Dulce ficou paralisada por alguns instantes, enquanto observava Robert conversando levemente com Jorge e olhando para ela, desafiando-a. Ela resolveu se aproximar no intuito de investigar melhor o que ele queria com aquele comportamento. Jorge, por outro lado, estava incrivelmente à vontade, contando um pouco sobre o trabalho dele, sobre os ensaios com as crianças e, também, dando créditos a ela em relação à parte do canto. Quando ele notou, ela já estava a seu lado e segurava seu braço de uma forma a tentar mostrar que algo estava errado.

— Dul, que bom você chegou! Eu estava conversando aqui com o Romeo…

— Romeo? — ela perguntou, surpresa.

— Romeo Pina — o repórter se apresentou, estendendo a mão para ela, como se não a conhecesse. Ela não retribuiu.

— Estávamos falando sobre o trabalho que fizemos com as crianças, sobre as aulas e todos os problemas que tivemos no meio.

— Incrível — comentou Dulce, sem vontade.

Antes de que o assunto pudesse se prolongar, Anahí também se aproximou, cumprimentando Romeo, e falando alegremente sobre assuntos superficiais. Dulce, cada vez mais ansiosa com toda aquela conversa e toda a confiança que Romeo inspirava nas pessoas, tentava puxar Jorge para algum outro lugar para que ela pudesse explicar o que estava acontecendo na realidade, porém, sem sucesso.

— E Dulce, você saiu do mundo do espetáculo? — Romeo claramente queria mostrar que não sabia sobre ela. Ela não cairia nesse jogo.

— Romeo, vou pedir licença para dar algumas orientações às crianças. Elas estão bastante eufóricas com a possibilidade do prêmio…

— Dul — Anahí chamou — o Romeo sempre pergunta se a gente sabe de você…

— Agradeço o interesse! — respondeu, se afastando e arrastando Jorge com ela.

Da porta do camarim, Blanca observava como a irmã mais nova se comportava de uma forma tão esquisita. Foi andando até ela e o amigo para tentar descobrir se algo realmente havia acontecido que ela precisasse saber para entender Dulce, mas foi interrompida pela chegada da equipe de produção do evento.

— Pessoal, vou pedir a todos um pouco de silêncio para falar com vocês. Os jurados já estão prontos para divulgar os resultados, então vocês agora irão voltar para os lugares de vocês lá fora, para reiniciarmos.

Dulce não teve tempo de explicar a Jorge. Se uniu a Margaret e aos outros professores e acompanhou as crianças até as cadeiras, notando que os demais ex-RBD continuavam sentando-se ali perto e que Anahí já se juntava a eles também. Jorge se sentou, ainda seguro pelo braço por Dulce, estranhando toda aquela precaução.

— Amiga, o que está acontecendo? Você está estranha desde que a gente entrou lá no camarim…

— Você me escuta bem: Romeo é o cara das cartas!

— Como assim, Dulce? O cara das cartas não se chama Robert?

— Só se esse for o gêmeo dele… Jorgito, presta atenção. Ontem eu fui falar com ele, lembra? Pois bem, ele está armando alguma coisa para a gravadora que eu trabalhei por muito tempo. Ele sabe que eu sei de algumas coisas esquisitas que aconteciam lá dentro e no final é isso que ele quer saber. — Dulce fez uma pausa, percebendo um movimento no palco, indicando que o evento já iria começar novamente — E ele está usando todas as armas que tem. Ele me chantageou primeiro com dinheiro. Depois ele disse que se eu não contasse o que eu sei, ele contaria às pessoas o que ele sabe sobre mim, o que eu fiz.

— Amiga, mas o que de tão ruim você fez? — Jorge parecia surpreso.

— Aí é que é a questão. Você deve recordar que eu não me lembro de muitas coisas. Principalmente mais recentes ao acidente. Pelo menos, não me lembrava. Mas vir para cá teve um efeito positivo nesse sentido.

— Você lembrou?

— Eu busquei fontes mais confiáveis, digamos…

— Eu não entendi.

— Eu conversei com a minha irmã. Ela veio me encontrar depois que subimos no palco. Eu não tive muito tempo na verdade de matar a saudade nem de explicar muita coisa. Mas eu sei de alguma forma que ela sabe tudo o que aconteceu, e pelo que ela disse não aconteceu nada.

— Foi tudo um blefe, então?

