Kewird olhou para o pesado livro de couro com impaciência. Estava lendo “Da antiga à nova ordem” e não queria abandonar a leitura quando partisse para Nöema, mas não sabia se podia levá-lo. Tudo o que podia fazer era ler o máximo possível antes de ir embora no entardecer daquele dia.

O rapaz havia acabado de acordar, com o cabelo emaranhado molhado de suor no travesseiro. O livro ficava sempre na mesinha ao lado de sua cama, lia um pouco antes de dormir e depois de acordar, treinava o restante do tempo em Venora.

O livro que lia fora escrito por um homem da Alagäesia, que apoiara os Varden durante o reinado de Galbatórix, Jeod, e os relatos desta parte eram bem mais vivos que os da Antiga Ordem. Mesmo assim Kewird impressionara-se com a quantidade de detalhes, e em poucos dias o livro tornara-se um grande amigo, e ele vivia as fantasias da antiga história. Estava lendo uma passagem que falava de quando Brom, o Cavaleiro que viria a ser pai de Eragon Matador de Reis, instalara-se no Castelo de Morzan, um renegado bastante conhecido. Kewird lia sem acreditar que aqueles fatos realmente aconteceram.

Zeón dormia na cama do lado. O rapaz de cabelos vermelhos remexia-se na cama o tempo todo, mas não acordava. Ele parecia muito ansioso para viajar para Noëma e iniciar seu treinamento, tanto quanto ele. Mas Kewird sentia que se distanciaria de Líria por completo. Não era com tanta frequência que eles se viam ou conversavam, e, se ele partisse, talvez a amizade pudesse acabar por completo.

Fazia uma semana desde que conversara com a elfa. Fora depois do treinamento na arena, no final da tarde. Ele chamou-a para uma casa de espetáculos de Venora, onde homens fariam uma apresentação sobre os anões. Ela aceitara, e sorrira muito da peça sobre um rei lapidador. O próprio Kewird pouco sabia dos anões, e achou que aquilo agradaria a elfa.

Mas mesmo assim estavam distanciando-se cada vez mais. Noëma era um destino cada vez mais forte. E mesmo que estivesse feliz em iniciar o seu verdadeiro treinamento, sentia-se triste por deixar Líria. Não era como se as duas cidades ficassem a um mundo inteiro de distância, mas ainda assim era um afastamento a mais.

Levantou-se e foi até o espelho enraizado na parede de madeira. Seu rosto havia esticado de certa forma, e os cabelos negros estavam grandes e desregulares. Os seus olhos pareciam ter mudado também... ele achava estranho, mas gostava do rosto que tinha adquirido.

Lavou o rosto e saiu para a manhã rosada e salgada da ilha. Awremöm Ebrithil estava deitado com o pescoço em pé e os olhos pratas bem abertos, fitando o mundo.

Pequenino... Saldou o dragão com o cumprimento que só fazia-o parecer maior.

Ebrithil... Cumprimentou Kewird, Onde está Blödhgarm?

Aqui estou, Kewird. – Awremöm abriu uma asa e Blödhgarm apareceu, recostado em seu grande Dragão. – Zeón ainda dorme? Devemos aproveitar este dia, pois Noëma nos aguarda. Nosso tempo em Venora está quase no fim. – Ele sorriu. – Tenho certeza que gostará de lá, vendo que o gosto élfico lhe habita.

– Eu li algo sobre Noëma... Dizem que se assemelha à Ellesméra. – Respondeu Kewird. – Eu gostarei de lá...

Blödhgarm franziu o cenho.

– Mas você não conhece Ellesméra. Como pode saber que gostará como a cidade dos elfos? – Ele questionou com curiosidade.

– Não conheço, mas li muito sobre, e tenho muita vontade de conhecer a floresta dos elfos.

– Um dia você conhecerá... – Respondeu o mestre com prontidão.

– Mas... – Kewird deu de ombros. – Você sabe, a magia dos Eldunarí...

– Ela não reinará para sempre, rapaz. – O estranho elfo inclinou-se para o lado, e os cabelos deslizaram pelo ombro. – Os cavaleiros precisam de tempo para crescer, sim, mas chegará o momento em que vamos desempenhar nossa função sobre a Alagaësia. E você será parte disso.

