Um mundo além do mundo

Os confins de uma decisão


Roran sentiu o café estalar seus nervos nos dentes, depois por todo o corpo. Endireitou-se na cadeira satisfeito com a carta escrita por Tharos, agora, declaradamente rebelde. Deu um pequeno sorriso, devolvendo-a. Era evidente que o Lorde fazia certo esforço em ajuda-lo, algo que Roran não imaginava-o fazendo, até que o fez. As pessoas amadurecem, e percebem com mais facilidade o que é realmente importante... Ele lembrou-se da lição. Ou não... Disse a parte sombria de sua experiência. Talvez a possibilidade de tornar-se Rei é que lhe seja tentadora. Ele abandonou o sorriso com suavidade.

— Eu juro que ainda tento compreender como esta loucura irá nos ajudar a reverter toda a situação. – Declarou o homem dobrando sua carta com um rosto tenso por inteiro. – Não vejo outra explicação a não ser que você perdeu a cabeça, Martelo Forte.

Roran suspirou, desconfortável como quem tenta fazer uma criança compreender uma lição.

— Não creio que os atos de Rebeldia estejam concentrados em Surda. É provável que a jogada de Marbrayes aqui seja apenas em Aberon. Aberon é a única coisa que importa para atingir o Império Varden e este é objetivo dos Rebeldes! – Disse ele de mãos erguidas. – Você declarando rebeldia, irá causar confusão, e Marbrayes será incapaz de prever o que acontecerá... Ele não terá como agir sem arriscar-se demais. – O resto Roran não podia falar... Seria arriscado demais contar a Tharos que ele iria até as outras cidades Surdanas conseguir apoio à sua causa, mesmo que ele provavelmente já presumisse isso. Escondeu o nariz na xícara e olhou para o Lorde de Aroughs com um atento cenho franzido.

— Certo, certo... – Ele juntou as mãos ansiosas. – Preciso perguntá-lo... A Rainha Nasuada tem consciência do que você está fazendo?

Roran levantou-se e segurou o cabo de sua clava, virando-se calmamente. Um leve balançar de cabeça aliou-se ao seu caminhar revelando sua inquietude.

— Preocupe-se com sua parte, eu cuidarei da minha, e Nasuada cuidará da dela. – Roran abriu as portas da sala. – Baldor ficará de olho em você enquanto eu estiver fora. – Ele deu uma última olhada ao lorde. – Você é um homem bom, Tharos, espero que escolha o lado certo em tudo isto. E lembre-se, se você se voltar contra mim, estará cometendo um crime para com o Império. ­– Deixou-o para trás sem esperar por reações.

Martelo Forte seguiu apreensivo pelo castelo. O rapaz irritante que o guiava parecia sempre elétrico como que numa festa particular que só ele via. Seus olhos atingiam muitas direções, e Roran sentia-se tonto apenas de observá-los.

— Os homens que Lorde Tharos disponibilizou para você estão no pátio da cidadela, Conde. – Pronunciou ele muito contente, como se anunciasse uma grande novidade penteando os cabelos cor de palha para trás.

Roran franziu o cenho e assentiu. Os corredores abandonaram-no na entrada do palácio, e logo encontrava-se no pátio da cidadela, observando um bom número de homens. Homens surdanos que ele seria incapaz de confiar inteiramente... Já havia comandado até Urgals, mas era diferente... Urgals não eram covardes escondidos à espreita. É o que tenho... Pensou ele andando de braços cerrados de um lado para o outro em frente aos soldados, preparando-se.

— Homens... – Ele gritou com rigidez. – Você foram entregues ao meu comando com apenas uma clara função, que conquistarão se mantiverem seus ouvidos abertos enquanto falo. – Ele movimentou sua clava rapidamente. – Sigam-me!

Roran entrou novamente no palácio, seguido agora por passos marcados de Soldados, além dos saltos alegres do informante. E assim ele seguiu pelos corredores, sem saber como terminaria tudo aquilo.