— Amigo, veja bem. Eu estou nessa vida de espetáculos há muitos anos e eu sei bem que a melhor mentira é aquela baseada em fatos reais. E é assim que ela é tão bem construída a ponto de não ter como refutar.

— Meu Deus, Dulce… E como é que eu fui compactuar com o inimigo assim?

— Você não sabia, está tudo bem. Mas o fato é que ele está aqui e vai fazer de tudo para mostrar que ele é quem está no controle.

— Então precisamos ficar de olho — conclui Jorge, na mesma hora em que Adal reaparece no palco, chamando atenção do público para si.

— Senhores, estamos de volta e agora com resultados! Quem está ansioso para saber quem ficou em primeiro lugar no nosso concurso?

O público interagiu com o apresentador, mas Dulce não conseguiu ficar tão emocionada assim. Claro que ela queria saber qual a colocação dos meninos, mas ela estava preocupada com a presença de Robert/Romeo, acreditava que ele poderia estar por aí espalhando coisas sobre ela.

— Muito bem! Gostei da animação! Mas antes de começarmos a premiar, gostaria de chamar ao palco para me ajudar um grande amigo. Recebam comigo Romeo Pina!

Dulce na mesma hora sentiu a espinha gelar. Observava-o sendo recebido no palco enquanto as pessoas o aplaudiam. Não podia tirar os olhos daquele homem que tinha claramente duas personalidades: uma era aquela que o público conhecia; a outra, a que fazia qualquer coisa para ter o que queria.

— Boa tarde, pessoal! Eu sou Romeo Pina e estou muito agradecido de ter sido convidado para encerrar essa cerimônia. Eu sei que a maioria de vocês me conhece e sabe que eu estive presente na era dois mil. Conheci muitos dos artistas que foram homenageados hoje e sei o quanto sentimos falta daquela época. Os anos dois mil descobriram e evidenciaram artistas que até hoje são referência. Já tivemos um exemplo muito querido, o nosso RBD. — Romeu se vira para o local onde Dulce e os outros ex-RBD estavam, e continuou a referir. — Foi um grupo que levou o nome do México a todos os continentes. Tinham fãs por todos os lados e suas músicas e nosso idioma foi levado para todos. E falando em RBD, acho que vale a pena comentar que eu tenho uma notícia muito interessante.

Jorge segurou a mão de Dulce. Ele tinha percebido, no mesmo momento que ela, que Romeu ia começar a colocar em cheque as informações pedidas a Dulce em troca de não dizer nada sobre ela. Dulce sabia que ele queria alguma reação que indicasse sua rendição e que contaria tudo o que Romeo queria saber por desespero, mas ela permaneceu séria e atenta.

— Bem, todos sabemos que há muito tempo nossa Dulce se afastou do mundo do entretenimento. E provavelmente já notaram mais cedo que ela está de volta. Quero que saibam que eu mesmo a encontrei e convenci de que ela deveria voltar, mesmo depois de tantos acontecimentos. Eu disse, como sei que vocês diriam também, mesmo depois de um grave erro, ela não podia mais ficar escondida, ela não precisava ter medo — Romeo olhava para Dulce com um sorriso ameaçador.

— Romeo, nosso grandíssimo amigo, ficamos tão felizes que nossa menina está de volta. Sentíamos sua falta, Dul.

Ela estava com o coração acelerado devido à raiva. Ela não queria que seus fãs, familiares e amigos achassem que ela tinha alguma culpa. Ao mesmo tempo, sabia que seria difícil conversar sobre tudo isso de uma maneira clara e que as pessoas entendessem seus motivos. Ainda, ela era agradecida por Adal trazer um pouco de leveza para o momento.

— Então é mais ainda que temos que agradecer a você, porque toda a ideia deste concurso foi apresentada pelo Romeo! Mas você vai nos presentear com os detalhes dos acontecimentos mais tarde, porque agora vamos começar a revelar as posições e quem levou o grande prêmio! — Adal se volta para a ficha que estava segurando, anunciando logo em seguida — Em terceiro lugar, com muita honra, os meninos da Escola Autônoma da Cidade do México!

Em meio aos aplausos, as crianças, acompanhadas por um representante da escola, subiram ao palco e receberam suas medalhas e um troféu. Enquanto isso Dulce ainda mantinha o olhar fixo em Romeo.

— Dul — tentava chamar Anahí, sem sucesso em todas as tentativas.

— Dul! — ela tentou novamente, dessa vez ganhando a atenção da amiga. — O que é tudo isso que o Romeo estava falando?