Blödhgarm gostava de ressaltar a posição de Kewird como cavaleiro. Kewird gostava do mestre, ele lhe passava muita segurança.

– Kewird, sente-se. – Disse de repente, como que com alguma ideia em mente. – Tenho uma história para lhe contar.

Kewird sentou-se debaixo da asa metálica do grande Awremön. O dragão era quente proporcionalmente ao tamanho.

– Vi o livro que você está lendo... – Levantou os lábios como fazia ocasionalmente. – Você já se perguntou de onde vem tanta informação?

Kewird abriu e fechou a mão.

– Bem... eu posso imaginar que foram retiradas de outros relatos de outros livros.

Blödhgarm sorriu em aprovação.

– Sim... muitos relatos, mas não todos. – Ele apoiou as mãos juntas nos joelhos. – O humano que escreveu este livro, Jeod, teve uma forte presença no desenvolvimento de Eragon como Cavaleiro na Alagaësia. Você perceberá, quando chegar à queda de Galbatórix, como os relatos são ávidos. – Blödhgarm confirmou firmemente suas palavras com a cabeça. – Jeod, amigo de Brom de longa data, teve o primeiro contato com Eragon em Teirm, quando o recente cavaleiro refugiara-se em sua casa junto de Brom, à procura de respostas e alguma ajuda. – Sorriu mostrando as pontas de suas presas. – Desculpo-me logo por antecipar a sua chegada à história no livro.

“Continuemos... Eragon reencontrou Jeod nos acampamentos Varden, depois de deixar Ellesméra para ir à guerra. Ele abandonara a casa em Teirm para dar significado à sua aliança com os Varden e assim seguiu até Ilirea.

“Quando as tropas Varden chegaram a Dras-Lenoa, viram-se num dilema. Thorn e Murtagh guardavam a cidade. Na época, ambos eram escravos de Galbatórix. Nasuada, a líder dos Varden, tentara achar uma forma de invadir a cidade, mas foram Jeod e seus estudos que encontraram um túnel que saía dentro da cidade.”

Kewird ergueu as sobrancelhas.

– Então ele permitiu que os Varden invadissem Dras-Leona, é isso? – Concluiu o rapaz, surpreso e curioso a respeito do autor. – Ele escreve a própria história, de alguma maneira!

– Bem... não exatamente. A história são aglomerados de fatos e tempos, e fatos acontecem à todo momento... fazemos parte deles, se estivermos em seu tempo. O que Jeod escreve são fatos. – Explicou-lhe Blödhgarm. – Porém é evidente a importância dele para os Varden e para a queda de Galbatórix. – Ele levantou um dedo. – E não se esqueça do ovo de Saphira.

Não se esquecera.

– Este homem ainda é vivo? – Perguntou o jovem cavaleiro com curiosidade, pensando nas histórias que tinha lido.

– Vivo e ativo... – Respondeu o mestre erguendo as sobrancelhas deitadas nos olhos amarelos. – Jeod percebeu que vivia um momento único na história, e em sua vida. Seus relatos e estudos nunca terminarão, até o dia de sua morte.

Kewird, agora, criava expectativas sobre livros que pudesse vir a ler, e sobre a história dos Cavaleiros que havia se tornado tão importante para si.

– Mestre... Por que me contou esta história?

O mestre sorriu amigável.

– Para você entender o que está lendo, Kewird-finiarel.

*

Kewird voava atrás de Blödhgarm, nas costas do grande e trovejante Awremöm. A sensação de montar um dragão tão grande era de extremo poder em mãos, e Kewird sentia-se dormente de delírio, mesmo que atrás de Blödhgarm...

Shavaníra caçava e ele e o mestre dirigiam-se para Venora. Na arena de treinos e combate eles despedir-se-iam dos treinamentos na primeira cidade, ao entardecer viajariam para Noëma, e lhe parecia que a rainha dos elfos os acompanharia para conhecer a segunda cidade. Kewird sentia vontade de conversar, mesmo que só algumas palavras, com ela. Ele nem podia imaginar tudo o que ela presenciara, e tudo o que podia compartilhar...

Falarei com ela durante a viagem. Prometeu a si mesmo com convicção quando o dragão pousou dentro da arena de treinos, que parecia mais um grande mar de areia com arquibancadas extensas.

Ele saltou para a areia com vivacidade. Os treinos nas arenas eram sempre bons para si, era ali onde descarregava qualquer tensão, e onde tinha o maior contato com os outros cavaleiros.

