Ches

No escuro parcial daquele túnel, tive tempo o suficiente para refletir sobre coisas básicas, a primeira delas era a que mais me intrigava, qual a necessidade de água? Digo, como senão bastasse andar por um lugar desagradável, ele tinha que ser um lugar desagradável cheio de água?

Tudo bem, a água batia um pouco acima dos meus pés, portanto, se ela permanecer assim, acho que tenho chances de chegar vivo até o fim, acho.

E não posso negar, ouça bem por que não vou repetir e nem admitir isso nunca mais, eu parecia um gatinho assustado, agarrado ao braço da duquesa como uma criança desamparada, tudo porque a água estava passando por mim tão rápido que eu tive medo dela me carregar e me matar.

Não me julgue, eu também tenho meus momentos...

Volta e meia, Will olhava para trás e perguntava se estávamos bem, devo admitir que já tinha me esquecido de como ele se animava com essa coisa de viagens, e, pela milésima vez, agradeci pela duquesa insistir em vir e olha ela estava bem melhor que eu, um vestido rosa até o joelho, tecido suave e leve, o cabelo preso no alto e um sorriso aventureiro encantador, já eu, minha calça preta estava molhada, meu sapatos, ah, quando a esses eu só tenho a dizer que espero que descansem em paz, mesmo que a blusa amarela e o colete preto que eu coloquei antes de vir estivessem intactos devo admitir que isso não aumentava muito minha auto estima.

— Chegamos. – Will anunciou lá da frente, na verdade ele meio que gritou e nós aceleramos o passo, quando vi a luz meu coração se aliviou, alcançamos Will que olhava para cima de modo alegre, tinha uma escada, mas ela não foi o que eu vi de primeira, e sim o que havia entre nós e ela, uma ponte, mas o mais terrível de tudo, água.

Dei alguns passos a trás, o que chamou a atenção da duquesa, ela me encarou com ternura e se voltou ao meu tio.

— Will, Erick não pode passar por essa ponte tão leve, ele vai se assustar com a água.. – Ela disse, fazendo com que ele me encarasse e se aproximasse.

— Mas... – Começou se ajoelhando em minha frente. — Você sempre gostou de água, parecia até um peixinho. – Ele sussurrou e eu sorri, mas não durou.

— Eu tenho medo tio, não consigo.

— Ei, que história é essa de não consigo? Francamente, cada dia mais me pergunto o que fizeram com vocês por aqui. – Ele resmungou e me abraçou, eu apenas fechei os olhos, desejando que ele jamais soubesse tudo o que fizeram conosco. — Tudo bem meu menino, vou te ajudar, vou ficar ao seu lado, apenas olhe para mim, pode ser?

— S.. Sim.

— Ótimo. – Ele segurou minha mão e me levou para mais perto, começou a andar de costas pela ponte e a me puxar junto, quando pisei, senti-me perder o equilíbrio, mas Will me segurou e pediu novamente para que eu olhasse apenas para ele, e foi o que eu fiz, ainda podia sentir a água, que por pouco não havia engolido a ponte, quando chegamos do outro lado ele me abraçou de novo, e nós subimos as escadas, dá pra imaginar que eu quis ser o primeiro não é, e ao chegar no topo o que vi foi, assustador.

Ao olhar para trás vi a poderosa e impotente muralha de Jadis, inteira e intacta, como Will havia me dito, Jadis foi destruído de dentro para fora, ninguém jamais quebrou essa muralha, e dessa vez não foi diferente, mas ao olhar para frente a coisa mudava de figura, Jadis nunca foi conhecido como um país grande, mas na verdade, isso era por que nosso país era um verdadeiro mistério ao mundo.

Só que agora tudo está abandonado e destruído, não dá pra saber o que é o que, além de cinzas.

Algumas lágrimas tentam escapar, mas eu as impeço, finalmente estou vendo tudo com meus próprios olhos, eu desejei isso, portanto tenho que ser forte.

