- Pelas contas do rosário, carneirinho!!! Eu devo ter salgado o mar morto para ouvir isso logo no almoço da segunda-feira, melhor, lanche da tarde porque se dependesse do seu ritmo a santa ceia seria santo breakfast...Antes eu não esperava tanto para almoçarmos – mesmo sabendo que antes, bem antes era muito diferente do agora Félix fazia seu humor ácido presente nessas pequenas coisas a fim de demonstrar sua insatisfação com o que acabara de ouvir, por sorte suas mãos esguias mais uma vez repetiam o gesto de separar os háshis para que pudesse iniciar sua refeição e com um pouco de sorte isso pudesse melhorar seu humor.

- Félix! Poderia ao menos falar um pouquinho mais baixo? - Nicolas a tudo assistia como se fosse a primeira vez que ele almoçassem juntos tamanho o encantamento em vê-lo comendo cada uma das especiarias especialmente reservadas para seu cliente mais exigente.

- Falar baixo por quê? Eu não sei se você reparou que o restaurante já fechou, agora ele só abre para o jantar! Bom, jantar nenhum por que do jeito que o senhor anda ocupado eu vou comer miojo com salsicha lá com a Márcia, quem sabe ela tem tempo para mim?

- Está com saudade da 25 de março? – Niko esforçou-se para não gargalhar na sua infâme tentativa de ser irônico, já que a cada dia que passava Félix estava mais e mais manhoso como se alguma dessas inúmeras indiretas fosse resolver o impasse que ele mesmo havia criado.

- Eu não admito mais nenhuma palavra a respeito da 25 de março, só porque você foi falar com a minha mamy não lhe dá o direito de me lembrar do hot-dog do Félix a todo momento...Carneirinho, não pense que eu não sei que você usa a 25 quando já não tem argumentos para me convencer a fazer algo do seu jeito.

Nicolas ainda não havia aprendido a mentir e ficou tão rosado como um dos camarões que Félix acabava de comer descartando só a cauda com um sorriso levemente malicioso e tão conhecido que acabou por deixar seu carneirinho mais vermelho que o próprio pecado.

- Não, Félix! Definitivamente como gerente desse restaurante você tem que entender que eu não posso largar tudo na sexta pra irmos jantar, vai ser uma noite muito cheia e eu não posso largar o Edgar aqui com o novo sushi-man...Eu preciso fazer a fama do restaurante, não afundá-lo, até porque vamos para Angra em breve. Até eu conseguir que o novo restaurante lá dê lucro vou precisar desse aqui de vento em popa....Não posso queimar o Gian faltando nessa sexta. Por que a gente não fala de outras coisas? – na tentativa de recuperar a situação para seu controle ele dá uma piscadinha, em vão...

- Quer saber Carneirinho? Eu acho que estou te fazendo mal, você só fala em dinheiro, em lucro, em trabalhar...Nem parece o carneirinho saltitante que eu conheci há alguns meses atrás...Delicioso! Mas não suficiente para me animar... – E ela dá um suspiro em desalento.

- Eu delicioso, Félix? – os olhos claros se tornararam ainda mais reluzentes na expectativa de ouvir a confirmação.

- Não, carneirinho, o sushi! – E ele não segurou a gargalhada, afinal ele sabia o que Nicolas esperava ouvir, mas nem por isso se faria de fácil.

- Félix!

Poucos dias depois Félix seguia impaciente pela casa de sua mãe, nem seu pai o aguentava perambulando de um lado para outro enquanto lhe fazia companhia.

- Que foi, Félix?

- Nada, papi...

- Você quer parar de me chamar de papi?

- Sim, papi...Desculpe, sim papai.

- Que foi dessa vez? Brigou com a sua, seu...aquele rapaz ou o que quer que ele seja?

- Não exatamente....

Revirando os olhos César simplesmente desejou ter um filho homem como se seu simples desejo pudesse se tornar realidade. Infelizmente Félix sabia o que significava aquele olhar e pediu licença e saiu, não queria iniciar nenhum discussão, já lhe bastava a desfeita que Nicolas estava lhe fazendo. Por sua vida toda havia procurado dinheiro e poder para agora já próximo dos quarenta anos descobrira que isso é o que menos importa, se sua vida estava resumida a cuidar de seu pai e um sorriso de olhos claros que lhe abraçava todas as noites o que mais ele poderia desejar?

