Himiko esfregou seus olhos imediatamente ao entrar no laboratório, desejando não acreditar no que via. Não se importava que seus pensamentos fossem pessimistas, mas não esperava que a realidade fosse se repetir exatamente como temia.

Ou quase isso, a julgar pela expressão de Marlon e Natsumi ao ver os dois treinadores chegando; a conversa entre ambos aparentemente despreocupada. Talvez o medo da garota fosse infundado, afinal.

— Que bom que chegou, Himiko, estávamos falando de você! — disse o professor.

Alguma coisa está errada… logo ela que sempre fez questão de me impedir…

Não havia como não se preocupar, considerando todo o histórico. Foram quase quatro anos tentando conseguir um pokémon, apesar das raras tentativas, frustradas antes de saírem do planejamento.

Os leves tremores de Himiko denunciavam sua insegurança, no que foi questionada por Brendan:

— Está tudo bem?

— Está sim… — Himiko tentou disfarçar, pegando uma cadeira próxima e se sentando junto aos outros. Ela fez questão de se sentar ao lado do professor, por consequência estava o mais afastado possível da mãe.

— Então, como eu ia dizendo… — Natsumi tomou a palavra. — Eu tenho muito a agradecer pela sua bondade. Espero que isso não atrapalhe o seu trabalho…

— Não se preocupe com isso, senhora! — Marlon respondeu. — Estou ciente das dificuldades, mas tenho certeza de que ela será uma excelente treinadora. O pouco que vi dela me dá a certeza de que Himiko herdou o dom do pai…

Himiko se esforçou para não fazer uma careta depois de ouvir essa comparação, apesar de não ter a audácia de negar a capacidade de Norman Senri enquanto treinador; ele tinha um talento muito acima da média; não era à toa que havia se tornado um líder de ginásio, um cargo de alto nível tão cobiçado.

— Imagino. — Natsumi completou. — Acho que a distância que tivemos dele nos últimos anos pode ter atrapalhado um pouco a convivência, mas quem sabe as coisas não melhoram daqui em diante?

Melhorar? Impossível!

Himiko não conseguiu esconder a cara feia. Por sorte, ninguém prestou atenção.

— Sabemos que é uma situação pouco usual, até mesmo pela idade dela, mas não me surpreenderia se ela superar Norman algum dia… — completou o professor. — Não é, Himiko?

O rosto avermelhado da jovem, no entanto, se confundia com o constrangimento esperado. A garota estava, na verdade, enfurecida com a comparação, por motivos diversos. Não bastava odiar tê-lo por pai, motivo pelo qual ocultava o sobrenome herdado dele, Meanders, sempre que lhe era perguntado; os comentários a respeito da habilidade dele criavam expectativas irreais a serem jogadas nas costas dela sempre que descobriam esse detalhe. Ela faria o possível para manter o hábito em Hoenn, ato que se mostraria útil mais do que em Johto, sendo ele tão conhecido quanto era de se esperar de um líder de ginásio na região.

— É, acho que estamos prontos. — Marlon levantou-se, nada surpreso pela ausência de resposta de Himiko, enquanto tirava um pequeno cartão do bolso. — Esse é o seu certificado de treinadora. Com ele, você pode viajar pelo continente em busca das insígnias e disputar pelo título da Liga Pokémon de Hoenn.

A Liga era o de menos para Himiko, apesar de ser uma ótima desculpa para sua viagem. Em especial, considerando a localização de Littleroot, a primeira parada dela haveria de ser em Petalburg, cidade na qual ficava o ginásio administrado por Norman. A garota planejava chegar lá o mais cedo possível. Seria através dele que conseguiria o que tanto desejava. Quisesse ele ou não colaborar.

— Não pense que será fácil, Himiko. — Brendan cutucou o ombro dela, interrompendo os devaneios da jovem. — Os líderes de ginásio são treinadores excepcionais, você ainda vai ter que treinar muito até poder bater de frente com um deles.

— É, eu imagino… — Himiko pensou um pouco antes de responder, em uma tentativa de não denunciar suas reais intenções. — Um passo de cada vez, não é o que dizem?