Amisha, uma humana aluna de Blödhgarm, era quem melhor compreendia o nível que Kewird tinha em duelos de espadas, e ela sempre lhe proporcionava uma boa luta. Kewird gostava bastante dela, estava se tornando uma amiga. Saber que a Cavaleira vivia em Noëma o deixou bastante feliz. Ela já tinha recebido sua espada colorida, era muito mais avançada e tinha muito mais anos de treinamento que Kewird, o que era bom, pois ela muito o auxiliava.

Amisha estava lá, junta de seu dragão púrpuro, Peön. Vigär e Baorüch, alunos de Oriúmos e Istalrí, também estavam lá, assim como seus mestres. Os únicos que ainda não haviam chegado eram Eragon Matador de Reis, Líria, os novos cavaleiros que vieram da Alagaësia, a rainha dos elfos e, claro, Zeón, que ainda dormia na cabana em que estavam.

Para a surpresa de Kewird, lá estava Ariän, tão branco à luz do sol quanto possível. Baöh, já enorme, cintilava como um diamante, mas a parte negra de seu pescoço era escura como uma sombra profunda.

Kewird aproximou-se de todos, andando ao lado de Blödhgarm e Awremöm. Cumprimentou-os formalmente, com o devido respeito, depois foi para junto de Amisha.

– Jovem! – Ela exclamou com simpatia. – Como se sente? Ansioso para conhecer minha bela cidade? – Ela disse erguendo o queixo, brincando.

Kewird riu.

– Eu... estou nervoso! – Disse ele, tímido. Amisha era bem mais velha, e um tanto comunicativa. Kewird sentia-se como uma criancinha perto dela.

– Eu o entendo bem... Acha que será um estranho no meio de tantos outros cavaleiros, numa cidade que nunca viu, mas já não está passando por isso? – Amisha aproximou-se e falou mais baixo. – Eu, particularmente, considero Noëma bem mais agradável que esta imensidão que é Venora... você verá. Lá tem tantas árvores, e os jardins mais belos da ilha dos Cavaleiros...

Kewird criava muitas expectativas ouvindo a amiga descrever a cidade. Os olhos dela brilhavam sempre que o fazia.

– Você já havia falado dos jardins. E as árvores... bem, eu posso imaginar. – Ele sorriu.

Amisha cerrou os olhos.

– Bem, senhor dos diálogos variados, você me pegou, mas ainda existe uma infinidade de coisas que não sabe sobre Noëma. – Ela pousou a mão em seu ombro. – Quando chegar, não vai querer partir nunca mais.

– Não tenho tanta certeza. – Respondeu ele convicto. O agradaria imensamente conhecer a Alagaësia, e, por mais que Noëma fosse bela, ele sabia que não se aquietaria até conhecer o continente. – Eu ainda irei para a Alagaësia...

– Claro que vai! – Ela exclamou. – Todos nós iremos um dia... Mas eu tiraria este pensamento da cabeça, se fosse você. Foque em seus estudos! Sabe que não será tão cedo que irá para lá.

Kewird suspirou.

– Eu sei... apenas disse.

Os dois sentaram-se para ouvir os mestres falarem. Blödhgarm e Oriúmos lhes perguntavam como estavam e testavam seus conhecimentos em geral. Estavam todos recebendo elogios. Amisha ajudava os Mestres.

Depois de algum tempo Eragon Matador de Reis chegou acompanhado da elfa Niarël e de Líria. A rainha dos elfos chegou pouco depois com os cavaleiros da Alagaësia.

A rainha trazia uma capa de penas douradas sobre os ombros e um sobretudo verde, por baixo. Os cabelos negros estavam soltos e esvoaçantes. Assanhados pelo vento do vôo.

– Saudações, Cavaleiros. – Disse ela na língua dos elfos com a voz fértil e melodiosa.

– Arya Drottning. – Responderam todos em resposta, com cumprimentos tão respeitosos quanto possíveis. Kewird curvou-se com um sorriso, e corou quando a rainha sorriu para ele.

Os outros dois cavaleiros, os recentes da Alagaësia, cumprimentaram a todos com um pouco mais de modéstia. A elfa dos cachos castanhos e o elfo de olhos negros e cabelos pratas. Eles olhavam para tudo com muita intensidade e rosto franzido... O mundo dos cavaleiros parecia algo muito diferente para eles, Kewird imaginava que seria assim se fosse para a Alagaësia.

