Underfell

Capítulo 26 - Vs Grillby


Frisk se paralisou, com seus olhos arregalados – o máximo que ele podia, é claro –, sem falar nada, encarando o esqueleto diante sua.

— O que foi, pivete? Parece que viu um esqueleto. – Ele piscou, e Frisk piscou também, com ambos os olhos, repetidas vezes para ver se aquilo não era uma ilusão. Ao perceber que não era, se aproximou de Sans alguns passos, para o ver mais de perto – Eu to vivo sim, criança. Precisa de mais do que um Gaster Blaster pra me transformar em purê.

“*Frisk pergunta como ele sobreviveu... E como ele sabe que...”

— Pivete, eu to com fome. Porque não conversamos sobre isso lá no Grillby’s? – Ele interrompe Frisk. – Me segue, eu conheço um atalho. – Sans saiu caminhando na direção oposta a Frisk, ele seguiu o esqueleto, e quando piscou, estavam diante do Grillby’s, em Snowdin. Sans o olhou, aumentando seu sorriso. – Atalho rápido, né?

Sans entrou no bar, seguido por Frisk. No seu interior, uma névoa de cigarro obstruía parcialmente a visão. Mal se podia ver quem estava no bar, mas Frisk reconheceu a silhueta de alguns dos cães na guarda real num canto da sala. Outros monstros estavam sentados em mesas próximas à porta, um coelho amarelo e um animal que Frisk, francamente, não sabia direito o que era, pois parecia mais uma dentadura ambulante do que nada. O ambiente por si do lugar era pesado, as paredes e o assoalho eram compostos por uma madeira de uma estranha cor roxa. Frisk não sabia se tudo aquilo estava pintado ou se a madeira realmente era daquela cor.

Os monstros encaravam Sans, mas sem dizer nada, Sans percebeu que Frisk olhava para eles.

— Fica calmo, pivete. Fora daqui eles tentariam te comer ou alguma coisa parecida, mas a chefia do lugar não gosta de brigas no bar. – Sans seguiu caminhando e se sentou em um dos bancos do bar, Frisk o seguiu e sentou em outro banco ao seu lado, mas então se levantou ao sentir uma pontada de dor. – Ei, toma cuidado, de vez em quando esquisitões deixam alfinetes nos bancos. – Frisk olhou para o banco, e percebendo o alfinete, o jogou no chão. – De qualquer jeito, o que cê vai querer? – Frisk se sentou novamente, diante dele, no balcão, Frisk podia ver um sujeito alto limpando um copo, devia ser o tal de Grillby. Ele parecia uma chama roxa vestindo um terno negro com um material felpudo branco nas mangas do terno e na frente do terno. Ele olhava para Frisk com desdém, por trás de seus óculos escuros.

“*Você pede por batatas”

— Ei, aqui eles não servem isso. – Sans olha para Grillby. – Ei, Grillby, da pra fazer umas batatas pro garoto? – Grillby encarou Sans, ele parecia ligeiramente irritado.

— Ele disse que você não é bem vindo aqui. – Uma pata vermelha estava sentada no banco ao lado, com cicatrizes ao redor dos olhos. Ela parecia ser cega.

— Ah, vamos lá, Grillby. – Sans diz, ainda sorrindo calmamente com seus dentes afiados. – Faça esse favor pelo seu velho amigo Sans. – Grillby olha para a criança.

— Ele diz que vocês não são amigos. – A pata traduz. – E que não quer crianças em seu bar. – Grillby sai caminhando e entra na cozinha. Sans da de ombros e se vira para conversar com Frisk.

