Uma Nova Alvorada

Capítulo 6- A Floresta do Pesadelo


O balaço excessivo do caminhão embrulhava meu estômago, não era como se não estivesse acostumada, mas, especialmente naquele momento, era a pior sensação do mundo. E embora estivesse vendada, meus olhos estavam bem abertos, não conseguia fechá-los por nenhum segundo sequer, sem que todas as sensações e emoções daquele teste voltassem com força total, especialmente a imagem do corpo pálido, os tornozelos que estavam machucados devido ao peso exercido pelas bolas de peso, e seus braços e mãos que pareciam que ainda não haviam desistido de buscar pela superfície.

O caminho parecia não ter fim, bem como minhas lágrimas que não paravam de cair. Não soluçava, estava com muito medo para emitir qualquer som, me sentia sozinha, nem Rin estava ao meu lado agora e isso doía. Acreditei que as meninas conseguiriam e que se isso não acontecesse elas seriam salvas. Mas não foram. E eu poderia ter voltado, ajudado uma ou outra que estivesse com mais dificuldade. Mas não o fiz. Não sabia o que sentir, apenas sentia. As roupas molhadas me lembravam disso constantemente, não tremia somente pelo frio...

O caminhão finalmente parou, a sensação que tínhamos andado por horas a fio não havia passado e assim que foi autorizado a retirada da venda, percebi que o sol já estava se pondo, formando aquelas lindas transições de cores, que em qualquer outro momento, me fariam parar e admirar, mas agora apenas me entristecem ainda mais. Desci do caminhão e me deparei com um pequeno campo em frente à uma floresta. Lorde Kasai estava a nossa espera, como sempre, muito formal, no entanto, senti como se seus olhos estivessem tão tristes quanto os meus.

—Sejam bem vidas, sinto muito que não possam descansar, no entanto, a terceira fase irá começar. Irei explicar as regras básicas, por favor, deixem as dúvidas para o final. Pois bem, a terceira fase consiste em uma luta pela sobrevivência na floresta, ou seja, irão lutar contra a fauna e a flora do lugar, além dos soldados que estarão por perto. Não é permitido lutas entre vocês, mas claro que podem se ajudar. Os soldados lutarão a fim de derrotá-las, não para matar, peço que façam o mesmo. Contudo, não estamos responsáveis pelos animais perigosos ou plantas e frutas venenosas que encontrarem, então peço que fiquem atentas a esse detalhe. Esta fase irá durar duas noites e um dia. Ao final da segunda noite, os guardas não lutarão mais, lhes entregarão as vendas para que possam voltar em segurança para seus quartos. Espero que possam descansar depois dessa fase – seus olhos passam por todas nós, uma de cada vez, para então abaixar sua cabeça por segundos antes de voltar a se pronunciar – Alguma dúvida até aqui? – ninguém se manifestou – Boa sorte. A terceira fase começa agora.

Quando finalmente tive coragem para desviar meu olhar do lorde, me lembrei de Rin, e tentei procurá-la, foi quando, pela primeira vez desde aquela fase, que olhei quantas meninas estavam comigo. Contei vinte e cinco meninas, ou seja, cinco já não estavam mais conosco, cinco haviam morrido. Minhas mãos voltaram a tremer nesse ponto, meus olhos se encheram novamente de lágrimas, sequer tinha percebido quando foi que deixei de chorar, para então voltar ao mesmo estado. Avistei Rin do outro lado, fitando o chão, sua mão direita segurava seu braço esquerdo, enquanto a outra estava cerrada. Queria alcançá-la, mas meu corpo não conseguia se mover conforme meus desejos e antes que pudesse me forçar mais a isso, percebi que a mesma andava em direção a floresta. Foi quando lorde Kasai interrompeu.

—Pedirei para que cada uma de vocês sejam levadas à um ponto especifico da floresta, precisamos saber onde aproximadamente estarão para que sejam encontradas com certa segurança.

Rin parou assim que a instrução foi dada, um soldado a segurou pelo braço e a levou, assim, logo o mesmo aconteceu comigo. No fim, não fui capaz de chegar até ela, mas esse não era, nem de longe, o momento certo para pensar nessa situação. A floresta estava terrivelmente assustadora a noite, só era possível enxergar graças a lanterna que o soldado tinha em mãos. Andamos mais um pouco, tudo parecia extremamente igual, eu não conseguiria sair sozinha desse lugar nem se tentasse muito, o soldado parou e fiz o mesmo. Primeiro pensei que ele tivesse avistado algum perigo e por isso parado, mas então percebi que esse deveria ser meu ponto. O olhei assustada, e fitei a lanterna por um tempo. Assim, uma voz grave me perguntou se eu queria a lanterna, o qual respondi positivamente na mesma hora. Ele me entregou sem hesitar e retirou outra de um bolso da pesada farda que vestia, se virou e logo sumiu em meio as árvores e arbustos.