— Eu sei que você consegue, minha filha! — Natsumi completou, com um cinismo de dar inveja.

Olha só, minha mãe me apoiando… Alguém me belisque!

— Ai! — Himiko sentiu uma pontada na sua perna direita. Claramente, Futa não havia percebido a ironia nos pensamentos da garota, levando ao pé da letra o seu pedido.

— Eu tenho uma coisa para te dar! — Brendan virou-se para o lado, pegando uma pequena caixa que estava sobre a mesa antes de se virar à agora treinadora. — Deixe eu lhe dar algumas pokébolas, nunca se sabe quando algum Pokémon interessante pode aparecer…

Ele tirou uma dezena de orbes avermelhados da caixa e entregou-as a Himiko, o que fez a garota abrir um grande sorriso.

— Bem, acho que é a minha deixa — ela acrescentou. — Quero ver se chego a Petalburg ainda hoje. Ele não perde por esperar!

— Vá com cuidado, Himiko! — Birch alertou, antes que ela partisse.

— Qualquer coisa, pode ligar para gente. — Brendan apontou para o cartão que ela ainda segurava. — Se cuide!

— Pode deixar!

Himiko saiu pela porta confiante, analisando a vila que mal conhecera; sua mãe ficaria conversando com o professor por mais um tempo. Não era mais de sua conta, não quando estava finalmente livre dela. A jovem aproveitou a ocasião para dar uma última passada em casa, aproveitando que a porta não estava trancada. Talvez fosse a última oportunidade de ver se havia esquecido de alguma coisa que lhe pudesse ser útil na jornada.

A mochila logo estaria devidamente preenchida, incluindo mudas de roupa adicionais e uma quantidade de comida enlatada, surrupiada da despensa sem qualquer consentimento ou preocupação. Não queria correr riscos desnecessários durante a viagem, por mais que acreditasse ser capaz de se virar com as frutas que encontrasse durante a viagem. Sendo Hoenn uma região tropical tal qual estudara a respeito nos tempos de escola, era certo de haver abundância ainda maior do que em sua terra natal.

Antes de partir, ela deu uma última olhada para a pequena Littleroot. Passara pouco tempo por lá, mas tinha certeza de que saudade não seria um dos sentimentos a carregar consigo.

— — —

O céu ainda estava claro quando Himiko chegou de volta a Oldale, já no final da tarde, sentindo-se igualmente cansada e sortuda.

Não um, mas três Pokémon diferentes cruzaram o seu caminho durante o curto percurso, surpreendendo-a de certa maneira. Por outro lado, Futa estava muito mais preparado para proteger a treinadora após ter realizado sua primeira batalha em companhia da garota.

E os adversários não apresentaram qualquer perigo para o pokémon psíquico, o qual logo se habituou ao modo com que a jovem o comandava. Himiko não tinha uma noção exata da capacidade do Ralts, mas não demorou a aprender a controlá-lo em batalha. Isso, ou os oponentes eram incapazes de se defender das rápidas investidas de Futa. A garota pensou até que os pokémon talvez quisessem ser capturados, visto a rapidez com que eram postos fora de combate — e a garota não perdeu a oportunidade de fazê-lo em todos os casos.

Mais uma vez ao chegar a Oldale, Himiko ignorou completamente o restante do vilarejo, rumando direto ao centro pokémon. Não havia qualquer interesse em conhecer o vilarejo, pelo menos três vezes maior que Littleroot; cada minuto perdido passeando seria um atraso em seu percurso até Petalburg.

Desta vez, contudo, o centro estava vazio, de modo que a garota logo foi atendida pela jovem enfermeira, em uma oportunidade de conhecer melhor os pokémon que havia capturado, além de permitir que eles se apresentassem uns aos outros.

Não foi necessário mais do que alguns minutos para que as quatro criaturas saíssem juntas do centro, acompanhando Himiko, completamente recuperados dos danos das batalhas que travaram mais cedo. Além de Futa, a garota reconheceu por conta própria apenas uma das três espécies obtidas, a qual se assemelhava a uma planta carnívora de caule extremamente fino — um Bellsprout. Graças à ajuda da responsável pelo centro, contudo, logo foi capaz de identificar os outros pokémon obtidos: Poochyena e Zigzagoon.

