Eragon endureceu sua expressão ao encontrar Arya à entrada de Du Weldevarden. Ela não mudara nada desde a última vez em que se haviam visto... Desde aquela noite em que a tivera nos braços; vestia, inclusive, a mesma roupa do dia de sua despedida.

Saphira e Fírnen se aproximaram e encostaram os focinhos, as caudas tremendo de alegria. Os dois filhotes de ambos também se aproximaram, pondo-se a farejar o pai do qual só haviam ouvido falar.

O reencontro entre os dois Cavaleiros, entretanto, era carregado de tensão. Mantendo o formalismo que lhe era usual, sua melhor defesa contra as emoções intensas, a rainha curvou a mão sobre o esterno e falou:

– Atra esterní öno thëlduin, Eragon-ëlda e Saphira Bjartskular.

Cavaleiro e dragoa deram continuidade ao rito:

– Atra Du evarinya öno varda, Arya Dröttning e Fírnen Bjartskular.

Os quatro dragões se afastaram, deixando o casal conversar a sós. Tomando a iniciativa, Arya convidou:

– Vamos à minha casa, conversar com maior privacidade.

– Como desejar, rainha. - o destaque que ele deu àquela palavra feriu o coração de Arya: será que ele deixara de amá-la?

Caminharam juntos, em absoluto silêncio, até chegarem à casa da elfa. Após convidar Eragon a entrar, e fazer aparecer várias frutas e bebidas sobre a mesa da sala de visitas, a rainha falou:

– Não tem ideia do quanto estou feliz em rever você, Eragon.

– Eu poderia dizer o mesmo, Arya, se não soubesse que você se esqueceu de mim tão depressa.

– Esqueci-me de você!? – Exclamou ela, surpresa – Eragon! Como pode dizer isso? Tenho-lhe escrito todas as semanas, desde sua partida!

– Não estou falando de cartas. Você sabe disso.

A expressão da mulher era de transtorno e confusão:

– Não compreendo...

– Então – respondeu o homem, levantando-se com irritação – Deixe-me explicar em palavras mais claras: filhos, Arya? É óbvio que eles têm certa idade, para que um dragão tenha nascido para eles, no mínimo oito anos! Foi tão fácil substituir-me por outro?

Erguendo-se de um salto, a elfa protestou, lívida de indignação:

– Não compreendo a agressão que você me dirige tão gratuitamente, Eragon-Argetlam, mas deixo claro que não vou aceitar tal tipo de insulto, especialmente em minha casa!

– Não sei por que me espanto com sua facilidade em me deixar de lado, e não ver nisso problema algum. Afinal, só fomos próximos por cinco anos! Faölin viveu ao seu lado por muito mais tempo, e você o esqueceu com a mesma facilidade. Por que eu deveria ter tido um papel especial em sua... – O final de sua frase foi cortado pelo sonoro tapa que Arya lhe desferiu com as costas da mão. Atônito, uma vez que Arya nunca o havia agredido, ele a viu empalidecer enquanto dizia:

– Suas palavras equivalem a chamar-me de prostituta! Talvez eu devesse mesmo tê-lo, como você definiu, substituído!

– Então, nega que, mal eu deixei esta terra, você correu em se atirar nos braços, e no leito, de outro homem?!

– Eu nunca tive outro homem, depois que você partiu!

Aquelas palavras atingiram o Cavaleiro como um rojão disparado contra seu peito. Ele ia dizer algo quando duas crianças, um menino e uma menina, irromperam no aposento, seguidos de dois dragões da cor do mar: a garota era a cópia fiel de Arya, com cabelos negros e olhos cor de esmeraldas, expressão compenetrada e sobrancelhas ascendentes; já o garoto, embora guardasse em seus traços algo dos da mãe, tinha os cabelos vermelhos e revoltos como nenhum elfo poderia ter: cachos grandes e indomáveis como... Como os do próprio Eragon.

