é lugar pra se destransformar, melhor pra dar uma de sereia Iara e ficar pensando na vida? -Rebecca disse sentando do meu lado.

-Se quer me matar me da um tiro, é mais fácil.- Eu disse bufando e levando a mão no peito na intenção de acalmar meus batimentos cardíacos. Rebecca riu e levou seu olhar ao céu.

-Como está Lala?- Perguntou ela sem desviar o olhar do céu.

-Está bem, quando voltei ela tinha ido dormir.- Eu disse mexendo a cauda para frente e para trás.

Ela elevou o olhar para uma das colunas e apontou, virei a cabeça para onde ela apontava e meu coração quase saiu pela boca. -Mas que merda! A câmera. Pensei com temor.

-Sua sorte é que quebrei elas ontem a noite, preciso muitas vezes vir aqui pular no mar.- Ela disse como se fosse a coisa mais normal do mundo.

-Você quebrou a câmera? - Perguntei e ela assentiu.- Eu só tenho amiga sem noção meu Deus!- Coloquei a mão na testa.

Me remexi inquieta, eu sentia que estava prestes a destransformar, o brilho percorreu meu corpo trazendo consigo minhas roupas.

-Ai que vestido lindo! Quero.- Ela disse passando a mão pelo meu vestido.- Que caixinha é essa?-Ela perguntou.- Você está com ela desde que chegou.

Olhei para baixo me deparando com a caixinha de jóias, eu a tinha trazido comigo? Eu não me lembrava. Toquei a mesma que estava sobre meu colo, abria-a mostrando as jóias que nela haviam.

-Eu as achei no mar, pensei em usarmos para esfregar umas coisinhas na cara do bonde piranhas & cia,

-”As deusas”?- Ela perguntou olhando-me e eu assenti.

“As deusas” , era como elas se auto intitulavam era panelinha mais cobiçada da escola, tinha a lider a Miranda, a mais inteligente a Yukia e a tosca Kaila.

Ela riu travessa.

-Eu gostei da idéia, tipo se vocês forem fazer uma vingança contra elas, me chamem.

Olhei-a com uma sobrancelha levantada.

-Que foi?-Ela perguntou.- Eu também não gosto delas. Uma vingança não faria mal.- Ela deu de ombros e eu revirei os olhos. Eu definitivamente só tenho amiga sem noção.

-Mas você acabou de atrasar meu mergulho noturno.- Ela se levantou e limpou uma poeira inexistente em sua roupa.

-Eu nada! Quem veio puxando assunto foi vossa senhoria.- eu disse cruzando os braços.

-Ai tanto faz. E você.-Ela apontou para mim.- Vá para casa, tem muita gente querendo te ver. Tchau. - Ela disse pulando no mar.

Me encolhi no intuito de não me molhar. Levantei e desamassei o vestido, maldita hora que eu larguei a sapatilha na areia. Andar no asfalto não era uma das coisas mais confortáveis do mundo, mas era o que tinha pra hoje.

Ao chegar em frente a minha casa pude avistar duas viaturas, uma da polícia e outra da guarda costeira, eu realmente tinha atraído problemas, suspirei pesadamente e levei minha mão em direção da campainha, mas travei quando ele foi aberto antes do som da campainha ressoar.

-Entraremos em contato quando a encontrarmos.- Um dos guardas disse enquanto saia da minha casa, por enquanto ninguém me percebeu.

-Obrigado.- Mamãe disse melancólica.

Cruzei os braços esperando ser percebida. Mas todos estavam de costas para mim. Vi uma cabeleira cacheada se aproximar, se ela não me perceber eu volto pra Micaal.

O guarda fez um movimento com a cabeça pedindo para a equipe segui-lo, sobraram apenas mamãe e Tereza. A primeira a se virar foi Tereza, sua aparência não era a das melhores, ela sustentava olheiras escuras abaixo dos olhos cor de amêndoa, que estavam avermelhados, seu cabelo mesmo preso em uma trança estava armado, a mesma usava um dos seus pijamas favoritos. Quando seu olhar decaiu sobre mim, seus olhos lacrimejaram, suas mãos taparam sua boca reprimindo um soluço involuntário. No exato momento em que vi lágrimas escorrendo pelos seus olhos meu coração se partiu em mil pedacinhos.

Quando fazemos escolhas no calor do momento as consequências nunca são boas, eu estava arcando com as minhas, ver minha melhor amiga chorar na minha frente por minha culpa era a pior tortura existente, quando levei meu olhar para minha mãe o peso da culpa triplicou, se ver minha melhor amiga chorar era tortura, eu não sabia o que era ver minha mãe se acabar em lágrimas só sabia que doía, doía muito. Sem me conter deixei que as lágrimas escorressem pelo meu rosto com liberdade, já era a segunda vez que eu chorava na frente de alguém em menos de uma semana. Mas quem eu estava tentando enganar? Eu era igual a uma manteiga derretida, mas ninguém precisa saber disso.

