O percurso tomado por Arya levou o grupo para os túneis secretos nas entranhas das montanhas. Se a trilha externa à rocha era assustadora, e os deixara com as mãos feridas por se agarrar às pedras de bordas afiadas, o percurso dos túneis era igualmente desconfortável: caminhos baixos, apertados e escuros, nos quais contavam apenas com pequenas esferas de luz – criadas por Arya, Eragon e Murtagh – para iluminar o percurso sinuoso, que ora subia, ora descia, até que Ângela e Arya pareciam as únicas a não se terem perdido.

– Arya, tem certeza de que sabe aonde estamos? – perguntou Eragon, totalmente desorientado.

– O próprio Hrothgar ensinou-me estes caminhos, Eragon. Eu sei o que estou fazendo – sussurrou ela de volta. – vamos sair bem em cima da estrela de safira... Imagino que o salão ainda não tenha sido invadido.

– E se tiver sido? – perguntou Roran – vamos lutar em cinco contra um exército?

– Tomaremos outra passagem, perto à saída deste túnel, que nos levará ao coração da montanha. Precisaremos cruzar a ponte sobre o salão para chegar até lá... Mas deixemos isso para caso de necessidade.

– Fiquem quietos! – ciciou Ângela – vão acabar nos ouvindo!

As últimas centenas de metros foram percorridas em total silêncio e escuridão. De mais abaixo vinham os sons inconfundíveis de passos, vozes a berrar ordens, gemidos de dor de guerreiros feridos. Certo: havia soldados ali embaixo, mas de qual facção?

Chegaram à boca do túnel; Arya se preparava para sair primeiro, quando Ângela segurou-lhe o ombro, séria:

– Melhor eu ir à frente. Você pode ser uma elfa, mas não tem a mesma experiência que eu em passar despercebida. – e ante a anuência da rainha – Mantenham-se mais para trás, para não serem vistos. – com aquela palavras, a herbolária sussurrou algo. De imediato, sua forma se tornou difusa e incerta, enquanto ela parecia se fundir às sombras: um encantamento para confundir a mente, é claro.

Longos minutos se passaram entre a saída da mulher e seu retorno; quando voltou para junto dos amigos, tinha um sorriso no rosto:

– É melhor saírem logo! Nossos anfitriões esperam por nós!

*

Orik recebeu Roran, Eragon e Arya com um abraço esmagador: o anão não mudara muito... Os mesmo olhos escuros e barba ruiva presa em tranças... A mesma baixa estatura e corpo largo... O mesmo elmo assustador. Em suma: o mesmo velho amigo e irmão de clã do qual o Cavaleiro de Saphira se despedira há doze anos. Parecia muito feliz em ver Eragon, Arya e Roran; entretanto, seu rosto espelhou todo o desagrado que sentia em rever Murtagh:

– O que este cretino está fazendo aqui?

– Calma, Orik – Eragon passou o braço pelos ombros do rei – Ele está conosco.

– Também o estava antes, quando passou para o lado de Galbatorix! – cuspiu o anão, com desprezo.

Chamas de raiva de acenderam nos olhos de Murtagh, mas este apenas cerrou o maxilar; devia estar fazendo um enorme esforço para se conter, pois, quando afinal respondeu, sua voz saiu inexpressiva:

– Reze para que jamais alguém descubra seu nome verdadeiro, anão. Não sabe o que é ser forçado a fazer tudo aquilo que não quer, simplesmente porque alguém detém o controle de sua mente e seu corpo. Reze para jamais saber qual é a sensação disso.

– Pode dizer o que quiser. Eu não confio em você – a expressão do rei se abrandou – Mas confio em vocês, meus amigos. – Disse para os outros quatro – Sei que ele não oferecerá perigo, enquanto estiverem aqui. Mas agora, venham!

Enquanto atravessavam o salão da Isidar Mithrim, que no momento servia de enfermaria para os defensores de Farthen Dûr, Orik explicou:

– A cidade é praticamente inexpugnável. Nossos inimigos conseguiram adentrar os níveis externos, devido à traição; entretanto, conseguimos isolá-los e aos traidores no portão externo, onde montaram sítio. Tivemos escaramuças nos últimos dias, mas nenhum confronto real: os túneis são estreitos demais para isso! Felizmente, isso impede que os ursos Beorya sejam usados: não sei se as portas aguentariam um ataque maciço daquelas bestas.

– Estão bem melhores do que imaginamos – declarou Arya, parando para observar enquanto a ferida de um guerreiro seria cauterizada com um ferro incandescente. Franzindo o cenho, interrompeu – Parem! Isso só vai piorar! – e correu para junto do enfermo, seguida por Ângela.

Meneando a cabeça, tomado da costumeira admiração e carinho pela elfa, Eragon falou:

– Acho que perdemos Arya e Ângela, pelas próximas horas. Depois explicarei a elas o que você nos disser.

– Bem – recomeçou o anão – Talvez estejamos melhores do que imaginaram, mas isso não é grande coisa. O que vêm aqui – e mostrou com um gesto largo a enfermaria improvisada – é apenas parte da calamidade. Nossas enfermarias estão lotadas, e também... As câmaras mortuárias. Perdemos centenas de bons homens no primeiro ataque, antes que conseguíssemos bloquear o avanço de nossos inimigos. Basicamente, o caos se instalou: morreram os chefes de três dos sete clãs, que estão com liderança provisória e ilegítima, ante a impossibilidade de reunir as famílias para elegeram seus chefes.