– Nossos mais novos voadores... – Eragon Ebrithil cumprimentou os dois elfos com as mãos em seus ombros e um sorriso. – O que estão achando da ilha?

– Eu não tenho palavras, Ebrithil... – Disse o elfo com as mãos pressionadas exageradamente contra o peito, olhando para a mão de Eragon em seu ombro, maravilhado.

– Eu amo este lugar, Ebrithil, eu amo. Como não poderia amar? Como não poderia amar tantos dragões no céu? – Disse a elfa com os olhos azuis a brilhar. Seu sorriso revelou caninos belos.

– Estou aliviado! – Disse Eragon com um sorriso brincalhão. Olhou para Arya, e os dois riram discretamente, parecendo compartilhar uma piada interna. – Espero ver junto de você muitos mais dragões e cavaleiros, Niphel... – Ele guiou os dois cavaleiros para junto de Kewird, Líria e Vigär. – Hoje, vocês saberão quem serão seus mestres. Hoje, o dia que iniciarão o treinamento, e viajarão para as respectivas cidades onde serão treinados.

Os dois elfos entreolharam-se, escutando as palavras do Mestre. Kewird sentia que eram próximos... talvez por terem convivido durante a viagem para a ilha, ou até mesmo antes, mas ele não achava que fossem parentes ou irmãos, eles eram muito pouco parecidos. O rapaz observava os dois com muita curiosidade. Desde que soubera a idade de Líria começara a reparar nos elfos e questionar a idade deles.

Líria olhou-o achando graça, percebendo que ele olhava intensamente para os dois novos cavaleiros. Ele retesou-se, fazendo a elfa rir um pouco mais.

– Cebrus... você e Zelmúm irão Com Oriúmos e Istalrí. Niphel, você ficará aqui em Venora. Eu lhe instruirei... – Ele sorriu. – Esta é a melhor divisão para o momento, espero que gostem de Jewän, Cebrus e Zelmúm, a cidade será seu centro de treinamento. Assim vale para os outros... – Ele virou-se para os demais.

O elfo Vigär do marrom Baorüch assentiu entre os cabelos emaranhados. Kewird sabia que o elfo já havia visitado todos os cantos da ilha, e ir para Jewän não seria uma novidade para ele... não passaria pelo mesmo que Kewird ao chegar em Noëma – Ou pelo menos pelo que o rapaz criava expectativas.

Os treinamentos iniciaram-se. No inicio, voltados para controle e duelos mentais, mas apenas no inicio, essa parte seria mais aprofundada apenas quando cada um estivesse em seu centro de treinamento. Ali, na arena, o foco era na prática com espadas.

Kewird estava em seu quinto duelo. Podia sentir o formigamento leve da palma da mão e o antebraço ardente. Circulava observando bem o braço de Amisha. Qualquer movimento era sinal de que deveria se precipitar, ela era muito rápida.

O rapaz duelara com Zeón – Que chegara bastante depois dos duelos iniciarem-se –, Líria, Blödhgarm Ebrithil e duas vezes com Amisha. Ele sempre procurava um jeito de duelar novamente com a humana... era com quem mais sentia-se confortável em duelar.

Amisha deslizou o pé pela areia e fez uma curva com a espada de treino por baixo, pretendendo atingi-lo no abdômen, mas ele aparou o golpe e deslizaram as espadas, distanciando-se um do outro mais uma vez. Porém a luta saiu em vantagem para ela, que o derrubara com o peso do ombro contra seu corpo, e ele acabara com a espada encostada no peito.

Os próximos duelos foram os mais cansativos. Lutou com Vigär até esgotar-se e desistir, já que o elfo orgulhoso não podia apenas vencê-lo e facilitar as coisas. Lutou com o novo cavaleiro da Alagaësia, que era tão experiente quanto qualquer elfo, e, por fim, lutou com Matador de Reis, ouvindo-o falar o tempo todo sobre a melhor forma de posicionar-se, revidar, atacar...

Kewird largou o aço sofrido junto dos outros no arsenal. Estava ensopado de suor, mas descansado de espírito e bem mais calmo que no começo do dia. Sentou-se na areia recostado na parede de madeira do arsenal, observando Amisha lutar com Blödhgarm. O mestre parecia não se cansar, pelo contrário, parecia mais solene a cada duelo.