-Clara!- Tereza berrou entre lágrimas.

Não pude reagir ao seu berro já que a mesma tinha se jogado sobre mim me abraçando com força, mas entre nós, eu, o desastre ambulante, mais Tereza, a força bruta em pessoa, não daria coisa boa, não mesmo. Sem ter onde me apoiar eu fui puxada pela gravidade junto de Tereza, resultado, duas garotas abraçadas no chão chorando compulsivamente. Sentamos no chão da calçada ainda chorando e abraçadas, mamãe que observava tudo ainda chorando se junto ao abraço me fazendo chorar mais ainda.

Quando saímos do abraço percebemos que a polícia e a guarda costeira já tinha ido embora, constatamos que eles não tinham me visto.

-Você ta mesmo bem? - Mamãe perguntou.

-Tô mãe.

-Que ótimo, porque eu vou te quebrar toda.- Ela disse me puxando pela orelha.

Pelo canto do olho pude ver Tereza rindo.

-Me ajuda aqui!- Pedi para ela.

A mesma cruzou os braços e nos seguiu.

-Se vira.- Ela disse.

-Cadê o amor que vocês estavam me dando até agora a pouco?

Minha mãe me largou e junto de Tereza deu de ombros, era bom estar de volta. O silêncio caiu sobre nós e senti o ar pesar, era a hora das desculpas.

-Me desculpe…- mamãe e eu dissemos juntas.- Terê você pode…?- mamãe olhou para Tereza fazendo-lhe um pedido com o olhar.

-Eu vou esquentar um pão com manteiga na frigideira. Falou.- Ela disse saindo aos pulinhos.

Suspirei e olhei para minha mãe.

-Eu…- Comecei.- Me perdoe mãe eu te deixei preocupada e…- Funguei sentindo o choro vir denovo.- E tem um monte de coisa acontecendo, eu não aguento isso, eu só tenho quatorze anos!- Passei a mão nos olhos limpando as lágrimas.- Eu só queria me preocupar em colocar as séries em dia. Desculpa mãe eu fui infantil.

-Você não é a única que precisa pedir desculpa, me perdoe filha, eu disse aquelas coisas e quebrei a caixinha porque… Porque algo dentro de mim dizia que aquela caixinha tinha algo que lhe faria mal, que era perigosa. Aquilo saiu sem que eu quisesse que saísse, foi pelo calor do momento, eu te amo muito filha, você sabe como sou péssima com palavras eu deixo essa parte pro seu pai.- Fiz uma careta quando ela mencionou Fernando na conversa, ela pareceu não perceber.- Você é um presente precioso pra mim filha, nunca jamais vai ser um peso para mim.

-Eu te amo mãe.- Eu disse indo abraça-la com força chorando mais ainda.

Eu tinha trocado de roupa e dito que tinha tomado banho, quando na verdade eu apenas tinha escovado os dentes e passado papel higiênico no suvaco, vida de sereia é dura. Eu estava completamente exausta e nem mesmo sabia que horas eram, assim como no mar eu não conseguia dormir, foram incontáveis as vezes que eu revirei na cama completamente sem sono.

-De.Sis.To.- Levantei bufando da cama, pulei Tereza que dormia profundamente. -Talvez caminhar pela casa dê sono.

Prendi meu cabelo com uma piranha, decidi que andaria descalça mesmo, já tinha virado costume. Eu definitivamente não sabia o que fazer para dormir, pensar? Cantar? Rodopiar? Plantar bananeira? Eu sabia que nadar não resolveria já que o tinha feito a pouco.

Sentei no sofá iam fazer três horas que eu estava perambulando pela casa, nesse meio tempo eu fui três pro porão, quatro pro quarto da minha mãe e cinco na cozinha. E nada do sono, bufei irritada.

Mas… Onde estava meu pai? Eu o tinha visto na ilha, então ele com certeza estaria aqui né? Não sei porque eu estava alimentando esperanças, ele é um canalha, mas ainda é meu pai, aposto que deve estar com aquela vadia ou a mais de cem quilômetros daqui.

O telefone tocou me fazendo levantar do chão da sala onde eu estava deitada, meio preguiçosa caminhei em passos lentos até ele, quem diabos estava ligando essa hora?

-Alô?- Murmurei preguiçosa.

-Clara?!- Fernando perguntou do outro lado da linha.- O que deu em você pra sumir de casa assim? Eu tive que sair daqui do Espírito Santo pra ir ai!- Ele gritou no telefone.

-Oi pra você também.- Disse ríspida.

-Onde está sua mãe?

-Onde você acha que ela está às quatro da manhã?

-Não sei. Por sua causa ela passou a noite toda acordada.- Ele disse bravo.