— Eu preciso sair daqui… — ela comentou, sentindo um tremor, no lugar de responder a pergunta.

— Dulce, o que está acontecendo? — indagou Maite.

Todos eles tentavam entender, perguntando e estando mais perto de Dulce. Ela, por sua vez, continuava olhando para Romeo.

— Ele vai falar coisas que não são reais — disse num tom baixo e devagar. — E as pessoas têm uma tendência insana de acreditar quando alguém fala alguma coisa sobre um artista, mesmo que seja fofoca, mesmo que eles não saibam o que aconteceu de verdade. Procurar a verdade é muito custoso. Ainda que alguém se machuque com isso tudo…

Eles não tiveram tempo de investigar mais, pois Adal chamou o segundo lugar logo que as crianças da capital desceram do palco.

— Agora é a posição definitiva. Vamos chamar o segundo lugar e aí já saberemos do campeão. Mas peço que o primeiro lugar aguarde um pouco, para que possamos premiar os meninos primeiro, certo? Quero que subam ao palco, então, nosso surpreendente segundo lugar: os meninos do Colégio Municipal de Paraíso Real!

Todos em volta de Dulce vibraram. Ela não conseguia tirar o incômodo de dentro de si, mas aplaudiu da mesma forma, tentando mostrar apoio e o orgulho que sentia às crianças. Margaret, que seria responsável por acompanhar o grupo, já organizava de pé uma fila muito animada com a colocação e o prêmio, enquanto Dulce aproveitou a bagunça que faziam para se levantar e se afastar dali.

Jorge e os outros ex-RBD a seguiram, com o intuito de entender tudo aquilo e também o que Dulce estava pensando e planejando.

— Dulce, vamos, o que está acontecendo? — Perguntou Christian quando ela finalmente parou de andar.

— Eu preciso pôr um fim nisso…

— Nisso o quê? Pelo amor de Deus, deixa a gente te ajudar! — Poncho pediu, desesperado por ver a amiga tão perturbada.

— Olhem, o que acontece é que sim, Romeo me trouxe para cá, mas eu não sabia disso. Ele plantou a ideia do concurso para que a crianças viessem e, consequentemente, para que eu viesse com elas. Mas eu não sabia que ele tinha organizado isso, da mesma forma que não sabia que ele sabia onde eu estava.

— E por quê você estava se escondendo? — Anahí questionou.

— É essa a questão! Eu não estava me escondendo! — Dulce respondeu, exasperada. Respirou fundo antes de continuar. — Vejam, muita coisa fez com que eu me afastasse. Muita coisa que não foi escolha minha. Mas o fato é que o meu afastamento está sendo contado por ele de uma forma totalmente errada e tudo isso ele está fazendo para me chantagear.

Todos a olharam com dúvida. Jorge, a partir desse ponto, já conhece a história e prosseguiu para poupar Dulce.

— Pelo que eu estou entendendo, vocês já trabalharam com a Dul. Então vocês devem saber tanto quanto ela como funcionam as coisas dessa área. Esse cara está ameaçando contar um monte de mentiras para as pessoas porque ele quer uma informação que ao parecer, só a Dulce tem.

— Não. — corrigiu ela. — Não sou só eu que tenho essa informação. A maioria dos que já assinaram o contrato nessa gravadora sabem sobre isso.

— Então — questionou Jorge — por que você?

— Quando essas coisas acontecem, normalmente os caras buscam um artista que já está com uma opinião pública mais vulnerável — explica Poncho. — Como é o caso da Dul. Segundo ele, ela “sumiu”, ou seja, largou todo mundo por causa de uma coisa errada. Se é certo ou não, não importa. Nesse ambiente, só importa o que é divulgado, o que as pessoas falam bastante passa a ser verdade.

— Eu não sabia que vida de famoso era assim — disse Jorge.

— Eu preciso ir — Dulce anuncia.

— Não, você acha que vai sozinha, sua doida? Já foi naquele dia, eu já não achei bom, mas hoje está perigoso demais. Não, não. Eu vou com você.

— Jorge, você vai lá ajudar com as crianças. Aqui, perto de tanta gente, esse Romeo não é capaz de fazer nada. A arma dele é a palavra, pode ficar tranquilo.

Dito isso, Dulce se afastou, mesmo com o protesto de todos eles.