Kewird observava de tempo em tempo dragões voando no céu de Venora. Então viu um amarelo veloz e esguio entrar na arena de treinos. Era Shavaníra. O dragão fêmea olhou-o virando a cabeça, com um único olho amarelo.

Você precisa mesmo de tanto tempo para dominar uma espada que mal tem o tamanho de uma garra de dragão? Ela perguntou enquanto batia uma asa na outra ao pousar, pequenina comparada aos outros dragões na arena.

Nós não podemos usar cinco espadas como vocês podem usar cinco garras... então temos que aprender a nos virar com esse pedacinho de aço. Disse ele divertido. Como foi a caçada?

Divertida...

Kewird nauseou-se quando, sem querer, recebeu as lembranças do dragão. O cheiro dos ossos queimados e enegrecidos de um búfalo encheu seu nariz.

Bem... sinto saudades dos peixes de minha aldeia, agora.

O dragão empurrou sua cabeça ao tocar o focinho em sua testa. O seu hálito era realmente de carne torrada. Kewird tossiu, depois de tentar segurar. A tossida tornou-se gargalhada com o constrangimento da situação.

Bem, vamos aproveitar o resto de nossas horas em Venora. Disse ele ainda sorrindo, batendo no focinho do dragão.

Os dois deixaram a arena e puseram-se a explorar a cidade do alto. O suor logo secou com a brisa da ilha, e ele sentia o refresco que só o vôo lhe proporcionava. Deixava-se levar pelo dragão, até que avistou, negra e longa, a Torre de Lerworth ao sudoeste. Ele lembrava fracamente de uma citação sobre ela em um dos livros de sua cabana. – Nunca havia lido livros grandes ou complexos antes de chegar a Venora. Na sua antiga vida lia apenas livros infantis ou contos, mas havia rapidamente se adaptado e gostado da leitura assim que botou os olhos nos livros de sua cabana e da grande biblioteca.

Sempre via a torre, de passagem, mas agora sentia vontade de visitá-la, já que era seu ultimo dia na cidade. Queria conhecer um pouco mais da Alagaësia, e a torre era o lugar perfeito, construída por humanos vindos do continente, era como um pedacinho dos castelos do Império dos humanos na ilha.

Shavaníra imediatamente seguiu na direção da torre. Até que a construção foi crescendo, e Kewird pode ver homens em cota de malha manejando arcos em janelas, eles eram quietos e pareciam não ligar para nada, ociosos.

Shavaníra pousou no topo da torre assustando alguns soldados desprevenidos. Eles viraram-se, apontando arcos com flechas nas cordas, desorientados pela intromissão do dragão amarelo e seu cavaleiro.

– Cavaleiro! – Um homem mais corajoso entre os demais adiantou-se ainda com uma flecha apontada para Shavaníra. – Diga qual o seu propósito ao pousar na Torre de Lerworth! – Ele estava hesitante, parecia nunca ter lidado com uma situação parecida.

Kewird sentiu-se envergonhado pelo tumulto que causou.

– Desculpe-me por assustar! – Ele disse levantando uma mão e descendo das costas de Shavaníra. – Eu não pretendia...

– O que você quer? – Disse o homem erguendo uma sobrancelha depois de abaixar o arco.

Era a primeira vez que falavam daquele jeito depois que ele tornara-se cavaleiro.

– Veja bem... me desculpe. – Disse ele erguendo as mãos. – Eu só queria visitar a torre antes de viajar... eu nunca estive aqui antes, só tive curiosidade.

O soltado pôs a mão no queixo murmurando consigo mesmo.

– Bem... neste caso. – Ele estendeu uma mão enluvada com um sorrio amigável. – Qual o seu nome, rapaz?

Kewird apertou a sua mão.

– É Kewird... – Disse, aliviado.

– Não fique com raiva, é que temi ser um desordeiro. – Ele deu de ombros. – A maioria dos cavaleiros são jovens... nunca se sabe. Mas, então... o que o trouxe até aqui?