— Não liga pra guarda real não, eles não gostam do Papyrus mesmo... Falando nele, fiquei sabendo que ele estava lá em New Home. Ainda te seguindo, pelo jeito. – Sans conta, Frisk fica inquieto, e Sans ri ao perceber isso. – Fica calmo, carinha. Ele pode se achar o legalzão, mas morre de medo do rei Asgore, ainda que com razão. – Ele passa um palito no seu dente dourado. – E ele também não tem como entrar aqui. A fumaça de cigarro vai grudar naquela armadura ridícula dele e ele não gosta de tirar ela nem pra tomar banho. - Ele faz uma pausa, olhando para a guarda real, agora composta apenas por dois cães. – Mas ele se esforçou bastante pra entrar na guarda real, e lutou pra chegar onde ele ta. Na verdade, eu preferia antes dele entrar, depois que ele entrou, parece que o poder subiu na cabeça dele. – Frisk olhou para Sans, ele estava prestes a perguntar alguma coisa. – Ah, é mesmo, o que cê tinha me perguntado, né... – Ele fez uma pausa, olhando para frente. – Como é que eu sei que cê nem é desse universo? Ah, é fácil. Eu tava te vigiando esse tempo todo, pivete. Eu deixei os chinelos lá, meio que foi uma isca pro Papyrus pensar que tinha me matado, mas nem morri, só fui pra waterfall, pro meu antigo posto e fiquei esperando cê passar. Não tem tanto mistério nisso. Eu ouvi tudo quando você contou pra sua flor amarela. – Ele faz uma pausa. – Mas vou te dizer a verdade, esse não é o único motivo. Eu percebi que cê não era o humano de sempre, o humano daqui, quando você apareceu, e agiu estranho. – Sans começou a contar, sem olhar para Frisk, que escutava atentamente. – O outro humano era sempre frio demais. Ele era idêntico a você, fisicamente, mas sempre muito frio, não falava com ninguém, e pela expressão na cara dele, ele desprezava o povo do underground.

— Por cinco vezes consecutivas, ele caía nessa caverna, e então começava a matar todos os monstros, sem exceção. Vou confessar que eu não gostava dele, mas pelo menos sabia que a morte para alguns monstros era melhor do que continuar vivendo nesse inferno, e alguns outros monstros estavam melhor mortos mesmo. Então nunca fiz nada, apenas o seguia de longe para ver no que ia dar aquilo tudo. – Uma duvida começou a brotar na cabeça de Frisk. Provavelmente, o outro humano usava o reset para poder começar tudo outra vez, mas então... Como Sans lembrava de tudo aquilo? A sua memória não devia ser apagada a cada reset? – Ele, acompanhado daquela florzinha, sempre acabava destruindo a barreira do underground, não me pergunte como, e os poucos monstros que haviam sobrevivido, isso me inclui, conseguiam fugir. Mas sei lá como, vai ver vocês humanos viajam no tempo ou sei lá, no dia seguinte, eu acordava nesse inferno outra vez, e todos os mortos estavam vivos, e sem se lembrar de nada, então tudo se repetia. O humano chegava, matava todo mundo, e continuava sua viagem.

— Mas então, na sexta vez, ele poupou um monstro... Cara, essa palavra, poupou, é até estranho falar ela, quase ninguém poupa ninguém aqui... – Sans riu levemente. – Mas bem, continuando o que eu tava falando, ele poupou um monstro, lá em waterfall. Não sei que monstro que era, acho que era um muleque que mora por aqui, e bom, no final a barreira não foi destruída, ainda que o humano conseguiu sair do mesmo jeito. Tudo ficou uma confusão por um tempo, os monstros sem ter quem liderar eles, acabou dando uma revolta danada, e acho que aquela maluca de Hotland acabou tomando conta de underground. Depois disso, tudo foi ficando mais bizarro.

— Cada vez que ele voltava, ele poupava cada vez mais monstros. Ele chegou poupar até mesmo o Papyrus uma vez, e rapaz, o Papyrus virou rei dessa merda, foi um saco. A questão é: Chegou uma hora em que o humano não matava ninguém, não só isso, como conseguia fazer amizade com todo mundo. Ele até chegou a ir lá em casa uma vez, e conseguiu fazer com que Papyrus e Undyne se suportassem. Então, depois que ele passou pelo Core e conseguiu evitar que Mettaton virasse fogo de artifício, eu percebi uma coisa... Esse humano estava brincando com tudo. Eu ainda percebia o olhar de desprezo dele, mas agora ele estava mais interessado em ver as mudanças das ações dele, e depois destruir toda a linha do tempo que criou, voltando a estaca zero para testar mais coisas, como se tudo isso não passasse de um jogo e ele não estivesse brincando de matar seres vivos ou os usar como fantoches. Eu dei de frente com ele, lá na sala do julgamento, e tentei parar com o que ele estava fazendo, mas ele conseguiu fugir de mim, e quando fui perceber, todos os monstros haviam se reunido e feito uma festa para ele ou alguma coisa assim. E então, ele destruiu a linha do tempo outra vez, e de novo, e de novo. – Aquela história parecia familiar demais para Frisk, assustadoramente familiar, mas ao mesmo tempo, tinha alguma coisa drasticamente errado na história. – Eu cheguei a me cansar, e depois de um tempo, só deixei as coisas acontecerem. E foi então, na decimoalgumacoisa vez, foi quando você chegou, e eu percebi que agora tinha alguma coisa nova. – Sans olhou para Frisk, ainda sorria.

