Capítulo 80

Mas você tá usando, Ester…

I

Fraga, Franja de Aragão

Horas depois…

O vento dos pirineus soprava na planície cheia de gramas, contorcendo os arbustos. Em uma torre sentinela, três jovens mulheres de armadura vermelha como sangue vigiavam. Uma estava de binóculos, a outra de lança na mão e uma terceira olhava fixamente para o horizonte dentro de uma espécie de guarita que parecia uma uma toca de formiga gigante. A mulher de lança se aproximou da mulher de binóculos.

— Ester, você já imaginou o que deve ter acontecido além do horizonte? — indagou a mulher de lança, uma mulher de cabelos negros longos e pele branca.

— Não sei dizer Rut, mas deve ter sido uma coisa horrível mesmo… — respondeu Ester, uma mulher de cabelos castanhos claros curtos, até o pescoço.

A mulher que estava na guarita, olhando para o horizonte, se aproximou das companheiras.

— Ester, eu estudava com eles na Universidade de Barcelona… o Didác de Formentera, a Margarida de Menorca, a Llúcia de Maiorca…, o Cosme de Ibiza… Eles tinham a nossa idade! — respondeu a mulher da guarita, uma mulher de cabelos muito curtos pretos, quase masculinos. Ester ficou desconfortável.

— Eu entendo, Laia. Mas eu não posso fazer nada. A Miriam morreu e a gente tá aqui continuando o trabalho dela, não estamos? Eu não sou messias pra ressuscitar gente, fora que a Miriam morreu lutando pela Ordem contra aquela Sakura! A gente devia estar lá lutando também! — respondeu Ester. Laia e Rut ficaram espantadas com a resposta dela.

— Como é que você diz um negócio desses? Eles eram nossos companheiros da Ordem! Morreram com uma flecha na garganta! A gente foi visitar a Marta na cadeia e ela ficou arrasada! Até tiveram que sedar ela pra ela não fazer besteira! — explicou Rut, indignada. Ester baixou a cabeça e olhou para o lado.

— A nossa missão é pegar as Cartas Clow da Sakura e a chave do lacre! Se eles morreram, eles devem ter feito besteira! — disse Ester. Ela tomou um tapa de Laia.

— Que porcaria de Carta Clow! A Ordem tá sendo massacrada! A nossa segurança é mais importante que qualquer relíquia idiota! — disse Laia. Ester olhou para as colegas com raiva.

— As ordens foram claras! Vocês ouviram também! Não vai acreditar nas porcarias que a Gotzone fala! E outra: a Mirian falou tudo pra mim, a gente tinha que acabar com os comuns mesmo! Esse mundo tem que ser dos magos — disse Ester. Laia e Rut fizeram não com a cabeça.

— Você é uma idiota, Ester! A Mirian morreu há cinco anos com essas ideias de louco! Você vai morrer também. Se nem ela aguentou a Sakura, imagina você? — disse Rut.

— Tá sabendo dos interventores da Andaluzia? Morreram um por um. A mesma coisa das Baleares! Onde vai ser o próximo, a gente? — disse Rut. Ester não respondeu mais nada.

— Deixa ela, Rut. A gente só veio avisar que tá tendo reunião de Interventor em Gijón. A gente vai se juntar com a Gotzone. Se você quiser, Ester, fica aí negando a realidade.

— Vocês estão acusando o Interventor comandante de um massacre que eu não posso aceitar! Como? Como pode uma coisa dessas? — perguntou Ester, nervosa.

Uma flecha voou na direção delas, quebrando o pescoço de Laia. O arqueiro apareceu no teto da guarita onde estava a moça. Era o Interventor da Catalunha, em sua armadura vermelha, igual à delas.