– Bem... – Kewird juntou as mãos escolhendo bem as palavras. – Olhe para mim. – Finalmente disse. – Sou um humano. Não um elfo, ou qualquer outra coisa... Eu sempre tive interesse em saber a história do meu povo, que vive e viveu na Alagaësia. E esta torre... esta torre é um pouco do continente! – Kewird intimidou-se um pouco com a última frase. Temeu soar como um tolo.

O homem deu uma gargalhada.

– Bem... talvez você tenha razão. – Ele pôs a mão em seu ombro ainda sorrindo. – Venha... vou lhe apresentar alguém que pode ajudar. – O homem os guiou para uma entrada na torre.

Shavaníra rosnou baixo.

Vocês acham mesmo que estas flechas teriam algum efeito sobre mim? Ela grunhiu para os soldados enquanto passava pela entrada com Kewird e o homem.

O interior da torre era cheio de corredores e escadas, tão complexos que Kewird sentiu um pouco de dor de cabeça. Andaram até encontrar uma escada em expiral.

– Ouça bem... – Disse o soldado olhando para Kewird e de relance para Shavaníra. – No final desta escada você encontrará uma porta dupla... você saberá de qual porta estou falando. Bata três vezes e aguarde lhe responderem. Quando for atendido, diga o por quê de estar aqui. – Ele sorriu. – Tenho certeza de que lhe ajudarão. Agora, preciso ir, se me encontram aqui, serei punido. – Dizendo isto o soldado saiu às pressas.

Kewird desceu as escadas, mais feliz que antes. Ele havia gostado mais daquele soldado que acabara de conhecer do que das pessoas com quem convivia agora. Talvez realmente gostasse de viver um dia na Alagaësia...

Chegaram ao final da escada. Shavaníra precisou apenas de um salto para alcançar o final e pousar com leveza. Como prometido, Kewird conseguiu identificar a porta dupla de que o homem falara. Ele bateu três vezes na porta e aguardou, de mãos juntas, ansioso. Imediatamente Kewird ouviu um arrastar de cadeira.

– Stigh? Já, essa hora? – Kewird ouviu a voz abafada dizer.

A porta se abriu. Um homem bem vestido de um sobretudo negro com botões até onde não precisariam estar olhou-o com curiosidade ao perceber que não era o tal Stigh. Ele tinha um rosto magro e cabelos curtos, onde os tinha. Uma cicatriz caminhava por sua têmpora.

– Você! – Disse ele admirado. – Eu sei quem é você! Você é... – Ele estalou os dedos perto do ouvido, tentando lembrar-se. – Kewird! Não é isso?

O rapaz franziu as sobrancelhas.

– Sim... este sou eu, como você sabe meu nome? – Perguntou, tentando não soar rude.

– O Dragão amarelo. – O homem indicou Shavaníra. – Ah... Eragon me mantém informado de tudo o que acontece na ilha. – Ele disse, sem se vangloriar. – Eu sou Jeod. O que deseja, Kewird? – Ele pôs a mão no quadril aguardando a resposta.

Kewird estava boquiaberto, aquele era Jeod! Ou não? Era apenas um nome, ele não podia ter tanta certeza.

– Jeod?! – Ele perguntou olhando-o dos pés à cabeça. O homem tinha uma perna de pau, ele reparou. – O Jeod que descobriu o túnel de Dras-Leona?

O homem levantou uma sobrancelha, muito surpreso.

– Bem... sou o Jeod. Esse mesmo, e muito mais. Pergunto-lhe de novo, Kewird, o que deseja?

– Bem... Eu partirei para Noëma, hoje... Queria apenas conhecer a torre, já que nunca estive aqui antes. – Kewird ainda olhava-o, tentando associá-lo aos livros que lia. – Eu estou lendo alguns livros que você escreveu... Eu... Não esperava lhe encontrar aqui! Achei que vivesse na Alagaësia.

– Costumava... – Ele abriu a porta por inteiro. – Entre, vejo agora por que está aqui. Temos muito o que conversar. – Ele sorriu. – Você é um rapaz esperto.

Kewird entrou e Jeod fechou a porta.

*

Kewird olhava para as inúmeras prateleiras da sala com curiosidade. A biblioteca de Venora era imensa e toda livros, mas o que o impressionava era que metade dos livros naquela sala eram relatos de Jeod, outros eram materiais de estudo. O homem da perna-de-pau foi simpático e não relutava em responder as várias perguntas de Kewird.