Martelo Forte invadiu a sala do Lorde com um empurrão forte nas portas duplas. Um Tharos de olhos saltitados o fitava enquanto repousava sua taça na mesa. Seu olhar agravou-se ainda mais quando Roran puxou ar para falar, como se previsse o que o Conde diria, com tantos soldados atrás de si.

— De agora em diante, Lorde Tharos será mantido prisioneiro nesta sala, e nenhuma ordem será enviada para fora sem que passe pela aprovação de Baldor. Estou apenas assegurando a sua segurança, você é importante demais para expor-se neste momento tão delicado, e quero que tenham consciência disso. – Ele declarou para os soldados e todos os presentes. – Estão fazendo isto por Tharos, por sua cidade, por seu país, e toda a Alagaësia. ­– Rugiu. – Dois de vocês, quero que guardem essas portas agora. O resto, sigam-me. – E sem esperar mais nada a não ser o consentimento de Baldor, Roran deixou a sala.

Seu próximo passo foi os fundos do palácio. Os imigrantes do Império. Eles pareciam bem melhores, por mais que não tivessem abandonado a preocupação em seus rostos. Roran preocupava-se com o semblante que transparecia a eles fitando o que eles o devolviam.

Martelo forte! Gritaram muitos quando ele chegou. Seu reconhecimento agora era completo. Muitos foram agradecê-lo com apertos fortes de mão, abraços, venerações. Roran os disse que estavam seguros e que ficariam ali o tempo que precisasse. Quando estava indo, a moça do rosto pálido e olhos verdes que ele vira na estrada com três crianças veio correndo até ele com uma de suas crianças no braço.

— Martelo Forte... Martelo Forte! – Ela gritou. – Por favor, me ajude... – Seus olhos suplicavam enquanto ela mostrava-lhe a criança inconsciente em seus braços. Os lábios quase brancos tremiam e a verdade do sofrimento que carregava aquele ofegar-gemido que envolvia o rosto belo e sofrido eram arrasadores. Roran forçou o maxilar olhando para o pequeno e depois para a moça.

— Venha... – Disse ele enquanto abria espaço entre as pessoas para deixar os fundos do castelo, com a aflição que suas tarefas jogavam em suas costas crescendo cada vez mais. A moça chamava desesperada pelos outros dois filhos enquanto seguia o Conde.

Pelos corredores, Roran comovia-se com o choro da mulher. Esperava que houvesse uma chance da criança ser salva, mas, em toda correria, não sabia nem ao menos se estava viva.

— Leve a criança até alguém que possa ajudá-la, e conceda um quarto a ela e seus filhos... – Disse ao informante.

— Obrigada – Ouviu ele fracamente, enquanto movia-se a passos largos sem olhar para trás, e foi capaz de fitar em sua mente o rosto arrasado da mulher. Ainda precisava resolver toda a situação da cidade antes de partir.

Roran escreveu com alguma pressa, porém com atenção, as palavras que Tharos deveria falar para os cidadãos de Aroughs naquela tarde, para depois voltar aos seus aposentos, onde permaneceria preso até que ele retornasse da viagem. O comando da cidade era praticamente seu.

Antes de começar a preparar-se para partir, planejou patrulhas pela cidade para conter a população com explicações e alimentos, e a promessa de que logo os portões seriam abertos, assim como o comércio da cidade. Roran sabia que estava fazendo duas coisas altamente perigosas: A declaração de Tharos como Rebelde e a Abertura dos portões da cidade.

Mas era bastante provável que ninguém fosse dirigir-se a Aroughs, sendo a mais distante cidade do Império Surdano, e tendo tão pouca relevância em fatos. De qualquer forma, algo que ele não possuía agora era tempo, então dirigir-se-ia para petrovya e pediria ajuda do governante.

Talvez estivesse errando ao invadir Aberon, um ataque poderia ser esperado, se o centro de controle dos Rebeldes fosse realmente a capital, como Roran imaginava que era. Ou talvez os Rebeldes não soubessem lidar com invasões, já que o ponto era sempre invadir, e não defender. De qualquer forma, Roran acreditava poder penetrar a cidade, estando ela enfraquecida e desprovida de organização.