— Laia! — berrou Rut, surpresa. Ela foi a próxima a ter o pescoço quebrado por uma flecha. Ester soltou um grito e se ajoelhou, tapando a boca. Trêmula, tocou no pescoço das colegas. Elas estavam mortas. Em condições normais, aquele ferimento não era nada para os Interventores da Ordem. A moça de cabelos castanhos se ajoelhou e analisou o objeto que matou as colegas. A munição não era vermelha. Era feita de um material negro, viscoso que Ester nunca viu.

— Laia, Rut, como vocês me abandonaram desse jeito! — disse Ester, agarrando a cabeça de Laia, aos prantos.

— Da mesma forma que elas abandonaram o objetivo da Ordem desde sempre: buscar as Cartas Sakura! — disse o Interventor comandante, mostrando para Ester o pergaminho branco onde o Mago Clow assinou com o próprio sangue que entregaria as Cartas Clow para a Ordem do Dragão. A moça leu o pergaminho com indignação no olhar e depois o documento sumiu.

— Buscar as Cartas Sakura… Desse jeito? Matando nossos companheiros?

— Elas virariam traidoras da Ordem a qualquer momento… Eu só estou separando o joio do trigo! Se a Gotzone pensa que pode me trair e continuar uma rebelião contra mim, ela está enganada! Agora mesmo, eu estou indo acabar com a festa dela! — disse o Interventor comandante, com os olhos brilhando em vermelho por trás da máscara. Um poder grande emanava do corpo dele, um poder maior que o dela. — Venha, Ester! A Mirian sabia do plano, você também vai saber! Há um ódio pelos comuns grande em você… Só eu tenho a chave da armadura de Aragão e vocês sabem… — disse o comandante estendendo a mão para ela.

Ester levantou-se, posando suavemente a cabeça da colega na grama. Depois que ele falou, foi então que se lembrou da carta de Gotzone para ela, que dizia:

“Vocês podem clamar a armadura da Mirian a qualquer momento. Não precisa de ninguém pra fazer isso por vocês. O machado dela está comigo também. Só tomem a coragem de se tornarem Interventoras e deixarem essa vida de sub interventoras. E Decidam rápido, pois a Ordem está morrendo!”

Ester olhou a mão dele, com os olhos chorando lágrimas de sangue.

— Aparezca, dragon! — disse ela. Um machado voou no ar, decepando a mão estendida do Interventor da Catalunha. Ele se ajoelhou no chão, agonizando de dor. Isso nunca aconteceu antes com ele. A armadura de Teruel se desprendeu do corpo dela e a nova armadura de Interventora de Aragão grudou no de imediato. O machado, arma lendária do reino, grudou na mão dela.

— Você não é o Comandante da Ordem! O comandante nunca ia se permitir ser ferido desse jeito! Quem é você?

— O homem que vai acabar com a sua maldita Ordem do Dragão! — disse o Interventor comandante, sacando uma adaga transparente da cintura. Ele tentou feri-la, mas Ester se defendia com o machado.

Mesmo maneta, ele era mais habilidoso que ela. Ela não aguentaria aquela luta por muito tempo. Ela era jovem demais. Com a mão livre, projetou um círculo mágico no chão e disse:

— Corrente de pedras!

Um círculo mágico cinza apareceu debaixo dos pés dele. Correntes de pedra saíram do solo e prenderam o homem.

— Maldita traidora! Como ousa? — disse o Interventor, tentando se soltar das correntes.

— Não sei! Eu não sou digna de usar essa armadura! — berrou a moça.

“Mas você tá usando, Ester…” — disse uma voz dentro da mente dela. Era Rut e Laia, no outro lado da vida.

“Vingue a Ordem, Por Aragão, nosso reino!” — disse Laia. As duas sorriam. Ester até pensou em recolher o corpo delas, mas já era tarde. As correntes não prenderiam aquele homem por tanto tempo.

Levantou a mão novamente e as armaduras de Huesca e Zaragoza se desprenderam do corpo delas, voando até Bilbao. Asas transparentes vermelhas apareceram nas costas dela e ela deu um salto no ar, com lágrimas nos olhos, rasgando o céu enevoado da noite.

Continua…