Sim, um único jantar em uma sexta-feira de junho...Félix sabia que Nicolas estava certo, mas porque ao menos uma vez ele não poderia fugir um pouco das regras? Seria tanto prejuízo assim uma noite que o sushi-man indicado a chefe revelação do ano não comparecesse. Sim, seria, especialmente quando a noite a se faltar seria uma sexta, dia dos namorados.

Toda aquela irritação de Félix era por se sentir abandonado justo num dia que ele nunca havia considerado especial, sempre achou que tudo era uma questão comercial para movimentar a economia logo após o dia das mães e agora, bem agora ele se via forçado a cancelar uma reserva disputadíssima num dos restaurantes mais românticos de São Paulo e saber que seu carneirinho iria trabalhar tanto que quando se encontrassem o dia doze já haveria de ter virado treze.

Além dessa decepção ele ainda nutria um certo quê de competição em dar a Niko algo muito mais especial do que jamais aquela lacraia havia pensado ou feito; sim, ele sabia que não havia a menor chance de ser comparado com a lacraia, só que lhe corroía uma certa pontinha (ou seria um iceberg) de ciúme por saber que seu carneirinho havia ficado dez anos com aquele insosso do Eron. Talvez o que lhe doesse mais ainda fosse a insegurança de ter que se comparar justamente com a lacraia, sendo que a vida inteira havia pensando que melhor que Félix Khoury não haveria...Mas seria ele tão especial ao ponto que Nicolas suportasse a vida tão difícil que ele estava a lhe propor? Seu pai homofóbico, largar tudo e morar em Angra, manter-se alheio dos insultos que seu pai por ventura o fizesse...Com tudo isso, ainda assim viveriam por dez anos? Terminariam essa vida juntos?

- Adriana, é o Félix...Alô, criatura?

- Sim, seu Félix, desculpa é que quase esquentei demais a mamadeira do Fabrício para atender o telefone...

- Por Deus Adriana, até uma tartaruga é mais ágil que você!

- Seu Félix! O seu Niko já me disse para que não levar em consideração o que o senhor me fala...Eu sei que eu tenho culpa porque a dona Amarilys sequestrou o Fabrício, mas eu mudei!

- Nem que eu fizesse chapinha nos cabelos de Maria Madalena, Adriana...Desculpe...Essa sexta, será que você consegue me ajudar a cozinhar?

- Eu, seu Félix?

- Sim, você, criatura!

- É que eu só sei ligar o microondas e esquentar água nessa cozinha, o seu Nicolas não deixa eu mexer muito e pra falar a verdade eu não sei cozinhar muita coisa além de ovo mexido...

- Criatura, não vai me dizer que nem macarrão você sabe fazer!

- Ai seu Félix, serve miojo?

- Tu, tu, tu....

- Seu Félix? Ué, acho que ele desligou...

Supermercado. Não, supermercado gourmet, o mais caro e mais refinado de São Paulo, tão sofisticado como Félix que estava totalmente perdido em meio as inúmeras opções do que comprar para preparar um jantar surpresa para Nicolas, passou a manhã toda da sexta imaginando o que poderia cozinhar enquanto ele trabalhava no restaurante preparando o cardápio do jantar. Nicolas havia saído tão cedo que mal puderam se despedir pois já tinha uma lista enorme de coisas para comprar e seus fornecedores, pelos cabelos de Sansão, eram aqueles que sempre acordavam mais cedo.

“Félix, calma, quem sabe você leva uma das cozinheiras da casa da mamy para te ajudar? Não! Eu consigo fazer, é só procurar algo básico...O Carneirinho gosta de chocolate, massas...Posso fazer um macarrão nem que seja com um molho pronto e levar algum chocolate para tomarmos um café antes de dormirmos...Hummm....Pensando bem, um cafézinho com chocolate nesse frio que está, até que não seria má idéia...”

Duas horas depois sem contar a ajuda oferecida pelos funcionários da loja, Félix saiu sorridente com sua sacolas de compras mesmo sabendo que havia deixado uma boa quantia por todos aqueles produtos que lhe vendiam a promessa de um jantar especial para seu amado carneirinho...

- Tio Félix, trouxe chocolate?

- Jayminho!? Tire as mãos dessa sacola, não tem nada para crianças aí...Eu devo ter salgado o mar morto para você olhar pra mim já imaginando que eu lhe traria chocolates só porque fui ao mercado.

O menino apenas sorriu e abaixou os olhos, mesmo que seu tio Félix não lhe trouxesse nada, ainda assim estaria feliz pela presença dele em sua casa, já não via a hora de se mudarem para a praia como uma família completa como seu pai já lhe havia explicado incansavelmente.