Outra coisa que fez antes de partir foi distribuir pessoas pela cidade que pudessem ouvir qualquer menção suspeita a respeito de invasões ou da guerra. Logo depois era Tharos que pronunciava-se ao seu povo, com palavras sobre a guerra. O Lorde cumpriu bem seu papel, assumindo seu personagem rígido e milagrosamente preocupado com as pessoas. Suas palavras finais foram sobre a normalização da cidade e a abertura dos portões.

A cidade normalizava-se divinamente e, renovada, a população voltava às suas vidas normais e aos trabalhos que manteriam novamente aquele lugar. Foi uma recuperação milagrosa da situação, mas já esperada.

Roran encontrou-se novamente na sala de Tharos, onde o lorde era prisioneiro, e a cidade governada por Baldor. Tharos parecia distante, sem vitalidade, e sem importar-se com sua prisão ou o que quer que acontecia. Com seu cálice de vinho e seus olhos baixos ele olhou de soslaio para o Conde.

— Sabe, você me parece muito diferente de quando invadiu esta cidade pela primeira vez. – Ele deixou lentamente o cálice pousar a mesa. ­– Mas sua disposição para fazer o que é preciso continua a mesma. – Ele cerrou os olhos e ergueu-os, carregando um mínimo fascínio. – Olhando para você, eu me pergunto: O que mudou? Talvez seja o motivo pelo qual você faz o que é preciso... e a eficácia com que o você faz. Bem, não perca você mesmo por aí, Martelo Forte.

Roran ficou na sala até resolver absolutamente tudo com Baldor, não deixando de absorver as palavras talvez embriagadas do Lorde de Aroughs, e quando dirigia-se para as portas, Tharos complementou:

— E, não esqueça, um dia ainda matarei você. – O tom de Tharos era desengonçado mas dotado de uma seriedade que tornava irrelevante qualquer falha em sua voz.

Roran suspirou profundamente.

— Eu sinto muito, Tharos. Não queria que seu pai e sua irmã tivessem morrido. – Ele deixou a sala olhando para trás, fitando o rosto bêbado e despreocupado do Lorde.

Os corredores eram como pessoas insistentes que o queriam fazer permanecer na festa enquanto ele dirigia-se para os fundos de Aroughs. Por uma porta entreaberta ele fitou a mesma mulher que o pediu socorro com o filho nos braços. Ele não pode ver muito, mas percebeu as mãos magras e rijas dela segurando mãos menores. Um simples e verdadeiro desejo de que desse tudo certo passou pela sua cabeça enquanto andava.

Acompanhado pelo informante elétrico, ele foi até as saídas da cidade, escondido e mal humorado, porém quase tão elétrico por dentro quanto o próprio informante abobalhado. Estava finalmente deixando a primeira parte do que planejara... E agora concentrava-se na segunda parte.

Ao descer pelas pedras e alcançar a areia da praia, o informante pôs-se a gargalhar de nada, mais uma vez. Roran revirou os olhos e concentrou-se em deformar a areia até onde seu cavalo o esperava, junto de uma centena e algumas dezenas de soldados.

Ele foi saudado simplesmente, e simplesmente saudou seus companheiros de viagem. Sem nenhuma delonga montou seu cavalo e iniciou o trajeto, olhando para a cidade que deixava, perguntando quantos olhos escondidos espreitavam para ver sua saída, e se lhe seriam um problema. O vento era pinceladas suaves de azul morno em uma tela que mostrava o céu e o mar no fim da tarde. O som dos cavalos na areia era como um tambor abafado seguindo a melodia das quebras das ondas. E Roran franzia o nariz para toda a situação que vivia odiosamente a cada segundo.

Que tudo isso acabe agora. Pensou ele galopando cada vez mais rápido.