Eu definitivamente devo ter tacado uma pedra na cruz em uma vida passada, isso só pode ser uma punição divina, como diabos eu arranjei isso como pai? Ele nem mesmo perguntou se eu estava bem.

Suspirei pesadamente e contei até três.-Vamos lá Clara, não xingue seu pai, nem seus inimigos você xinga— disse a mim mesma tentando me acalmar.

-Claro. Tudo foi minha culpa, você deve ter perdido muito dinheiro por minha causa.- Disse sem paciência, se eu discutisse com ele, eu provavelmente deixaria escapar o que eu sabia.

Ouvi-o bufar.

-Não seja dramática.- Ele disse, com certeza revirando os olhos.

Não discuta com ele.

Não discuta com ele.

Não discuta co...Foda-se!

Soltei um riso sarcástico.

-Eu? Mas não foi o que você disse a pouco? Que por minha culpa aconteceu várias coisa ou sei lá o que? Ta todo bravinho porque? Teve que abandonar sua…-Mordi a língua me privando de falar merda.- Sua...seu cargo?- Parabéns Clara disfarçou direitinho, sua mania de falar merda nas horas erradas. Repreendi meu consciente por me repreender.

-Olha como você fala comigo mocinha.- Ele disse mais bravo ainda.

-Com a boca.

-Olha… Você... Onde está sua mãe? Passe pra ela.- Ele berrou.

-Não. Ela está dormindo. Ligue outra hora.- Bati o telefone na cabine com força.

Eu estava completamente enfurecida, eu não dormiria mesmo. Bufei brava e fui até a porta da frente. Desci as escadas e abri o portão, sentei na calçada, eu estava de pijama? Estava mas quem liga? Eu não. Fiquei observando a luz laranja do poste piscar, provavelmente porque a prefeitura fazia pouco caso e não trocava a bendita da lâmpada que ameaçava queimar.

-Isso é hora de estar na rua?- Uma voz masculina questionou.

Levantei o olhar e sorri.

-Ah! Viljami! Oi!- Eu disse amigável para o platinado a minha frente.

-Posso?- Ele perguntou apontando para o lugar ao meu lado, eu assenti.- Então... Como foi ficar desaparecida?- Ele perguntou e eu bufei, era sério? Todos iriam ter que tocar nesse assunto?

-Foi bom, tive um tempo de paz e sossego. Mas voltei, lá não tem wi-fi.-Dei de ombros e ele riu.

-Foi só por isso que você voltou? - Ele perguntou risonho.

-Não. Enquanto eu estava por lá refleti um pouco e vi que fui infantil agindo desse jeito. Eu deveria conversar e resolver as coisas, porém meu jeito explosivo sempre estraga as coisas. Acabei deixando pessoas mais importantes pra mim preocupadas.- Eu disse cabisbaixa.

Vi pelo canto do olho pousar a mão sobre o queixo.

-Entendo. Então quer dizer que a culpa de tudo é a sua falta de diálogo?

-Em parte.- Dei de ombros novamente.

Um silêncio incomodante caiu sobre nós, nenhum de nós tínhamos assuntos para abordar.

-Então… Você trabalha na guarda costeira?- Perguntei olhando-o e ele assentiu.

-É meio que um trabalho de verão, pra não ficar no tédio.- Ele disse dando de ombros.- E você trabalha no “Sereia” né?- Assenti.

-É meio que um castigo.- Eu disse suspirando, ele riu olhando para a rua.

-É tão ruim assim?- Ele perguntou em tom de brincadeira.

-Não, é realmente um castigo.- Eu disse seriamente, ele parou de rir por milésimos de segundos e depois caiu na gargalhada de novo.- Que foi?

Ele limpou uma lágrima que escorria do seu olho, e ainda rindo disse:

-Você é simplesmente impossível, como é que seu castigo é trabalhar?- Ele perguntou e eu dei de ombros.

-Viljami!- Alguém gritou seu nome e ele bufou.

-Tenho que ir.- Ele se levantou e eu também.- Tchau, até algum dia.- Ele me abraçou, me pegando de surpresa, logo depois ele beijou estalado minha bochecha, não deixei de ficar vermelha quando ele disse.- Adorei o pijama.- E com uma piscadela ele sumiu do meu campo de visão.

-Porque diabos sempre que nos vemos estou em situações constrangedoras?— Me perguntei.-Mas também! Sair de pijama de moranguinho na rua não é aconselhável.- Bufei e me levantei, era melhor entrar antes que mais alguém me visse. Bocejei e agradeçi aqui por finalmente estar com sono, eu estava sentindo falta do mar, pelo menos lá eu não tinha que subir escadas, eu odeio escadas.

Me joguei na cama sem me importar com o fato de que eu, sem querer, chutei a barriga da Tereza. Antes mesmo que eu percebesse eu já estava dormindo.

Eu não sabia porque, mas eu sentia que minha vida seria muito mais agitada a partir de agora.