– Não podem fazer isso sem reunir as famílias inteiras? Não basta um conselho de guerra que eleja um chefe? – perguntou Eragon, preocupado com a situação.

– Poderíamos, mas esse chefe não seria reconhecido pelos que não participaram da eleição. Sabe como as relações entre os anões podem ser complicadas, Argetlam...

– É, eu sei bem... – O Cavaleiro se lembrava da tentativa de assassinato que sofrera, por participar da política dos anões – Há algo que eu possa fazer?

– Por ora? Tomar um banho e descansar: está com uma aparência péssima. Todos vocês estão. Lamento não poder oferecer melhores acomodações.

– Faça-me o favor, Orik! – interrompeu a voz de Arya, que vinha para se juntar ao grupo – Todos aqui são guerreiros experientes, e podem lidar com um pouco de desconforto. – Ela tirou da fronte uma mecha negra rebelde – Mas não vamos descansar antes de termos visto um mapa da situação atual, nem antes de falarmos com Marroghr Argetlam.

– Sinto muito por isso, mas não será possível falar com Marroghr Argetlam, no momento: ele está se recuperando de um ferimento. Levou um golpe de machado no braço esquerdo, e perdeu bastante sangue, mas vai sobreviver. Creio que acordará em algumas horas, mas até lá... Terão de se contentar comigo.

Roran suspirou: política, intrigas, chefes e traições... Ele era um guerreiro, não um político! Não sabia lidar com as tramas intrincadas das cortes. Por isso preferia lidar com os Urgals: eram rudes, grosseiros, violentos e irreverentes, mas eram, também, diretos, francos e cristalinos em seus interesses. Sem meias-verdades – como os elfos – sem intrigas por poder – como os anões. Voltando-se para Orik, perguntou:

– Há urgals defendendo a cidade?

– Um grupo deles, sem chefia desde que Marroghr foi ferido, ontem. Talvez queira vê-los, Martelo-Forte?

– Por favor. – a uma ordem do soberano, um guerreiro mestiço de humano e anão veio para guiá-lo aos soldados Urgals. Restaram Orik, Arya, Murtagh e Eragon (Ângela havia sumido, outra vez).

– Querem ver um mapa? Por aqui – Orik conduziu os outros três para fora do salão de Isidar Mithrim, até sua sala de guerra. Sobre uma mesa circular de pedra, havia uma mapa da cidade: peões com cores diferentes marcavam o avanço das tropas – Todas as entradas oficiais estão bloqueadas. Apenas as trilhas laterais, como a que usaram para vir, permanecem abertas. E há, também, o escoadouro de água... Mas nosso inimigos não poderiam usá-lo: fica totalmente cheio, e é longo demais para que alguém nade por ele.

– Talvez eles não possam... Mas nós podemos – falou Murtagh – Eu, Eragon e Arya. Mas termine de nos mostrar tudo, antes. Depois poderemos discutir estratégia.

Voltando a sua explanação o monarca correu os dedos pelo mapa, apontando:

– Aqui está a cavalaria de Kulls, com seus ursos gigantes. Aqui, os Urgals inimigos: portam em suas testas uma estranha marca vermelha, que parece queimada a ferro, mas ninguém conseguiu descobrir o que é.

– Deve ter à ver com a pessoa, ou pessoas, por trás disso. – Falou Arya – e aqui? – apontou para um peão castanho.

– Selvagens das tribos de Surda. Atacaram primeiro, e depois recuaram. Quando achamos que estávamos a salvo, vieram os ursos com seus cavaleiros. Vieram destruindo tudo pelo caminho, matando quem encontraram pela frente, fosse mulher, velho, criança ou homem. Isso é tudo o que sabemos.

Eragon mirou longamente o mapa:

– Não sabemos muita coisa, essa é a verdade.

– Não basta debelarmos o ataque: precisamos saber o que o motivou, e quem está por trás disso – afirmou Arya. Ela e Eragon trocaram um olhar significativo: conheciam-se há tempo suficiente para que o humano compreendesse o que ela pretendia.

– Quer ir até as tropas inimigas, não é? Observá-las, talvez capturar um comandante ou dois, e tentar descobrir mais a respeito disso tudo. – Ele meneou a cabeça – Adoraria poder discordar, mas você está certa. Vamos nos recuperar dessa viagem, e podemos fazer isso esta noite. Irá conosco, Murtagh?

– Os rios ainda são feitos de água? – perguntou o Cavaleiro Vermelho – Conte comigo, meu irmão.

Orik, entretanto, não pareceu apreciar a idéia:

– Estão loucos? Vão espreitar o acampamento inimigo, sozinhos? Vão acabar sendo mortos!

– Já fizemos coisas piores, Orik. Pediu por nossa ajuda, não foi? – Arya não era nem um pouco sutil – Viemos para ajudar. Proteja sua cidade o melhor possível, e deixe-nos descobrir mais a respeito dos atacantes. Será mais fácil derrotá-los se soubermos como pretendem agir, e por quê.

– Vai servir de algo eu dizer que me oponho?

– Não – responderam os três cavaleiros em uníssono.

– Muito bem, então. Mandarei que levem os três até um alojamento decente, para que se lavem e descansem. Roran irá encontrá-los, assim que terminar com os Urgals. – o anão se voltou, começando a dar ordens – Ver-nos-emos hoje à noite?

– Com certeza – respondeu Eragon: para quem passara doze anos na absurda paz de Vröengard, as aventuras haviam começado muito bem, após seu retorno. Mais uma vez via-se enredado nas conspirações e perigos da Alagaësia... Como sentira falta de tudo aquilo!