Não conhecer perfeitamente o terreno surdense era terrível. Precisar do informante abobalhado também, ainda mais conduzindo tantos soldados, mas ele sentia-se bem com companhia de espadas e arcos dispostos a servi-lo. Bastava para seguir a viagem com mais disposição.

Sua clava batia na panturrilha enquanto ele subia e descia sob a sela cavalo, a linha das margens do mar deixavam o paralelismo aos poucos e a areia dava lugar a arbustos entre grama grossa e alaranjada. A paisagem se enfeitava de pôr-do-sol e o vento agitava-se cada vez mais, trazendo o tempero do mar até os seus narizes.

A noite veio sem lua e com estrelas cobertas por nuvens, o fazendo decidir parar para planejar melhor sua chegada a Petrovya. Nenhuma tenda foi armada, já que planejavam continuar assim que as nuvens afastassem um pouco e mais estrelas surgissem no céu. A fogueira revelava poucas árvores ao redor e o rosto do comandante dos homens destinados a Roran. Era um homem de sua mesma idade, talvez, com cabelos curtos e um rosto liso.

— Conte-me da situação do Império, Martelo Forte. – Ele disse depois de ouvir de Roran como pretendia alcançar as cidades Surdenses e em como Tharos ajudaria nisso. Roran percebeu que o homem não tinha tanta ligação com o Lorde de sua cidade depois de algumas palavras trocadas. – É verdade que viu o Líder dos Rebeldes? – Ele franziu o cenho. – Como você escapou?

— Marbrayes é tão misterioso para mim quanto para você... acredite. Não sei o motivo que o leva a fazer o que faz, e nem suas mais fortes intenções. Mas a mensagem que me foi bem clara durante nossa curta conversa é... Ele está determinado em tomar o Império Varden para si. – Roran deu de ombros. – Não sei quantos seguidores ele tem, nem o que seus ideais dizem.

O comandante suspirou, parecia ter cansado apenas de ouvir Roran falando.

— Você pode estar lutando por um país que já não é seu... Como pode saber quantas cidades apoiam a causa do Rebelde? Elas aliadas as que invadiu... – O comandante balançou a cabeça. – Temo pelo futuro deste mundo, Conde. Perdoe-me falar, sei que é seu familiar, mas o direcionamento que Eragon dá aos Cavaleiros não nos envolve. Talvez a Alagaësia esteja abandonada de vez.

Roran balançou a cabeça.

— Eu não me importo com os Cavaleiros. Não acredito que o Império esteja tão quebrado a este ponto. Não entende? – Ele levantou as sobrancelhas. – Que se danem os Cavaleiros de Dragão. Se não pudermos defender nosso lar sozinhos, então o que somos? E se não houvesse Eragon e nenhum outro Cavaleiro? Se não pudermos enxergar a força dentro de nós, então seremos mortos até o fim de nossas vidas.

O comandante riu.

— Eu entendo sua persistência, Martelo Forte. Pessoas como nós precisamos dela para fazermos o que é preciso, não é? Mas não é frustrante ver o quão o Império está próximo de cair? E apenas em quinze anos de governo?

Roran virou a cabeça para o informante de Aroughs que fazia barulho com uma tigela de sopa e juntou as sobrancelhas.

— Tenho frustrações maiores, como o tempo que estamos parados. – Respondeu ele.

— Bem... – O comandante olhou para o céu. – Acho que já podemos continuar. E espero que meu pessimismo não o tenha atingido.

Roran sorriu.

— Não se preocupe. – Ele levantou-se e, como os outros, foi preparar o cavalo para partir.

A luz das estrelas aos poucos tornava-se esclarecedora para ele, que desejava entender o ambiente que os cercava e saber o quão distante estavam da praia. Em certo ponto, seu cavalo começou a perder velocidade, então decidiu diminuir o ritmo.

O vento já não era tão intenso, mas o frio era bem distribuído pelo ar, e ele o sentia em sua garganta. As árvores tornavam-se mais próximas umas das outras aos poucos, e então viram-se escondidos do céu por uma floresta. Roran desceu de seu cavalo e procurou acender uma tocha, para continuarem até o amanhecer.