Ela começou a dar a volta no lugar, buscando entre as pessoas, com o intuito de encontrar quem mais importava nessa história toda. Queria desmentir, desde já, qualquer porcaria que fosse falada pelo apresentador. Dulce vasculhou em meio a platéia, procurando os pais mais ou menos onde os havia visto pela última vez, de cima do palco. Escutou o momento em que Adal pediu que o primeiro lugar subisse para receber o prêmio, e nesse instante ainda não tinha encontrado quem ela procurava. Escutou quando eles receberam as medalhas e o troféu. Escutou quando Adal encerrou a cerimônia e novamente agradeceu a presença de Romeo, dos ex-RBD, das escolas e do público. Ainda não alcançava ver sua família.

Alguns minutos depois, conseguiu finalmente avistá-los. Ali estavam seus pais, sua irmã e seu noivo. Não sabia na verdade se continuavam noivados, pensou. Conseguiu se aproximar quase a ponto de poder chamá-los, mas então notou um detalhe. Conversando com eles estava Romeo. Esse homem estava, aparentemente, em todas as partes.

Dulce não tirava o olhar do grupo, tentando assim não perder de vista nenhum deles e ao mesmo tempo não ser notada. Em algum momento, Dulce percebeu que sua irmã olhava para ela e fazia um sinal com os olhos. Dulce respondeu, levantando um dedo na direção da boca, de forma a pedir que não falasse nada. Faz outro sinal, a partir de gestos, da melhor forma possível, para que Blanca levasse os pais para casa e que os encontraria lá.

Ela tentou se aproximar mais um pouco, ainda camuflada dentro da multidão. Conseguiu ouvir com dificuldade o que estava sendo conversado e identificou que eram puras mentiras. E, como se não bastasse, pôde ver outros meios de comunicação por perto, registrando as histórias falsas que Romeo contava com convicção.

Uma mão a tocou no ombro, assustando-a.

— Dul… — era Anahí. — O que você está fazendo?

— Any, tem coisas que só eu vou poder resolver. Eu preciso fazer isso sozinha.

— E o que realmente você precisa resolver? Você acha que seus pais acreditariam na história dele?

— Eu não sei — respondeu Dulce, ainda com o olhar fixo, no grupo. — Mas eu preciso desmentir tudo e explicar realmente o que aconteceu.

— Eu não sei o que mais você planejou para, como você disse, resolver isso. Mas você pode procurar um advogado, como já fez antes, para pedir restrição.

— É sim uma possibilidade. Mas isso demora muito, e neste momento, não há tempo. Sem contar que é muito assustador ter uma pessoa contando sobre a sua vida, sem saber realmente o que aconteceu. Eu só quero estar em paz com eles.

A conversa que ocorria na presença de Romeo pareceu terminar. Dulce pôde ver Blanca argumentando com os familiares sobre ser melhor ir para casa e aguardar notícias. Ela os conduzia para a saída do local. Era hora de encarar os fatos.

— Any, eu preciso de um favor seu. Preciso que você avise o Jorge que eu não vou voltar com eles e também preciso que diga que eu estou bem.

— Então você vai para a casa?

— Vou.

Dulce abraçou Anahí, despedindo-se. Ela seguiu o mesmo caminho que a irmã tinha feito, no intuito de procurar um táxi.

***

Ela conseguia reconhecer aquela rua, aquela casa. Vinham recordações que ao mesmo tempo traziam traços de amor, também eram tristeza. Não havia ninguém por ali, mas Dulce sabia que todos estavam esperando que ela chegasse.

Respirou fundo e tocou a campainha.

Não demorou quase nada, e a porta foi aberta. Dulce entrou. Imediatamente um par de braços se enrolou em seu pescoço e finalmente Dulce se sentiu em casa.

— Onde você se meteu todo esse tempo? Por que você sumiu? — Perguntou Blanca.

Dulce não respondeu, estava colocando atenção no abraço da mãe, no abraço do pai e da outra irmã também. E Paco. Ele estava lá, e tudo precisava ser colocado em ordem. Ela sentiu que chorava, mas nem havia percebido até que os abraços e cumprimentos terminaram.

— Filha, o que aconteceu todo esse tempo? Você está bem? — perguntou a mãe.

Dulce se sentou e respirou fundo. Todos olhavam para ela com expectativa. Ela teria que contar tudo que lembrava.