- Jayminho?

- Sim, tio?

- Seus chocolates estão naquela sacola menor vermelha, só não diga para o Niko que eu lhe trouxe mais esses, ok?

Jayminho arregalou os olhos...

- Está bem, criaturinha, conte amanhã depois que você comer todos!

Quando finalmente a Adriana levou as crianças para dormir, Félix se encontrou um um mudo totalmente novo: a cozinha!

- Félix Khoury, não há o que temer...Não há na terra pessoa com talento culinário como o seu, é só seguir as instruções...Não foi isso que aquela criatura da loja falou...Mãos a obra...

Do outro lado da cidade Nicolas vivia o perfeito dilema de um homem apaixonado e trabalhador...Não paravam de chegar casais a espera de uma mesa em seu restaurante e por outro lado a cada cliente que ficava na espera na entrada do Gian ele já imaginava quantos minutos isso iria atrasar a ida para casa...Era certo que Félix o estava esperando e que ele queria algo especial nesse dia, estavam próximos de completarem seis meses juntos e o dia dos namorados surpreendemente parecia algo muito importante para Félix, justo ele que se proclamava uma criatura malvada e sem sentimentos...

Quando um dos garços aparece com um vaso de orquídeas brancas enorme a sua frente, Nicolas já sabia de quem seria o cartão...Quanta injustiça, nem ao menos um presente ele havia conseguido comprar para Félix, era tão difícil saber o que ele precisava ou que presente o agradaria...

Nicolas rapidamente limpou as mãos para puxar o cartãozinho preso ao vaso...a letra inconfundível já dizia tudo:

Vem logo, Carneirinho...

Um sorriso invadiu o coração de Nicolas, mesmo que Félix o tivesse azucrinado a semana toda ao ponto dele dar graças à Deus essa manhã por sair cedo o suficiente para que a despedida fosse um beijo apenas e não um vendaval de reclamações aquele bilhetinho teve a magia de fazê-lo esquecer de tudo e só pensar em quando poderia abraça-lo novamente....Ao trabalho...

Por sorte os clientes não se demoraram tanto em conversinhas após o jantar, Nicolas percebia que pelas mesas as trocas de olhares indicavam que cada um daqueles jantares seria somente o começo de uma longa comemoração...Enfim podia deixar o restaurante e ir a sua casa...Já ansiava por ver o carro preto de Félix estacionado no lugar habitual, ele haveria de estar esperando por ele.

- Eu não entendo...Mas o que houve? E agora? Como eu vou...

- Félix, mas...Mas...Que é que você está fazendo nessa cozinha?

- Car-neirinho!?! – Félix virou-se para encontrar os olhos mais lindos de sua vida lhe mirando na porta da cozinha por talvez apenas 1 segundo, em seguida eles começaram a vasculhar a terceira guerra mundial que havia se formado... – Você já chegou?

- Félix, são 11:45...Eu recebi as flores...Eu não sei o que aconteceu aqui...Mas você não faz idéia de como eu queria um abraço seu...

Após um beijo carinhoso Félix ainda tentou se soltar como se fosse possível fugir dos braços de Nicolas lhe segurando pela cintura...

- Eu vou limpar tudo, Carneirinho, não se preocupe...Eu acho que eu sei limpar... – Incrédulo Félix olhava a bagunça que havia feito e se contorcia em fazer Nicolas acreditar que o melhor era que ele saísse da cozinha o mai rápido possível, talvez a melhor idéia fosse pedir uma pizza e abrir uma boa garrafa de vinho...Sim, ao menos o vinho que Félix havia comprado estava intacto no meio daquela bagunça...

- Amanhã a empregada pode limpar, meu amor, mas o que você estava fazendo?...Deixa eu ver?

- Não, Carneirinho, por favor, não...Deu tudo errado...Eu não sirvo pra isso...

- Félix, você tentou cozinhar?

Félix desviou os olhos daquela pergunta, Nicolas já sabia que sim, para que fazê-lo passar pela dor da resposta...Melhor seria deixá-lo limpar tudo...Não, melhor seria que eles não terminassem aquele abraço que Nicolas o havia puxado...

- Não me importa como ficou...Com certeza deve ter algo gostoso aí que você preparou...Deixe-me provar pelo menos...por favor...- Aquela voz terna ao pé do ouvido de Félix foi o suficiente para que ele concordasse em ao menos explicar o que aconteceu.