O farfalhar das folhas parecia retardar a velocidade do ambiente, encorajando-o de paciência ao fazer o fogo e voltar ao percurso. O Comandante Gader analisou seus mapas e demorou alguns minutos para posicionar-se e continuar a jornada.

Roran mantinha-se em trote regular, aquecido pela luz da tocha, quando por fim a manhã deu sinal. Os tintilares de metais dos cavaleiros atrás de si o fizeram franzir o cenho. Lhe martelava na cabeça todo o trajeto à frente, e a demora que levaria. Quanto mais pessoas, mais demorada se tornava a viagem.

Suspirou para afastar o sono e enterrou os calcanhares na barriga do cavalo, deixando momentaneamente os soldados para trás. Quando alcançaram seu ritmo, trazendo o barulho intensificado consigo, as árvores tornaram-se escassas. Cavalgavam por terrenos deformes de arbustos grandes, pedregulhos e galhos mortos. E assim a manhã crescia no céu.

– O que faremos quando chegarmos à ponte do Jiet? – Perguntou Gader em certo ponto. O sol banhava seus rostos e os obrigavam a cerrar os olhos. – Não podemos atravessá-la, chamaremos muita atenção... E terá muitas pessoas nos portos observando se tentarmos ir num barco.

Roran balançou a cabeça. Detestava a parte do sigilo.

— É por isso que teremos de trocar de roupa. – Ele diminuiu um pouco o ritmo da cavalgada. – Existe algum vilarejo próximo daqui?

O comandante olhou-o de soslaio.

— Alguns... – Ele voltou a olhar para frente, de olhos cerrados, muito concentrado. – Isto está sendo muito trabalhoso.

Roran não pode deixar de rir. Desviaram de um arbusto que cobria uma grande área do solo.

— Isto não chega a ser o mínimo de trabalho se conseguirmos falar com o Lorde de Petrovya.

— Posso pergunta-lo... Por que Petrovya? – Gader parecia realmente curioso, e não apenas querendo cooperar.

Roran franziu o nariz e demorou para decidir se responderia ou não... De qualquer forma, Gader já estava dentro daquilo por inteiro, então:

— Petrovya assegura uma fuga mais fácil do Império Surdano, caso a cidade venha a trazer problemas, além de ser próxima da capital, o que pode nos ajudar a convencer a tomada de Aberon. – Ele olhou para o alto, observando o quão o sol se aproximava do centro. – Daqui uma hora pararemos para comer, então nos apressemos para que a hora valha.

Seus cabelos nadavam ao vento com a velocidade repentina, revelando as gotas de suor em sua testa que logo secaram ao beijo do ar. O caminho tornou-se de vasta grama verde. Era sinal de que aproximavam-se novamente da costa, caminho para o rio Jiet e sua ponte.

A exposição dos campos vastos não lhe agradava. Gader lhe dizia que o vilarejo com mais a oferecer era próximo à ponte, o que também não lhe agradou. Mas era o que tinham, e com o passar dos galopes, o sentimento ruim lhe passou.

Até que pontas de lanças surgiram de detrás de uma colina. Roran teve tempo apenas de franzir as sobrancelhas para decifrar o que via quando o mar de homens revelou-se. Seu coração parou por um instante e o sangue subiu ao pescoço. Não acredito. Ele pensou enquanto forçava seu cavalo a parar com mãos trêmulas e olhos saltitados. Eram incontáveis homens, e em números estonteantemente maiores que os seus.

— Diga-me quem são, Gader! – Rugiu o Conde.

O comandante deu de ombros.

— Não posso ajuda-lo, Martelo Forte... Mas asseguro que devemos dar meia volta agora e galoparmos o quanto pudermos. – Respondeu ele com a voz afetada. Seu cavalo ia de um lado para o outro, enquanto ele decidia perdidamente o que fazer.