Will tocou em meu ombro e eu o segui para supostamente o meio da floresta, eu nunca fui para aqueles lados, só sei que lá era onde ficavam as minas, e o povo mais rural, porque diferente do que todos de fora acreditam, o povo de Jadis não se encontra só nas cidades menores e na capital, na verdade muitos mineradores viviam na vila depois da floresta, e creio que, se alguém das cidades sobreviveu, certamente estão lá.

A ideia me deu um novo ânimo, eu sei que nas aldeias vivia pouca gente, mas eles tinham espaço para manter as pessoas da capital e bem, nem todas as cidades foram dizimadas, a minha por exemplo, era tão pequena e próxima a floresta que acabou se tornando o uma cidade de negócios, por isso, o duque vivia lá, para controlar as transações, em compensação ele ia muito a capital, e eu e Alli sempre tentávamos ir junto, as vezes dava certo, mas nem sempre, principalmente quando Will viajava para longe.

Andamos bastante, por um caminho que Will conhecia bem, afinal andava com confiança, seguíamos uma trilha dentro da floresta até que encontramos uma estrada, mas a estrada não era comum, porque ela estava escondida, eu olhei para o muro, como passamos por dentro da floresta estávamos do lado escondido, do lado de dentro, olhei para a duquesa e pude ver como ela estava admirada.

— É magico não é? – Perguntei e ela sorriu.

— Sim, parece uma terra encantada. – Ela disse pensativa e suspirei.

— É mais do que isso, é o meu lar. – Murmurei seguindo os dois para um buraco no “muro”.

Ao passarmos senti minha vida ganhar um novo sentido, sem poder me controlar apenas corri na direção da árvore grandiosa com uma casinha de madeira em cima.

— Erick. – A duquesa me chamou preocupada, mas Will apenas ria.

— Ei. – Ele gritou. — Nos encontre na frente da minha casa. – Eu acenei e voltei a correr, passei como um foguete pelos arbustos e parei ao lado da árvore, observando a casa de um andar, mas grande o suficiente para uma criança correr, sorri sem me preocupar com as lágrimas, voltei meu olhar a arvore e comecei a subir a escadinha improvisada, me lembrando do tempo em que Alli e eu subíamos aqui para nos esconder do vovô, a escada era bem fácil até para um quase idoso, porque ele deveria ter uns 50 anos por ai na época.

Chegando lá em cima, fui tomado novamente por lembranças, nós nos escondíamos em baixo da grande janela com um dos jarros de flores na mão, e o vovô chegava, fingia que não tinha nos visto e nós abríamos um sorriso e falávamos: Me achou.

Olhei para todos os lados, os brinquedos, os livros, até mesmo nossos desenhos, tudo estava ali, do mesmo jeitinho, era inacreditável pensar a ‘sorte’ dessa cidade, quer dizer muita gente morreu, muitos foram levados, muitas casas saqueadas, mas, a maioria permaneceu intacta, a principio que tentava entender o porquê de sermos poupados, então conheci Oliver, o pai de Zeck, e lembrei-me que no dia do ataque, ele estava aqui, eu achei que ele liderava o ataque contra nós, mas agora sei que por algum motivo, ele salvou a cidade.

Me sentei em baixo da janela e peguei um jarro, coloquei em frente ao rosto e fechei os olhos, sorrindo, porque é só isso que eu sei fazer, sorrir.

Para minha surpresa ouvi passos vindos na minha direção, sem coragem de olhar esperei que a pessoas parasse, então o cheiro de hortelã veio a mim, só uma pessoa no mundo tinha esse cheiro.

— Quem é? – Ele perguntou, e entre lágrimas e sorrindo, tirei a jarra do rosto e o encarei, ele ainda tinha o cabelo cinza, os olhos azuis e usava o mesmo suéter azul, eu me levantei.

— Me achou. – Consegui dizer antes de desabar em lágrimas, ele caminhou até mim e segurou minha mão.

— Erick? – Me chamou e eu o encarei tentando conter as lágrimas, mas quando o vi chorar esqueci-me de tentar e apenas o abracei.

— Sim vovô, eu voltei.