- Então o macarrão grudou? E você só percebeu depois que lembrou que precisava marcar o tempo de cozimento?

- Sim...Ficou essa massa compacta aí que eu nem sei do que pode ser chamada...E eu tirei da água e ficou assim, meio uma coisa sem nome...Nem quando eu vendia o hooot-doooog do Félix eu consegui fazer algo tão estranho com a Márcia.

- Félix, macarrão não é miojo...Só miojo você consegue cozinhar e não gruda, macarrão comum precisa de um fio de óleo na água, você não leu as instruções? – Nicolas sorriu com um olhar de mestre sobre o inquieto aluno pego em uma falha.

Passando as mãos entre os cabelos negros o moreno confirmou que sim, ele lera tudo, mas achou que conseguiria fazer tudo em paralelo para poder descansar um pouco antes dele chegar...

- É verdade...Eu fiz muito miojo na casa da Márcia e nunca precisei colocar óleo...Acho que aquela pobreza ainda não saiu de mim...Pelas contas do rosário... – Félix (para desepero de Nicolas) estava com um pano de prato na mão para tentar limpar o fogão de todos os respingos que ele mesmo havia provocado ao cozinhar com as panelas sem tampa...

- Félix...Eu adorei...

- Adorou o quê, Nicolas? Você deve estar exausto, faminto, cansado, e muito mais e eu além de não conseguir cozinhar pra você, deixei essa cozinha sem a mínima condição de se preparar algo...- Félix se virou em direção ao fogão...Se ele não limpasse aquilo, até o café da manhã das crianças estaria comprometido...

Nicolas olhou aquele homem algo, moreno e desconcertado tentando limpar o fogão...Como dizer que aquele havia sido a melhor surpresa que ele poderia ter? Talvez o melhor fosse falar mesmo...Félix não se convenceria tão fácil do contrário.

- Nicolas, para...Deixa eu limpar aqui? Por que você não vai procurar na internet algum lugar que entregue comida? Daqui a pouco você vai virar a Olívia Palito de tão magro se não comer...

- Eu nunca tive alguém que se preocupasse com o que eu vou comer...Eu sempre fui o cozinheiro...Até com meus pais...Olha pra mim?

- Você não precisa se preocupar em levantar meu astral...Eu...eu só tentei fazer uma...Ah, deixa para lá...

- Feliz Dia dos Namorado...Eu aposto que tem algo aqui que você sabe fazer e nós comemos juntos...Eu não quero pedir comida...

Abrindo um dos armários Nicolas puxou dois pacotes de miojo...

- Vem cá, deixa eu te ensinar uma coisa...

- Você vai me ensinar a fazer miojo a essa hora da noite?

- Não, eu vou te ensinar isso!

Félix adorava quando Nicolas o beijava daquele jeito, abocanhando seus lábios e insistindo para que eles se abrissem e suas almas se encontrassem em uma única frase:

- Eu já disse o quanto te amo, hoje?

- Sim, e eu nunca vou me cansar de ouvir...Você realmente quer que eu faça miojo para você?

- Se é isso que você sabe fazer, sim, é isso que eu quero comer...

E Nicolas sentou-se enquanto Félix procurava uma panela que pudesse ter sobrevido ao caos que aquela cozinha havia se tornado para aquecer a água...

- Delicioso, Félix!

- Eu odeio miojo, Carneirinho...Como é que você pode ter isso em casa? Não me responda, afinal você me aceitou...Acho que é melhor eu não fazer você pensar a respeito...Ou talvez você me mande embora...

- Mandar você embora? Ah, Félix, parece que você não me conhece...Você me mandou flores...Cozinhou pra mim...Eu nem consegui comprar nada pra você mesmo sabendo que hoje você realmente queria fazer algo especial para a gente...

- Carneirinho, se é que eu posso chamar de presente...Naquela manhã depois que...que rolou...Você me acolheu na sua família, me aceitou com todos os problemas incluindo aqueles que você nem sequer fazia idéia...Você me deu um recomeço, que mais eu posso pedir de você?

- O que você quiser...

- Que tal aproveitarmos o final dessa garrafa de vinho lá no seu quarto antes que começemos algo proibido aqui mesmo? Eu comprei uns chocolates...Esses não tem como eu estragar...

- Não...

- Não?

- Vamos para o nosso quarto... Essa casa, essa vida também é sua agora – Um sorriso malicioso fugindo da cadeira confirmou que a sobremesa seria outra...

- Delicioso, Carneirinho...

- Os chocolates, Félix?

- Não, você, criatura...

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.