– Não temos tempo para isso. – Concluiu Roran sentindo-se péssimo e ameaçado. – Desçam de seus cavalos agora! – Ordenou retirando sua clave do cinto.

O Conde andou alguns passos à frente de seu cavalo e esperou. Ele pensava... A cabeça fervia enquanto pensava no que fazer... em alguma saída. Desmontados, poderiam atingir o inimigo com flechas, escondidos entre as montarias. E teriam a vantagem de não poderem ser derrubados de um cavalo... Foi tudo o que pensou enquanto sentia a terra tremer com o galope dos cavalos.

— Fiquem próximos de seus cavalos! – Gritou quando os homens já estavam muito próximos.

— Parem! – Ordenou alguém do exercito desconhecido. Os cavalos formaram um enorme círculo ao redor de Roran e seus homens.

Um homem de cabelos cinzas amarrados em coque sorriu atrás de uma grande barba cinzenta. Ele usava uma túnica rosa com estampas de flores verdes. Suas calças pretas terminavam em uma bota de couro marrom limpo e de bom aspecto. Em uma mão carregava uma luva e na outra a tatuagem de um jarro com desenhos.

— Olá a todos! – Disse o homem com uma voz madura e levemente rasgada. – Ora... – Ele olhou para Roran com olhos estreitos. – Seu rosto encontra-se inconfundivelmente aqui, e quando eu digo inconfundivelmente, é exatamente isso que quero dizer. – Ele curvou-se para baixo em sua cela. – Diga-me, você sabe quem eu sou, Martelo Forte?

Roran mordeu o maxilar e nada disse, esperando estar respondendo a pregunta. Os membros de Roran aguardavam pelas intenções do homem para começarem a agir. Olhou para Gader, apenas para descobrir o quão desnorteado estava o homem.

— Eu o admiro ainda mais agora, Conde. Ir até Aroughs sozinho, sair com o comando da cidade e soldados a seu dispor para fazer o que quer que for... – O homem franziu os cenhos, abandonando o sorriso e tornando-se momentaneamente sério. – Bem, é com você que eu preciso falar, Roran... Então, entreguem Martelo Forte e o resto de vocês poderá voltar à Aroughs em paz.

— Preparem os arcos! – Gritou Roran escondendo-se atrás de seu cavalo. – Como sabe de tudo isso? – Perguntou.

— Tenho meu informantes... – Disse ele piscando para alguém.

Roran virou-se para ver. Era o informante abobalhado que o acompanhava desde que chegara a Aroughs. Praguejou e ergueu a clava, apontando para o homem barbudo.

— Os arcos, agora!

— Não! – Rebateu Gader, surpreendendo Roran. – Entreguem o Conde à ele e terminem isto. – Disse com o rosto à beira da raiva.

Dois soldados aproximaram-se quase que imediatamente, o fazendo mostrar os dentes em frustração. Foram atingidos por sua clava a muito preparada para ser usada. Roran encontrava-se enfurecido devido sua situação, jamais esperou que o dia terminasse daquela forma.

Quando mais soldados vieram até ele, rugiu reverberante e ergueu a clava. Sentiu seus dedos queimarem aos poucos, mais uma vez, e quando desceu a clava sentiu um rio de vivacidade percorrer seu corpo. Acertou o soldado com tamanha força que afundou seu peito, lançando-o contra os demais e os cavalos, levantando um momentâneo caos e exclamações de surpresa.

Ouviu o homem de cabelos cinzas gargalhar.

— Maldita Aroughs e sua falta de honra. – Ele proclamou. E foi o suficiente para acalmá-los e fazer todos darem atenção a suas palavras. – Veja onde foi meter-se, Martelo forte. – Ele ergueu uma mão. – Matem todos eles. – Ordenou com sua bela voz já atingida pela idade.

Roran segurava os dedos queimados pelo anel mágico, observando as flechas cravarem-se com barulhos secos nos soldados enquanto agachava-se.

