Capítulo 63

Ninguém vai ter a chave do lacre!

I

Barcelona, Catalunya, Espanha

Noite de 2 de agosto de 2016

Fora das escadarias da catedral de Barcelona, uma cúpula vermelha preenchia o ambiente. Era uma barreira mágica, impedindo que qualquer comum ou até mesmo agentes da comunidade mágica interferissem no assunto. Cerca de cinquenta homens e mulheres de armadura vermelha, com arco nas mãos, estavam aguardando a saída de Sakura, Tomoyo, Felipe e Dom Miquel da sede episcopal. Ninguém hesitava. O cardeal príncipe foi o primeiro a falar:

— Senhoras e senhores, bona nit! (boa noite!) O que os atrai a este local a esta hora da noite? — perguntou Dom Miquel.

— Olha quem fala! Aqui é Joseph Jové, Comissário da Ordem do Dragão em Barcelona. Sakura Kinomoto, entregue a chave do lacre ou não responderemos por nós! — disse o homem.

— Mas que falta de respeito com os convidados do presidente da Generalitat… — respondeu Dom Miquel.

— Não se faça de sonso, príncipe Borbón! Você nunca esteve ao lado do povo da Catalunya! Sempre ficou protegendo o rabo da sua família! Mas a gente sim! A gente vai limpar o nosso país de ratazanas como vocês!

— Ora, ora, com que legalidade é que vão fazer isso, eu me pergunto? — perguntou Dom Miquel.

— Com essa legalidade aqui… — disse Joseph Jove. Ele puxou o arco e acertou uma flecha de raspão na cabeça de Tomoyo. Ela e Felipe arregalaram os olhos. — A próxima é pra matar!

— Bem, se é assim… Impor leis desumanas na base da força bruta… Então… — Enquanto Dom Miquel falava, um círculo mágico branco apareceu debaixo de seus pés.

— Mente forte! — disse o Cardeal. Círculos mágicos brancos apareceram debaixo dos pés de Tomoyo, Felipe e Sakura também. — Mente fraca! — Círculos mágicos brancos apareceram debaixo dos pés dos soldados da Ordem e espinhos azuis claros transparentes atingiram a cabeça de cada um. — Santa espada do Dragão! — disse Dom Miquel. Uma espada de luz surgiu em sua mão. Rapidamente, ele correu até o homem e atravessou a espada no corpo dele. Josep caiu no chão na hora. O golpe não o esquartejou, mas deixou o guerreiro inconsciente.

— Atacar! Atacar! — disse uma voz. Uma nuvem de flechas vermelhas brilhantes voaram na direção dos quatro. Dom Miquel foi mais rápido:

— Barreira! Protect! — disse o Cardeal. Um octaedro transparente envolveu os quatro. As flechas atingiam a todos, mas não faziam dano maior que uma saraivada de bolas de papel lançadas contra eles.

— Dom Miquel, que poder é esse? Que magias foram essas? — perguntou Sakura.

— Eu aumentei nossas defesas mágicas e enfraqueci o adversário. A barreira mágica que eu levantei em vocês não vai durar muito, a hora de atacar é agora! — disse o Cardeal. Felipe esfregou a palma das manoplas uma na outra e tirou um cajado comprido da armadura. Ele começou a investir com o cajado contra os soldados da Ordem. — Tomoyo, você fica comigo! Levanta a mão pro ar e grita “protect”.

— “Protect”! — disse a arquiteta. Um poder mágico, fluindo da armadura dourada que ela usava, protegeu todo mundo, lançando a magia de proteção em todos.

— E quanto a mim, Dom Miquel, o que eu faço? — perguntou Sakura.

— Você vem comigo! — disse uma voz, saindo do teto da catedral. Era Kero, em sua forma verdadeira. Ele pulou até as escadarias, lançando uma rajada de fogo contra os arqueiros que corriam contra Dom Miquel e Tomoyo. Muitos saíram com os corpos chamuscados e as armaduras pegando fogo.

— Kero-chan, você demorou! — disse Sakura, nervosa.

— Desculpa aí, eu tava chamando uns aliados…

— E onde é que tá esses aliados? — perguntou a Cardcaptor.

— Daqui a pouco você vai ver! — respondeu o guardião, sorridente.

— Não temos mais tempo para explicações, Sakura, vai com ele! Eu fico aqui na retaguarda! — disse Dom Miquel. Sakura montou em Kero e os dois pularam para as linhas de frente.

II

No teto da catedral, duas capas rubras ondulavam na frente das torres pontudas. Eram duas mulheres de armadura vermelha como sangue.

— Eu já devia imaginar que ela viria pra Barcelona… — disse Gotzone.

— Não vai ajudar, Goti? — perguntou Ami.