“*Você pergunta o que era”

— Pivete, ta escrito na sua testa que cê ta desesperado pra sair daqui, e ta bem confuso pelo que ta acontecendo. E sua roupa ta com as cores erradas. – Ele aponta para a camisa de Frisk, azul com duas listras cor-de-rosa. – Aqui todo mundo usa preto com vermelho ou dourado, não sei porque. – Frisk olhou para o casaco preto de Sans, abriu a boca para falar, mas decidiu ficar quieto. – No começo eu não liguei pras diferenças, mas percebi pelo seu olhar, que dessa vez, o humano realmente sentia piedade pelos monstros, não somente uma curiosidade mórbida que nem antes. E foi por isso que eu decidi te ajudar, garoto.

“*Você pergunta se foi por isso que ele te ajudou na luta contra Papyrus”

— Não só contra Papyrus, eu estive te ajudando todo esse tempo, e você nem percebeu. – Sans diz, enigmático. – No primeiro encontro com Undyne e quando ela tentou te matar, no laboratório de Alphys, quando Mettaton ficou maluco e decidiu te atacar... Se quiser saber quando foi que eu te ajudei, só pensa em toda vez que você escapava por conveniência ou um monstro aparecia do nada para te ajudar, eu provavelmente tive meu dedão aí no meio... – Ele faz uma pausa. – Ou vai ver foi coincidência mesmo, mas bom... Resumindo criança, se não fosse por mim. – Os olhos dele apagam. – Você já estaria morto agora mesmo. – Frisk se sentiu inquieto. Os olhos dele voltaram ao normal rapidamente. – He, eu gostaria que isso fosse uma piada, mas bom, cê agora fica me devendo uma. – Grillby retornava da cozinha.

— Ele diz que se você não vai pedir nada, é para ir embora. – A pata disse, ela parecia sonolenta.

— Bom, então vamo nessa, pivete. – Sans se levantou e Frisk o acompanhou. – Você ainda tem um encontro com o dentista, lembra? Boa sorte voltando pro seu universo. – Sans foi caminhando até a porta, seguido por Frisk. Antes que ambos alcançassem a porta, estavam de volta ao corredor do julgamento, em um piscar de olhos. A mudança súbita de ambiente deixou Frisk um pouco tonto. – Ah, e humano. – Frisk olhou para Sans, que pelo jogo de sombras que aquele corredor fazia, somente era uma sombra preta com dois pontinhos brancos nos olhos. – Toma cuidado. – Frisk hesitou.

“*Você pergunta se é para tomar cuidado com Asgore”

Sans negou com a cabeça.

— Com o seu Sans. – Frisk ficou confuso, e então começou a forçar a mente para se lembrar do seu Sans. Somente lembrava-se de um vulto azul com branco. – Porque, a parte engraçada de tudo isso é que... Eu consigo perceber que você está cheio de pecados, eles literalmente estão rastejando pelas suas costas, então... Provavelmente seu Sans se lembre de tudo o que você já fez. – Frisk ficou mais confuso ainda. Ele fez alguma coisa? Não conseguia se lembrar disso, não mesmo. Das poucas coisas que ele ainda se lembrava do seu universo, uma delas era a certeza de que não tinha assassinado ninguém. – Boa sorte. – Frisk olhou para Sans,mas ele não estava mais ali.

Confuso e com mais perguntas do que respostas, Frisk avançou pelo corredor, mas deixou suas perguntas de lado ao encarar a porta, e então se encheu de determinação.