Me virei para frente, a lanterna realmente facilitava muito, comecei a procurar por algum lugar que poderia descansar, pelo menos por um tempo, longe de alguns animais e também dos soldados. Enquanto buscava pelo abrigo, comecei a pensar no que deveria fazer para conseguir sobreviver, de fato, acender uma fogueira manteria a maioria dos animais afastados, além de me aquecer, no entanto, isso poderia chamar mais ainda atenção dos soldados. Eles deveriam me atacar de um jeito ou de outro, não tinha certeza se seria possível acelerar ou aumentar essas chances, mas preferi não me arriscar.

Encontrei uma pequena caverna, com pouca profundidade (o que era muito bom, assim não teria surpresas com grandes animais morando por lá), por perto havia algumas folhas bem grandes, aproveitei para pegar algumas, assim serviriam de “cobertores”, ao passo que poderia me camuflar também. Me encolhi como uma criança, desliguei a lanterna e tentei fechar os olhos, e devido ao cansaço, não foi tão difícil.

Abri meus olhos e estava debaixo da água, olhei ao meu redor e vi várias meninas se afogando, bem ao meu lado estava Rin, com os lábios roxos, olhos abertos demonstrando puro medo, ela tentou segurar meu braço, mas desmaiou, então tentei alcançá-la, mas pesos me puxaram abruptamente para o fundo, o ar deixava meus pulmões com muita rapidez, assim como, desesperadamente tentava me agarrar a algo que não poderia. Comecei a sentir muita dor, meu corpo inteiro estava queimando. Foi quando acordei.

Olhei para minhas mãos e elas estavam vermelhas e inchadas, me levantei depressa e procurei por qualquer sinal de animal, e por sorte não encontrei, ao invés disso, percebi que a folha que havia pegado era de uma árvore famosa em Geiru, chamada Ignus (o nome não é criativo, a folha da árvore queima tudo aquilo que toca, não como o fogo, mas se assemelha à um veneno), é muito semelhante à outra árvore, Copas, que tem folhas igualmente grandes, com o diferencial de serem de um tom de verde claro com algumas manchas mais escuras, enquanto a Ignus possui a folhagem de um tom verde escuro por completo.

—Droga, mesmo com a lanterna eu confundi as folhas. Nos livros parecia tão simples diferenciá-las. Já deve estar quase amanhecendo... Não vou conseguir dormir sem ter outro pesadelos, então tentarei continuar acordada, por enquanto.

Continuei na pequena caverna enquanto via o alvorecer, aqueles lindos tons alaranjados, mesmo não gostando da cor, era impossível não me sentir acolhida por ela, principalmente em momentos como esse. Contemplar o céus e suas cores tirou minha cabeça da dor de perder, perder como queria que minha vida fosse, perder companheiras, que mesmo não conhecendo, sabia a dor que também sentiam... Mas não tive muito tempo para respirar e ouvi sons de galhos próximos se quebrando, bem à minha direita. Me encolhi mais ainda na esperança de que, assim, ninguém me encontrasse e imediatamente comecei a tremer. Não conseguia pensar, tudo que vinha em meus pensamentos era o pesadelo tudo de novo.

Um braço, repentinamente, me puxou para fora do esconderijo. A força foi tão grande que fui arremessada para longe da entrada, não conseguia levantar a cabeça, mas conseguia ver as pernas se aproximando rapidamente. Sem tempo para pensar, chutei a canela do soldado, que perdeu o equilíbrio, mas não caiu, enquanto me levantei e me coloquei em posição de combate. O primeiro murro atingiu minha costela, devido a uma falha tentativa de me desviar do mesmo, a dor penetrou rapidamente meu corpo. Respirei fundo e me virei com o punho direito cerrado em sua direção, acertado a lateral de seu rosto, o que fez, novamente, o soldado perder o equilíbrio. Aproveitei seu momento de fraqueza e com um impulso pulei em sua direção, empurrando sua cabeça em direção ao chão, mas fui atingida por uma joelhada no estômago que tirou de mim o resto do ar que preenchia meus pulmões e cai no chão.