Os soldados e cavalos berravam e caiam impotentes, sem nada poderem fazer a não ser esperarem a morte. Gader caia com várias flechas cravadas da coxa até o peito. Seu corpo desapareceu embaixo de um cavalo. Roran aproveitou a confusão para alcançar o cavalo do comandante inimigo, rastejando-se devagar no chão.

Quando alcançou-o, um soldado caiu sobre suas pernas, mas ainda assim esforçou-se para erguer-se um pouco do chão e...

Puxou-o com as mãos, reunindo toda sua força. O homem caiu por cima de suas costas, causando-o uma explosão de dor. Roran foi puxado pelo ombro, forçado a virar-se. O rosto barbudo vazio de expressões foi tudo o que viu antes de apagar com um soco.

*

Seus lábios tremeram, e, ao abrir um pouco seu olho esquerdo, fitou flores verdes em um fundo rosa. Abriu os olhos e deparou-se com um sorriso do homem de cabelos cinzas. Seu impulso o fez querer levantar, mas as costas doeram e apenas tombou a cabeça novamente na grama, fitando um ambiente calmo e repleto de cadáveres.

— Roran, eu realmente espero que levante-se logo, para que possamos conversar. – Ele afagou sua barba, com um olhar distante.

Martelo Forte apoiou-se nos cotovelos, olhando francamente para o homem velho.

— Vá para o Inferno. – Declarou, cansado.

Ele riu um pouco.

— Corajosos são aqueles que, seguros, determinam quem vai para o inferno, e sem ao menos saber seus nomes. – Ele estendeu a mão. – Prazer, Lorde Roran. Sou aquele que chamam de Vandlan.

Roran abriu os olhos por inteiro agora, fitando melhor o rosto do homem.

— Vandlan? – Levantou-se do chão com determinação. – Lorde Vandlan de Petrovya?

— Sim. Certamente ouviu por aí que ando mantendo o soberano Rei Orrin em cativeiro. – Ele riu mais uma vez. – Bem, a fama dos Reis raramente é negativa, não? Seria muito improvável que atribuíssem os mal feitos do reino Surdano ao Rei, eu entendo. – Suspirou. – A verdade é que estou supostamente apoiando Orrin, e desta forma, apoiando os Rebeldes. – Disse mais sério, como que todo o motivo para rir tivesse acabado. – Sou um infiltrado, Roran... E preciso de sua ajuda para parar o avanço deles enquanto ainda tivermos uma chance.

Roran fitou-o por um momento sem saber o que dizer. Retirou seu anel verde e observou a gravidade da queimadura.

— Você pode me dizer por que raios deu início a esta matança? – Perguntou ele ofegante.

Vandlan escondeu as mãos atrás das costas. Fitou o mar de mortos e sua postura tornou-se ainda mais rígida. Aparentava ser um homem com muita experiência e vivência.

— Não faça isto, por favor. – Disse ríspido. – Fiz o que precisava ser feito. Não poderia simplesmente deixá-los ir e dar motivos para que os Rebeldes desconfiem de mim... Ainda preciso manter-me como um, principalmente tendo os olhos de Orrin sempre sobre o Império.

— Então Orrin está mesmo apoiando Marbrayes... – Roran não estava surpreso.

— Não Marbrayes... – Vandlan disse com impaciência. – Você não sabe de absolutamente nada, Martelo Forte. – Ele pôs-se a andar em círculos. – Marbrayes, assim como eu, é um infiltrado. A mais de uma década ele tenta refrear os rebelados como pode, e o vem fazendo muito bem.

Roran ouvia, perplexo, aquela história, tentando digerir e adicionar tudo aquilo em seus planos.

— Quando os Rebeldes finalmente tiraram seus planos do papel, Marbrayes conseguiu tornar-se o Líder na região do norte do Império, conseguindo refrear ao máximo os avanços do grupo. – Vandlan assentiu firmemente com a cabeça, concordando consigo mesmo. Seus olhos negros eram um portal penetrante e cerrado para outros tempos, enquanto falava. – Se não por Marbrayes, talvez Orrin já fosse Rei do Império.