— Não precisa. Dom Miquel Ferrer tem um poder mágico incrível mesmo. Ele pode fazer frente até mesmo a mim se ele quiser, e outra… Aquela mulher vai aparecer e fazer o showzinho dela de qualquer jeito… Tá sabendo que ela tá tentando me prender?

— Jura? O que é que você fez? — perguntou Ami, arregalando os olhos de surpresa.

— Felizmente, tenho uma espiã no ministério que me passa tudo o que está acontecendo tanto lá, como no outro lado…

— Ufa, menos mal! Se bem que é uma coisa arriscada investigar a Torre desse jeito, né? Mas ainda bem que você não deu ponto sem nó…

— É arriscado, eu sei, mas eu preciso me sacrificar também. O presidente Sanchez não concordou com o projeto da Dona Beatriz também. Já deixei o Rei alerta e ele já conversou com ele. A Maitê eu posso até entender, mas eu… Isso é uma tentativa direta de atacar a Ordem! — disse Gotzone. Ami olhou-a preocupada. — Se eu bem sei… Só os nossos inimigos adorariam ver a gente fora desse jogo… Gente como a Torre e quem pensa como ela….

— Isso é grave, Goti! Será que a ministra…

— Não pense besteira. Sei que você é inteligente, Ami, mas não quero pensar nisso. Isso é tenebroso até pra Dona Beatriz! Quero pensar que ela me odeia desde sempre porque, sejamos francos, só a gente fez frente ao Alfredo e ela quanto à questão de encerrar as atividades da Ordem. Com Dom Alfredo dava pra conversar, agora com ela… Só lamento que ele não esteja aqui hoje…

— Eu também espero… — disse Ami, com a mão apertada no peito.

III

Quando Sakura pulou na frente deles, foi alvo imediato das flechas daquelas mulheres e daqueles homens. As asas de Kero abriram-se para proteger a mestra, enquanto sua boca era uma fornalha ardente que incendiava os adversários.

— Não vou aguentar por muito tempo, Sakura! Essas asas não vão segurar os ataques deles e eles são insistentes!

— O que eu faço, Kero? Eu só fiquei levantando coisas e mudando a forma dos objetos esse tempo todo!

— Mas você não chegou aqui fazendo só isso? Você não enfrentou o Victor e ganhou? É a mesma coisa!

— Mas eu nem sei como eu cheguei aqui direito Kero! Foi puro milagre! Foi apontar o báculo pra ele e…

— Então aponta esse báculo de novo, Sakura! Aponta e ataca! — disse Kero. As asas do guardião baixaram, saraivadas pelas flechas. Kero desmaiou e Sakura caiu no chão. Uma flecha de energia atingiu o pescoço dela. Outra e mais outra começaram a alvejar a cardcaptor. Uma redoma em formato de octaedro apareceu, envolvendo a cardcaptor. Era Tomoyo protegendo-a. As flechas pararam. A costureira fazia sim para Sakura, e a cardcaptor se sentiu tentada a agir. Girou o báculo com as mãos, da mesma forma que fazia quando ia usar as Cartas Sakura e disse:

— Chave que guarda o poder da minha estrela, por esse báculo, eu invoco o meu poder! Fogo! — disse Sakura, como se tivesse evocando sua carta querida, a primeira carta que transformou em Carta Sakura.

Parecia que a própria carta fogo tinha voltado. As mesmas asas de fogo, o mesmo corpo juvenil com a coroa em orbe na testa. A carta Fogo saiu incinerando os soldados da Ordem do Dragão. Dom Miquel parou os ataques com sua espada de energia pura, e Felipe parou de golpeando com o cajado dourado, deixando que Sakura usasse seu novo poder à vontade. A Cardcaptor fazia tudo como nos velhos tempos, quando ainda tinha a carta fogo em mãos. Quando terminou, uma carta rosa e semitransparente apareceu em suas mãos. Era sua carta fogo, dos velhos tempos, um pouco mudada.

IV

A porta de um furgão dos Mossos d’Esquadra abriu-se para receber uma mulher de armadura vermelha algemada. Outro e mais outro soldado de armadura cor de sangue entrava no furgão, algemado, sentando-se nos bancos da viatura. Havia espaço para dez prisioneiros e mais outros quatro furgões além desse estava à disposição para levar o resto dos prisioneiros. Dona Beatriz estava por lá também.

— Não se preocupe, cardeal, isso vai ser considerado como uma arruaça de rua nos jornais. Eu cuido dos outros soldados da Ordem que atacaram o senhor… — disse Dona Bea.

— Esse ataque não foi nada para um homem como eu. Eu me preocupo muito com a Sakura. Suas tropas não foram o suficiente para protegê-la ministra. Isso é um fato. — disse Dom Miquel, olhando fundo nos olhos dela. A ministra não gostou do olhar do príncipe cardeal.