— Eu vou falar tudo, certo? Tudo começou naquele dia sobre o qual nós conversamos hoje — disse, apontando a irmã. — Houve esse evento. E eu passei a noite toda conversando com o Christopher, porque fazia muito tempo que a gente não se via. E depois do evento, sempre tem aquelas festinhas e tal, mas não estávamos a fim. Na verdade aquele dia eu lembro de só querer ir para a casa deitar. Então o Ucker estava de carro e se ofereceu de me levar embora. E me deixou em casa, e o Paco estava lá. Você se lembra?

— Sim. Foi uma noite complicada.

— Pois é. Nessa noite eu lembrei que por algo discutimos, mas eu não sei o quê. Sei que foi nossa primeira briga e o casamento estava marcado para daqui poucos dias. E eu não conseguia pensar numa forma de resolver essa discussão porque estava nervosa demais. E ainda tinha mais coisas que precisava conversar com você — disse, olhando para ele — mas daquele jeito não podia, não era o jeito certo.

— Aí resolvemos que naquele dia era melhor cada um esfriar a cabeça antes de conversar de novo — Paco completou.

— Sim. E foi nessa noite que eu resolvi que precisava mudar de ares. No dia seguinte, eu peguei o carro, algumas roupas e fui meio sem rumo ver no que ia dar. Não costumava ser assim né, impulsiva. Mas nesse dia eu fui. E fui parar nessa cidade, Paraíso Real, e fui super bem recebida por esses amigos, Jorge e a Paola. Eles alugavam um quarto da casa deles para receber um dinheiro extra e, como a cidade não tem hotel, resolvi aceitar a proposta. E foi tudo bem, segundo eles me contaram. E aí depois de alguns dias, eu resolvi que era hora de voltar.

— Então você não ia ficar lá? — perguntou o pai.

— Não ia. Mas durante a viagem de volta, um caminhão perdeu o controle e bateu no meu carro. E a partir daí, eu só sei o que me contaram.

— Como assim? — Perguntou sua mãe.

— Ai, Jorge e Paola me contaram que o resgate foi chamado pelo caminhoneiro e que ele ficou lá até alguém me levar. Eu fiquei em coma por mais ou menos um mês e meio. E outros mês e meio, variava entre acordar e dormir, sem muita resposta diferente. E os dois iam me visitar todos os dias. Sempre foram bons amigos.

— Meu Deus… — disse baixinho Claudia, sua irmã do meio.

— Depois desses quase três meses instáveis, eu consegui permanecer acordada por um tempo um pouco maior. E aí é que vem a bomba, né. Eu não conseguia me mexer, praticamente, por conta dos remédios, por conta dos traumas, por conta de ficar parada tanto tempo. Eu tinha todos os tipos de assistência que vocês imaginarem. Mas o que mais me assustou, foi quando, pela primeira vez que fiquei de fato acordada e lúcida, a médica veio conversar comigo. Ela me contou o que tinha acontecido e que tipo de cuidados eles estavam tendo, como seria a partir de então, e que eu não precisava me preocupar, porque o bebê estava também estável.

— Que bebê? — perguntou Paco, confuso, assim como o resto da família.

— Foi exatamente o que eu perguntei. Ela me disse que eu já estava grávida quando sofri o acidente e que isso poderia ter causado um aborto, mas que milagrosamente, estava tudo bem. Então eu tive que me acostumar com a ideia de ser mãe e ter que passar por tanta coisa ao mesmo tempo.

“E eu fiquei em tratamento por mais ou menos um ano. A Luísa nasceu bem. Ela foi para a casa e eu fiquei. E todos os dias, era ela que me visitava, e Jorge e Paola me ajudaram muito, cuidavam dela em casa e me ajudavam a cuidar dela no hospital. Quando vocês a conhecerem, vão ver que é a coisinha mais linda.”

— Então, eu tenho mais uma menininha? — perguntou Paco, tentando digerir todas as informações.

— Tem, sim.

— Mas eu ainda tenho uma pergunta, Dul — disse Claudia. — Se você estava acordada e lúcida no hospital, por que não pediu que chamassem a gente?

— Porque além dos traumas no corpo, ou seja, um braço destruído praticamente, uma ferida no quadril causada por um ferro, que até hoje me incomoda, os hematomas no corpo todo, a hemorragia, a gravidez que estava acontecendo em meio a tudo isso, ainda tinha a amnésia. Eu não lembrava de nada, nada. Fui começar a lembrar quando saí do hospital, mas eram lembranças jogadas. Devagar eu fui ligando as coisas e aí novas recordações apareciam com o tempo.

— E depois, para onde você foi?