— São espécies nativas de Hoenn — explicava a enfermeira à Himiko. — Elas são bastante comuns, estou surpresa de você não os conhecer…

— Eu não sou daqui — explicou Himiko. — Nasci e fui criada em Johto.

— Oh, isso explica… você pode pesquisar mais sobre eles ali — ela apontou para o canto, indicando um computador, cujo uso ela liberado para treinadores. — Mas no seu caso, seria muito melhor se você tivesse uma Pokédex, ela lhe daria essas informações em tempo real.

— E aonde eu consigo uma?

— Talvez em Petalburg você encontre alguém vendendo, mas costumam cobrar as gemas do Sableye por uma…

— Como disse? — Himiko tentava imaginar o que viria a ser um Sableye.

— Desculpe, é uma expressão local. Quis dizer que o preço costuma ser alto.

Himiko ficou olhando para a enfermeira ao longe, logo chamada para atender a outro treinador que chegava com um Pokémon ferido. Eu não pensava que fosse ser tão complicado…

Decidiu então por fazer uma rápida pesquisa, pelo menos a respeito das duas espécies que capturara, antes de seguir viagem para Petalburg, Considerando a curta distância, não se perdoaria se fosse incapaz de chegar antes de anoitecer.

— — —

O percurso entre Oldale e Petalburg, realizado pela rota 102, prometia ser mais ameno em comparação às viagens que Himiko já havia feito, levando-se em consideração a existência de um caminho demarcado e bastante seguro.

Pelo menos em teoria.

O sol ainda não havia se posto; a escuridão que se formara nos últimos minutos se devia a uma grande formação de nuvens escuras que tomou o céu, dando a este uma coloração púrpuro-cinzenta. O percurso, que dependia exclusivamente da iluminação natural, perdia boa parte da segurança, motivo pelo qual a jovem solicitou que seus pokémon a acompanhassem fora das pokébolas. Seu medo não era a aproximação de alguma criatura selvagem tanto quanto de algum humano mal-intencionado; esperava somente que a pequena horda lhe acompanhando pudesse protegê-la em qualquer dos casos.

A garota aproveitou a oportunidade para conhecer melhor os pokémon que capturara. Ao contrário de Futa, eles não podiam conversar com Himiko, porém isso não foi exatamente um obstáculo. Com o Ralts servindo de mensageiro e tradutor, ela pôde se apresentar aos futuros parceiros de jornada, logo percebendo uma característica em comum nos quatro pokémon: eram bastante corajosos. E toda essa coragem foi posta à prova no momento em a tempestade começou a cair, cerca de meia hora depois.

Himiko decidiu por procurar abrigo à margem do caminho demarcado, por mais que sua intuição dissesse que não estavam longe de chegar a Petalburg. Se aventurando por entre as árvores, procurava por algum lugar aonde pudesse evitar de se encharcar, uma tarefa dificultada pelos ventos fortes que a tempestade trazia. Tomada pelo receio do desconhecido, no entanto, se recusou a recolher o time de volta para as pokébolas.

Foi então que encontrou um pequeno pokémon de formato arredondado, cuja cauda alongada era quase do mesmo tamanho do restante do corpo; este se escondia da chuva em um pequeno tronco oco. O Sentret, espécie já conhecida por Himiko e de aparição frequente na região em que ela vivia, respirava com visível dificuldade.

O que mais se destacava na criatura, contudo, era sua pelagem mais clara que o tom castanho comumente visto na espécie, as manchas em sua cauda em um tom mais próximo ao carmim do que o marrom habitual. Não sabia se era uma variação geográfica da espécie ou se de fato estava doente como aparentava, motivo pelo qual se decidiu por tentar capturá-lo apesar das condições desagradáveis em que ela se encontrava.

Mas ao se preparar para atirar a pokébola, acabou atingida com força no quadril, sendo jogada ao chão com o impacto antes de lançar a esfera contra a criatura.