— Dom Miquel… Se as minhas forças não foram os suficiente, é porque o inimigo está mais forte agora. Justamente, contra essa força do inimigo, eu pedi mão dura para o ministro Sanchez. Ele me negou na cara. — explicou Beatriz, não deixando de reparar nas armaduras douradas de Felipe e Tomoyo — Majestade, Tomoyo, sei que essas armaduras são da Ordem do Dragão. Digo desde já que não confio neles. São gente de armadura vermelha como sangue quem atacou a Sakura. Se precisar de apoios, as forças do ministério também estão à vossa disposição.

— Eu sei disso, ministra, por isso, eu continuo confiando na Gotzone. A sua lealdade com o ministro Sanchez e o governo trabalhista é tão forte quanto a proteção que suas forças podem nos oferecer… — respondeu El Rey, para desagrado da ministra.

— Assim, o senhor me ofende, majestade! Eu me preocupo de verdade com a Sakura e com as Cartas!

— É mesmo? Então por que as Cartas Sakura estão nas mãos da Torre nesse exato momento em vez de estarem seguras num cofre do ministério? — disse Felipe. Todo mundo arregalou os olhos quando ouviu aquela afirmação, Beatriz mais ainda. — Pensou que a gente não sabe disso, é? Com as cartas, só falta a chave, não é? Eu ia contar, Sakura, mas o tempo não deixou…

— Eu… Eu não sei o que dizer, majestade. Eu nem sequer estava sabendo disso! Vou verificar o cofre e… — disse Dona Beatriz, gaguejando.

— Limite-se a saber quem do Ministério vazou as cartas para o inimigo, ministra, em vez de ficar perseguindo gente inocente! — disse El Rey. Dona Beatriz ficou tão surpresa com aquelas palavras quanto a revelação de que as Cartas Sakura estavam nas mãos da Torre.

— Vejo que a rede de espionagem da Gotzone está forte. Vejo que ela tem até o seu apoio, majestade, só não sei como ela conseguiu essa informação. Espero que não seja nada que vai incomodar a vossa relação com a senhorita Daidouji. — disse Beatriz, colocando dúvidas na cabeça de Tomoyo. A roxinha não deixou barato.

— Da mesma forma que a senhora conseguiu o apoio de Dom Jordi, ministra! Isso eu tenho certeza, não é? Agora trate de descobrir quem passou as Cartas Sakura pras mãos da Torre! — disse Tomoyo. Bea não quis discutir mais o assunto.

— Eu vou tratar sim, pois eu também tenho apoios, senhorita Daidouji, eu também tenho inteligência! Sei que não foi só o Kerberos quem queimou esses caras. Nenhum de vocês doma fogo ou poderia ter ampliado os poderes do Kerberos assim tão fácil, exceto Dom Miquel, mas isso exigiria tempo. Alguém ajudou vocês, eu tenho certeza… — disse Beatriz, olhando para Sakura e para um Kero desmaiado nas escadarias da catedral. A cardcaptor, que ainda estava com a “Carta Fogo” semi transparente nas mãos atrás das costas, tentou escondê-la no bolso da jardineira.

— Ninguém ajudou a gente não, ministra, ninguém mesmo. — disse Sakura.

— Ninguém mesmo? — perguntou Beatriz, desconfiada. — Lembre-se, Sakura, que eu posso continuar a te proteger. Mas estou vendo que falta confiança entre a gente. Me desculpe mesmo, majestade, Tomoyo, por eu ter insinuado alguma coisa com a Gotzone. — disse Dona Beatriz, se ajoelhando. — Mas eu acabei de passar por um estresse como ministra, ainda por cima, recebo a notícia que as Cartas Sakura não estão mais sob o nosso poder, que há um “infiltrado” no ministério trabalhando para essa tal de “Torre”. Não é fácil ocupar a posição que eu tenho, Sakura, muita responsabilidade. Por isso, reitero meu convite: eu vou proteger vocês, vou proteger a chave do lacre dessa vez. Você vai ter sua vida normal, Sakura! Eu garanto! Sei que a perda da professora Begoña é grande e…

— Dispenso sua proteção, ministra. Ninguém pôs as mãos na chave do lacre até agora e vou garantir pra senhora agora mesmo que nem você, nem a Gotzone, nem ninguém vai ter a chave do lacre! Só eu e quem eu mais quiser! — disse Sakura, com os olhos verdes firmes, olhando para ela. A ministra se levantou.

— Quem vai garantir isso, Sakura? — perguntou Bea.

— Eu sempre me garanti até agora, porque nao vou continuar me garantindo? — perguntou Sakura. A ministra não soube o que responder.

Continua…