Capítulo 77

O que você vai fazer, Sakura?

I

Burgos, Espanha

2 de agosto de 2017

— O que vai fazer, Sakura? — perguntou uma mulher, indo de encontro com Sakura e Kero no ar. Os três voavam pelos céus nublados de Euskal Herria. Os ventos oscilavam com força as asas do guardião. Alguns relâmpagos trovejavam por entre as nuvens. Uma tempestade cairia a qualquer momento.

— Ágatha, é você? Por que você tá me seguindo? — perguntou Sakura.

— Bem… Digamos que eu também sou mãe de filhos gêmeos que se preocupa com seus meninos… No meio dessa crise toda… — disse a loira de tranças, sorrindo.

— E o que eu tenho a ver com isso? — perguntou a Cardcaptor.

— Você sabia que a Tomoyo está lutando contra o Ignácio agora mesmo em Sevilha?

— Como é que é? O cara acabou de sair daqui agora mesmo! Como pode! — disse Sakura. Kero parou de voar na hora e ficou flutuando no ar. Ágatha também parou.

— Ela está seguindo ele desde sempre, Sakura. Ela confia na armadura dourada de Rainha que ela usa…

— Mas é claro! Ela é a Tomoyo! Ela é muito mais inteligente que eu! Ela sabe o que tá fazendo! Ela já lutou com eles faz cinco anos! — disse Sakura, tensa. Suas mãos e sua voz tremiam.

— Quanto elogio que você faz só pra uma amiga sua… — disse Ágatha, sorrindo. Sakura tentou disfarçar.

— Eu confio na Tomoyo… Eu confio de verdade na Tomoyo! Eu acredito nela até o inferno! — esbravejou Sakura.

— Mas parou assim que eu falei que ela estava enfrentando o Ignacio Díaz, não é? — perguntou Ágatha. Sakura não conseguia pensar em mais nada para falar.

— Quer saber? Eu tô preocupada com ela sim, tá? E pra responder a sua pergunta, eu ia ver um buraco pra me esconder, mas acho que vou dar uma passadinha em Sevilha…

— Cansada desse jeito? — perguntou Ágatha, sorrindo. Sakura coçava a nuca, incomodada com aquele interrogatório.

II

Cartagena, Espanha

Mesmo dia

Uma mulher tocou a campainha de um apartamento. Era Laura Iglesias, interventora da Ordem do Dragão em Múrcia. Gotzone estava ao lado dela. As duas usavam roupas executivas.

— Alô, Bernardo, aqui é a Laura.

— Laura? O que você tá fazendo aqui? — respondeu o homem de volta.

— Eu preciso falar com você. É urgente. Tem a ver com a nossa filha. Pode me encontrar no parque?

A voz ficou em silêncio por um tempo e depois retornou.

— Pode entrar aqui em casa mesmo… A Cristina não tá aqui. — disse Bernardo, desligando o Interfone. Laura parou para respirar um momento, diante das escadarias dos apartamentos.

— Vamos, Laura, não é hora de ter medo agora… Esse é o menor perigo que a gente vai enfrentar… — disse Gotzone, segurando o ombro dela.

III

Burgos, Espanha

— Sabe, Ágatha, eu achei você legal, legal mesmo, mas isso não quer dizer que eu pense a mesma coisa da Ordem que você faz parte…

— Eu te entendo, Sakura. Por isso mesmo, eu estou te revelando essa informação.

— Pra me deixar mais preocupada ainda?

— Pra te ajudar. A Samanta gosta de você mesmo, ela sempre escutou as histórias suas. Inclusive, ela até achou que a Gotzone roubou de você naquela luta. — disse Ágatha, sorrindo. Sakura ficou pensativa.

— Como é que vocês vão me ajudar?

— Sakura, você ficou três meses escondida em Salamanca… Eu sempre te vi, sempre te observei… Até que o Lorenzo e a Jéssica souberam que eu sabia onde você tava… A gente até tava pensando em um lugar pra você se esconder se Salamanca não desse certo…

Sakura ficou pensativa por um tempo.

— É o melhor lugar que eu encontrei pra estudar a distância com tranquilidade… Agora, vou ter que procurar outro… — disse a Cardcaptor.

— Não precisa ser assim, Sakura, basta você me dizer o que pretende fazer…

— Vai vir com aquela coisa que quer me ajudar? Então me ajuda a salvar a Tomoyo!

— Não adianta você ir pra lá. Só vai atrapalhar.

— Como assim?

IV

Um homem de óculos e barba não muito volumosa pela face abriu a porta para as duas mulheres. O apartamento estava uma bagunça.

— Que coisa é essa, Bernardo? — perguntou Laura.