— Então Orrin é o Líder absoluto? – Perguntou Roran enquanto tentava aceitar a mudança repentina da situação, e aqueles cadáveres que não chegou a conhecer.

Vandlan estalou a língua.

— Os movimentos de Rebeldia existem desde que Eragon matou o Rei. – Começou. – Vieram, com o tempo, a tornarem-se mais organizados. Quando Orrin tomou conhecimento, viu uma oportunidade de ter seu “reconhecimento” como me diz todos os dias... Como é alguém de muita influência e tinha a capacidade de alimentar o movimento em demasia, acabou por se tornar o Líder. – Vandlan sorriu. – Orrin deixou muitas brechas, e acabei descobrindo o que fazia, considerei a melhor opção infiltrar-me e “apoiá-lo”, assim como Marbrayes e muitos outros.

Roran segurou firme sua clava e enterrou as garras de urso no chão. Olhando para o céu do meio dia.

— E por que raios não contaram isso à Nasuada? Poderiam ter acabado a guerra antes de começa-la. – Encontrava-se ainda mais perplexo depois que disse as palavras.

Vandlan olhou-o de cima a baixo e mordeu o canto do bigode, demorando para responder.

— Por que a maioria de nós também não apoia o governo de Nasuada. – Disse muito sério. – Neste quesito, encontro-me neutro... Então apenas faço minha parte e espero pelo dia que tudo isto acabe.

Roran franziu o cenho.

— E quem seria esta maioria? – Perguntou.

Vandlan bufou com um risinho.

— A maioria e a parte mais significativa. Os Magos exilados do Império pela Rainha.

O estomago de Roran embrulhou-se.

— Nasuada fez muitos inimigos. – Refletiu.

— A única coisa que mantém a sensatez dos Magos quando se trata de Nasuada é seu líder.

— Que seria...

— Marbrayes. – Vandlan era exato e rápido em suas respostas.

Roran tinha muito o que pensar, depois de tudo o que foi dito. Mas ainda não sabia se queria ajudar Vandlan e seu grupo de infiltrados. Aquilo poderia acabar em outros problemas.

— Como eu poderia ajuda-lo, Vandlan?

O homem puxou bastante ar antes de começar a falar.

— Como já disse, encontro-me neutro com relação a Nasuada. E tudo o que quero é fortalecer nosso embate contra os Rebeldes. Não posso rebelar-me contra Orrin sem incitar e alertar os Rebeldes sobre os infiltrados... Mas você poderia derrubar o Líder deles sem levantar nenhuma suspeita, além de ter alguma influência sobre Nasuada, e convencê-la a aceitar os Magos novamente no Império.

— Eles usaram da magia de forma errada! Como eu poderia convencê-la?

O homem velho olhou-o como se fosse tolo.

— Sejamos sinceros... Nasuada não tem poder o suficiente para entender muito do mundo da magia, Martelo Forte. Quanto do que ela determinou errado é realmente errado? E quem pode dizer o que é errado? Por Favor! Faça-a perceber sua arrogância. O próprio Marbrayes reconhece que ela apenas mantem-se equivocada, e que pode provar o inteiro desvio que sua ignorância no quesito magia provocou, mas não sem ajuda... Então, Martelo Forte, o que diz?

Roran rodou no dedo o anel que o ligava a Katrina.

— Se eu aceitar, por onde começaríamos?

— Iremos diretamente a Aberon e acabaremos com isso de vez. Eu o coloco dentro dos portões junto com meus homens vestidos com a túnica dos Varden, e está tudo feito. – Respondeu.

— E o que será feito de Orrin? – Foi a última pergunta de Roran.

Vandlan fechou os olhos, revelando linhas de rugas bem expressivas. Seu nariz reto ganhou mais linhas quando o franziu. E então finalmente abriu os olhos.

— Bem... Nos reuniremos para discutir isso.