Himiko virou-se para ver o que a atacara, ainda sentindo a dor da pancada. Encontrou outro Sentret, um pouco maior que o primeiro, fitando-a com uma expressão nada amistosa. Este possuía a pelagem em tons mais escurecidos em comparação, uma tonalidade mais próxima do que ela se recordava para a espécie, e posicionou-se de forma a defender seu companheiro.

Até que o Zigzagoon de Himiko apareceu para confrontá-lo, atingindo-o com uma cabeçada sem que ela precisasse ordená-lo.

— Você está bem, Himiko? — Futa perguntou, telepaticamente. Poochyena e Bellsprout se colocavam ao seu lado com ligeiro atraso, todos se mostrando preocupados.

— Está doendo um pouco, mas tudo bem — respondeu ela, se levantando com ligeira dificuldade; Sentret e Zigzagoon se ocupavam trocando ataques entre si. A garota percebeu que havia uma chance de capturar o outro pokémon, o qual se encontrava em aparente sonolência apesar da respiração forte, alheio ao combate a sua volta.

Atirou a pokébola; um grunhido alto se ouviu a certa distância ao mesmo tempo em que o alvo foi atingido pelo orbe. O Zigzagoon de Himiko se mostrou em grande desvantagem na batalha, fato somente percebido pela jovem ao notar que o Poochyena já seguia em sua ajuda.

Foi então que o relâmpago atingiu o solo.

O Poochyena parou assustado no meio do caminho. Futa virou-se para trás em reflexo. Himiko tentava proteger os olhos da súbita claridade.

Ambos os pokémon em combate foram atingidos pela descarga elétrica.

Ao contrário do pokémon selvagem, desfalecido após o inesperado ataque, o Zigzagoon se contorcia ao ser chamado de volta para sua pokébola; A luz de alerta piscava incessantemente, sinal de que o estado dele era grave. O orbe usado para capturar o Sentret ofegante estava nas mesmas condições, atirado longe pelo relâmpago. Himiko apanhou ambos enquanto chamava seus outros Pokémon para os respectivos isolamentos para então fazer o oposto do que planejava inicialmente. Começou a correr, retornando para a rota principal, tentando chegar o mais cedo possível a Petalburg, o destino já mais próximo que Oldale.

Foram vinte minutos angustiantes. Himiko seguia em disparada o mais rápido que podia, tentando não escorregar na lama que havia se formado. Suas roupas se encontravam completamente encharcadas por conta da chuva, as águas desabando com intensidade crescente, uma preocupação ínfima comparada às esferas que segurava. Precisava chegar o quanto antes em um centro pokémon; não podia deixar que o sinal luminoso das pokébolas fosse interrompido, situação na qual seria tarde demais para salvá-los.

As luzes da cidade começavam a aparecer no horizonte, apesar do temporal continuar intenso; a treinadora permanecia cheia de preocupações, temendo não encontrar o centro pokémon a tempo. Seu medo era se perder na grande cidade de Petalburg, completamente desconhecida. Poderia talvez o local estar fechado, considerando o horário e o mau tempo.

E levando em conta tais adversidades, ela teve sorte. O centro era visível da entrada da cidade. Estava em pleno funcionamento, a considerar pelas luzes acesas e a pequena multidão localizada do lado de dentro do prédio, abrigando-se da tempestade persistente.

Ao alcançar o local, encharcada, Himiko percebeu que as luzes vermelhas de uma das duas pokébolas haviam se apagado. O topo da esfera perdia aos poucos seu brilho, a cor esvaindo-se com a vida do pokémon nela contido.

Ela torcia para ter misturado as bolas por acidente, tendo quase certeza de que o pokémon cuja vida fora ceifada era o que menos merecia ter morrido, aquele que tomara a iniciativa de protegê-la, revidando o ataque da criatura que a atacara.

Uma hipótese que se confirmou pelas palavras da enfermeira. Ela faria o possível para salvar o Sentret ferido, mas não havia nada a ser feito pelo Zigzagoon.