— É o menino da Cristina, o Sancho. Ele sai revirando tudo por aí… Só agora ele parou… Nem adianta arrumar mais… — explicou Bernardo, melancólico, servindo um chá para as duas. Gotzone e Laura se sentaram no sofá. — Sejam rápidas, a Cristina tá pra voltar.

— Bernardo… Você vai ter que ficar com a Annabelle…

— Ficar com a Annabella? Não dá, Laura, você já sabe por que não dá! — disse Bernardo, assustado.

— E você vai deixar de ser pai da sua própria filha, Bernardo? Mulherzinha essa que você arranjou, hein! Minha mãe tá em Córdoba, você sabe disso! Ela não pode ficar com ela…

— Não é só questão disso, Laura. Eu tenho medo do que você faz! Tenho medo que essa Ordem do Dragão venha aqui e acabe com tudo! — disse Bernardo.

— Medo da Ordem? Nós somos a Ordem! Inventa outra! Você é um homem barbudo, Bernardo, que não sabe criar um moleque por conta desse medo idiota! Eu tenho dois e eles não são assim! Saiba que eu sou a chefe da Laura, Bernardo! Se tiver que reclamar, reclama comigo! — disse Gotzone. O homem sorriu de indignação.

— Então é pra você, Gotzone, que eu tenho que culpar o fim do meu casamento? Vocês, magos, são tudo um bando de cara de pau! Por fora, a melhor jogadora da história, por dentro, a pior bruxa da Espanha! — disse Bernardo, irritado. A loira respirou fundo antes de retrucar.

— Sabe, eu tenho fama de acabar com o casamento dos outros mesmo… — respondeu Gotzone, orgulhosa. De repente, a porta se abriu.

— É a Gotzone? A jogadora de futebol mais famosa do mundo, na sala da minha casa? — perguntou uma mulher de cabelos castanhos entrando no apartamento. — Laura!

— Cristina! — disse Bernardo.

V

Burgos, Espanha

— Tudo o que eu sei é que já tem gente de olho na Tomoyo. Gente da Ordem. Pode ficar sossegada. Você tá cansada, não tem gás pra outra luta, vocês dois precisam descansar… — disse Ágatha, lendo Sakura por inteira.

— Então diz pra gente: que oferta você tem? Qual o teu plano além de “proteger” a gente? — perguntou Kero.

— Ao contrário dos outros interventores, que não sabem falar com vocês direito, antes de querer proteger só por proteger vocês, eu só quero oferecer um teto, uma comida quente e um lugar pra descansar depois de tanto tempo, muito tempo mesmo que vocês dois estão fugindo pelas estradas da Espanha com medo de que alguém da Ordem ou do Ministério possa abordar vocês. Eu estou querendo dar uma chance para vocês dois descasar um do lado do outro, em vez de um ficar acordado vigiando enquanto que o outro fica descansando. E também… A chance de vocês conhecerem meus filhos e minha casa em Salamanca, o que acham? — perguntou Ágatha. Kero e Sakura se olharam.

VI

— Bernardo, o que essa mulher tá fazendo aqui? — perguntou Cristina.

— Eu tô dando a chance pra ele ficar com a filha dele um pouco! Coisa que você não aceita! — disse Laura, se levantando do sofá.

— Eu não vou ficar criando filha das outras! — disse Cristina.

— Isso é uma atitude vergonhosa mesmo… — comentou Gotzone.

— Olha só! Quem é você pra me falar de vergonha, Gotzone? Você pode ser famosa, mas é justo quando a gente é mais famosa, a gente é mais errada! Tão falando por aí que você roubou o marido de uma médica. Tão falando também que ele é jogador do Real Madrid e é pai dos seus filhos. É verdade isso? Por que você não desabafa pra gente? — perguntou Cristina.

— Isso é problema meu! — disse Gotzone.

— Problema seu, é? Então por que tá se metendo na minha vida? — perguntou Cristina.

— Eu não vou continuar discutindo com você. Só sei que a imprensa diz muita besteira mesmo quando a gente não quer falar nada com eles… Vamos, Laura, vamos, Bernardo. Vamos conversar em outro canto… — disse Gotzone, se levantando do sofá.

— Bernardo, se você sair por aquela porta, não volte! — berrou Cristina. O homem parou por um momento antes de se levantar do sofá.

— Então… Eu vou esperar minhas malas na porta… — disse Bernardo, tomando uma decisão corajosa.

— É o quê? — perguntou Cristina, sem acreditar. Laura apertou o ombro dela e deu um choque na mulher. Ela caiu em segundos.

— Você não ouviu não? Ele tá se livrando de você, sua jararaca! — disse Laura.

— Nossa, Laura! Não precisava ter feito isso! — disse Bernardo.

Continua…