As crianças encararam a mãe e o desconhecido com expressões desconfiadas, e Islanzadí perguntou, séria:

– Está tudo bem, mamãe? Ouvimos vozes exaltadas.

Com um sorriso forçado, a Cavaleira respondeu:

– Sim, meus queridos; está tudo bem. Por favor, vão para o palácio, para que eu possa terminar minha conversa com este Shur’tugal.

Os pequenos deixaram a casa sem questionar, deixando o casal a sós. Eragon, em choque, voltou a se sentar e, após alguns segundos, declarou:

– Eles são meus filhos...

– Sim. – Confirmou Arya – São.

– Por que não me contou que estava grávida, em uma de suas cartas? Por que não disse nada quando nasceram?

– Quando partiu, você estava decidido a nunca mais voltar à Alagaësia, e tinha motivos muitos fortes para isso. Seu dever o exigia, e saber da existência de ambos apenas aumentaria seu sofrimento. Além disso, se alguém descobrisse sobre o parentesco, os inimigos de Nasuada fariam de tudo para capturar os dois e, assim, ter ascendência sobre você. Já o tentaram antes, por saber que são meus filhos. O que não fariam se soubessem que Brom e Islanzadí são os herdeiros do Primeiro Shur’tugal? Eu fiz tudo o que pude para protegê-los, evitar que você sofresse e manter a paz na Alagaësia. Talvez tenha sido a decisão errada, mas foi a única que eu pude tomar.

Eragon não respondeu. Apenas ficou imóvel por alguns minutos, antes de perguntar:

– Alguém mais sabe?

– Sim. Ângela, que fez o parto, Elva, da qual nada pode ser escondido, e Roran com a família. Achei que ele seria o mais próximo de um pai que os pequenos poderiam ter. Não contei nada nem mesmo a Nasuada ou Orik. Para todos na Alagaësia, a paternidade de ambos é desconhecida.

– As crianças sabem que sou pai delas?

– Sim. – Arya parecia desconcertada e arrependida.

Passados os primeiros instantes de choque, a raiva começou a retornar ao coração do guerreiro. Crispando os dedos e trincando os dentes, ele acusou:

– Você os escondeu de mim! Meus próprios filhos! Não tinha esse direito, elfa! Traiu minha confiança! Traiu meu amor!

– Não! – Exclamou Arya, desesperada ao ver que toda a raiva do homem a quem amava se voltava de uma só vez contra ela – Não, Eragon! Eu fiz isso por amor! Fiz isso porque amo você, e amo nossos filhos! Eu queria proteger a vocês três de uma só vez! Queria poupá-lo da dor e da preocupação!

– Se o que diz é verdade, mulher... Se realmente me ama... Você tem um modo muito estranho de fazê-lo. – E assim dizendo, levantou-se e se dirigiu para a porta – Não me procure. Preciso ficar sozinho, e pensar. – Ele saiu e bateu a porta, deixando a Cavaleira sozinha.

Atordoada com a discussão, Arya se recostou à parede e deixou-se escorregar até o chão, abraçando as próprias pernas e suspirando. Fora bem pior do que imaginara. Não se passaram mais que uns segundos antes da voz suave de Ângela ecoar no aposento:

– ele está zangado, e tem razão, mas isso não lhe dá o direito de tratá-la desse modo. Fique aqui, e deixe-me falar com o rapaz.

– Ângela, eu agradeço, mas realmente não acho que você deva interferir. Eu cometi o erro, e devo repará-lo sozinha.

– Não, querida. Se for atrás dele agora, vocês brigarão novamente, e talvez digam coisas que nunca mais poderão ser perdoadas. É melhor que eu cuide disso.

Pela primeira vez aceitando a ajuda de outra pessoa, a rainha assentiu. Sim: a herbolária era a única pessoa que poderia chamar Eragon de volta à serenidade, naquele momento.