Enquanto tentava desesperadamente recuperar o fôlego, o soldado debruçou em cima de mim, apertando meu pescoço com muita força, como ainda estava deitada no chão, enrolei minhas acima de seus ombros e comecei a esmurrá-lo sem parar. Devido a dor e falta de ar do estrangulamento, cada golpe perdia sua força e potência, mas não parei sequer por um segundo, até que senti suas mãos afrouxarem um pouco, o que deu brecha para que respirasse relativamente bem, e assim pude voltar a ter mais força nos socos que desferia em seu rosto.

O soldado me largou e caiu ao meu lado. Levantei o mais rápido que conseguia e me coloquei novamente em posição de ataque, mas o soldado não se moveu. Me aproximei dele pude ver uma bainha preta de uma faca saindo da borda de seu coturno. Me abaixei com cuidado e peguei a mesma, no entanto fui surpresa por uma voz doce e suave.

—Nosso acordo era de não matar nossos soldados, por favor. – lorde Kasai apareceu de repente e olhou para mim com aqueles doces olhos – Por favor.

—Eu- eu o matei? – indaguei ainda ofegante – E- ele está morto?

—Não, ainda não. Somente muito machucado, pelo o que posso ver.

—Po- posso ficar com a- a faca? Por favor? – o olhei suplicando para que o mesmo permitisse.

—Pode. Agora irei levá-lo para ficar sob meus cuidados. Boa sorte. E – ele faz uma pausa enquanto olha a faca em minha mão – não a use em nenhum dos meus soldados, por gentileza.

Vi lorde Kasai levantar e segurar o soldado com uma única mão e logo sumir em meio à vegetação, enquanto caí de joelhos no chão, como se todo um peso tivesse sido tirado de mim e eu finalmente pudesse descansar. Chorar e tremer agora faziam parte da minha rotina, e era exatamente assim que eu estava, por dez minutos a única coisa que consegui fazer foi chorar apoiada ao chão, segurando a faca como se minha vida dependesse disso.

Meu estômago doía cada vez mais conforme o tempo passava, não era possível saber se era a dor de ter apanhado ou se a fome estava falando alto nesse ponto. Me coloquei de pé com muita dificuldade, e ainda tremendo, comecei a andar enquanto segurava a lanterna com a mão esquerda e a faca na direta. Em busca de comida, fui capaz de encontrar algumas pequenas frutas, mas fiquei com bastante medo de comer aquelas que não tinha certeza da espécie, e infelizmente elas não foram suficientes para passar toda a dor.

Me encostei em uma árvore que parecia segura o bastante para isso, fechei os olhos e peguei no sono. Sem pesadelos, o cansaço era tamanho que precisava de um blackout completo da mente para me recuperar. Olhei ao meu redor e percebi que não estava no mesmo lugar que deitei, o pânico logo começou a apresentar seus sintomas fisiológicos. O sol ainda estava alto, mas não muito, sua posição me passava a impressão de ainda ser algo perto de três horas da tarde, o que significava que apaguei por mais da metade de um dia.

Barulhos se aproximavam rapidamente, como passos em minha direção, e então pude ouvir a voz do meu maior suporte aqui.

—Finalmente você acordou. – Rin me olha de canto – Encontrei você deitada em qualquer lugar, bastante exposta na verdade. Pensei que você tinha aprendido algo com aquele primeiro teste que tivemos. – ela faz uma pausa – Se não vai conversar comigo, pelo menos agradeça, foi extremamente difícil te arrastar até aqui.

—Obrigada – digo enquanto olhava para suas mãos, que agora pareciam menos delicadas do que me lembrava – Onde estamos?

—Não tão longe de onde você estava, mas aqui pelo menos tem uma proteção maior, graças à essas paredes de pedra. Trouxe água de um riacho que tem aqui perto também, beba.

Me levantei e bebi a água que estava em uma folha de tamanho médio. Rin estava sentada mais ao fundo da caverna, que ao contrário da primeira que encontrei, era grande em comprimento, largura e altura. Me perguntei como era tão fácil achá-las nessa imensa floresta, talvez fossem colocadas aqui de proposito, criadas por alguma imperatriz menor, ou algum lorde que não conhecemos ainda. Me virei para a Rin, a fim de compartilhar meus pensamentos com ela, mas vi olhos brilhando por cima de seus ombros. Meus olhos arregalados a avisaram de algo que estava por vir.