— Eu fui morar com Jorge e Paola, pai. Eles me ofereceram ficar naquele quarto até que eu me recuperasse. E então eles continuaram me ajudando com a Lu, me ajudando com os tratamentos. Eles são família, também. A família que eu lembrava. E depois, quando me recuperei mais, que já conseguia andar, segurar a Lu, e me virar sozinha, eles me indicaram para a escola, para dar aula de canto para as crianças. De alguma forma eu sabia que sabia cantar, mas só fui descobrir ao certo mais tarde.

— E aí veio esse concurso… — colocou Blanca.

— Sim. E fomos descobrir entre hoje e ontem que foi uma armação desse tal Romeo.

— Você não se lembra dele? — Blanca perguntou.

— Não faço ideia de quem seja. A única coisa que eu sei é que nesse último mês coisas começaram a acontecer na cidade, lugares sendo invadidos, uma bomba foi colocada na escola… E quando essas coisas aconteciam, eu recebia bilhetes dizendo que sabia já de mim e que todos iam saber também. No começo, não entendi nada. Mas com o tempo, percebi que tinha algo por trás, e até essa pessoa mandou alguns bilhetes para me encontrar. Mas eu não queria ir. Até o dia que resolvi que precisava.

— Isso foi perigoso.

— É mãe, eu sabia que era perigoso, mas eu não podia fugir mais e deixar mais coisas acontecerem. E então, Romeo de primeira se apresentou como Robert, disse que ele queria um baita grana para não revelar para todo mundo o porquê de eu ter fugido. Nem eu sabia, mas ele disse que ele tinha outras condições. Ontem eu encontrei ele de novo, e ele me disse que eu devia contar sobre a gravadora para ele ou ele diria sobre mim para todos. E eu não entendia que tanto ele queria falar de mim, mas eu sabia que tinha a ver com aquele evento. E no final das contas, eu não falei nada do que ele queria, e hoje ele já começou a distribuir besteiras.

— Mas e você, está bem? — indagou Paco.

Ela o olhou, tentando descobrir o que sentia de fato.

— Eu estou bem. Só não sei o que fazer com tudo isso. É bem confuso.

— O que ele acha que sabe sobre você?

— Ele acha que eu te trai com Christopher no dia do evento, e por isso discutimos, e por isso eu fugi.

— Ou seja, tudo errado. Nós discutimos por uma coisa tão boba, estávamos os dois cansados e meio sem paciência naquele dia. Quanto ao Christopher, estava tudo bem.

— Sim. — Dulce concordou. Ela não sabia o que mais dizer. Precisaria em algum momento falar sobre Gabriel e sobre não saber o que fazer quanto a isso, porque não sabia se ainda era noiva de Paco. Tantas coisas tinham acontecido até então, e todas fizeram com que o curso das coisas mudasse drasticamente.

— Eu não sabia de nada disso que tinha acontecido, então cheguei a ficar com medo. Medo de voltar e ninguém mais me aceitar. Medo de ter que explicar tudo isso e ainda assim ser incompreendida. Medo que vocês tivessem esquecido de mim também. Também tive medo de todo mundo estar falando por aí sobre mim e uma coisa que não é verdade. Toda essa situação é muito cruel.

— Nós não esquecemos nenhum minuto — explicou o pai. — Tinha até investigador atrás de você. Mas como nem conta bancária tinha movimentação, não achamos nenhuma pista de onde você estava. Estávamos até achando que estava morta.

— Quase acertaram.

— E, eu não sei se é momento para isso, mas eu quero saber quando é que vou poder conhecer a Luísa — pergunta Paco.

— Precisamos ir devagar com isso. Ela não conhece nenhum de vocês… Vamos combinando. Se puderem ir no final de semana para lá, vamos aproximando. E assim podemos conversar com mais calma.

— Vamos procurar também um advogado para que você não tenha que aguentar mentiras — propõe a mãe. — Já não basta tanta coisa…

— Uma coisa por vez — responde Dulce. — É bastante coisa voltar a ter vocês por perto. Podemos terminar de conversar em outro momento?

Dulce já estava sentindo um pouco de dor durante o concurso. Mas o estresse e o tempo que tinha ficado de pé e andando, tinham tornado a ferida dolorida. A dor diminuía cada vez mais a concentração de Dulce e sua disposição para tanta coisa.

— Você quer ir para a casa? No final de semana continuamos — propõe Blanca. — Você tem como ir embora?

Dulce balançou a cabeça.

— Então eu te levo.