Havia deixado a Alagaësia com a esposa e o filho quando as coisas começaram a ajeitar-se na ilha. Ele tinha interesse em registrar tudo o que acontecia durante o desenvolvimento dos cavaleiros.

–...Mas as coisas nunca são simples. – Ele dizia. – Eu precisaria ficar informado do que aconteceria na Alagaësia. Isso me custaria muito, a idéia era apenas um sonho, até que Eragon interferiu e cuidou de tudo para que eu viesse para cá. E procurou me deixar bem informado do que acontecia na Alagaësia também. Eragon... – Os olhos dele brilharam. – Ele é um bom rapaz... Os cavaleiros têm sorte. – Ele pôs as mãos na mesa, com os dedos juntos. – Bem... mas agora que perdemos contato com o continente, o que me resta é focar totalmente nos cavaleiros.

– O que você acha disso? – Perguntou Kewird. – Digo... de nos impedirem de sair da ilha.

Jeod olhou-o com olhos atentos.

– Bem... eu não posso argumentar contra isso, nem a favor, não me coloque nisso... – Ele balançou a mão, nervoso. – Mas o que levo em consideração, e você também deveria, é que tudo isto é pelo bem maior...

Kewird assentiu, concordando.

– Bem... já chega desta conversa. – Jeod levantou-se da cadeira. – Vou lhe mostrar o restante da torre. E lhe contar um pouco mais da Alagaësia. Veja só, você pode conhecê-la mesmo sem pisar lá! – Ele sorriu, e os dois saíram da sala para o corredor.

Jeod lhe apresentou pessoas... pessoas com diversas funções naquela torre. Kewird agora tinha uma visão bem mais ampla do que era aquela construção de pedra. Era muito mais do que uma fortificação feita pelos humanos, era um sistema bem estruturado. Os humanos ali eram aliados dos cavaleiros, e em muito ajudavam... O rapaz estava maravilhado com tudo aquilo.

Andaram de cima a baixo, passaram pelo subsolo onde Jeod tinha mais materiais, e mais pessoas a serviço da torre. Kewird conheceu o pequeno Stiv Ghilder, carinhosamente apelidado de Stigh, o filho de Jeod de dez anos que perambulava pela torre. O garoto de cabelos castanhos e brilho nos olhos era muito simpático e tagarela.

– Agora... – Disse Jeod parando na frente de uma grande porta. – Não quero que você machuque o coração de nosso querido lorde se ele começar a falar demais. – Sorriu.

– Lorde Lerworth? – Perguntou Kewird, surpreso. Ele não sabia que a visita à Torre lhe renderia tanto. – O homem que criou tudo isso?

– Bem... com certeza você não irá magoá-lo. – Deu uma gargalhada e bateu na porta. – Lorde Lerworth! Sou eu, Jeod.

Quando Lorde Lerworth abriu a porta, quebrou as expectativas de Kewird. O homem de estatura mediana tinha um rosto largo e ossudo. Uma barba rala cobria as bochechas e olhos inteligentes fitaram Kewird com intensidade, quase ignorando Jeod por completo.

– Jeod... – Disse ele olhando Shavaníra das patas às asas, o que foi bem engraçado. – Por que não falou que tinha convidados? – A voz dele era grossa, rouca e autoritária, ainda que carregasse um tom cerimonioso. – Quem são estes jovens?

– Sou Kewird. – O rapaz fez uma mensura.

Shavaníra... O dragão amarelo bufou e sacudiu as asas.

– Eles estão aqui para conhecer o lugar. – Jeod sorriu. – O rapaz parece ter grande interesse pela nossa história, e pela Alagaësia.

O Lorde deu uma boa olhada em Kewird, tentando, talvez, decifrá-lo. Kewird, automática e estupidamente, endireitou-se, como se fosse uma mercadoria que o homem estivesse observando.

– Verdade? – Ele sorriu mostrando um alívio nos dentes brancos e bem cuidados. – Isso não acontece com muita frequência... Jeod, sei que não gosta de estar ausente, mas eu gostaria de conversar com este rapaz.

Jeod fez uma mensura, uma despedida.

– Entendo perfeitamente... O rapaz também me deixou curioso, aproveite o tempo que tiver com ele. – Kewird não gostou de estar sendo tratado em terceira pessoa, mas nada disse.

– Então, Kewird, certo?! – O homem pousou uma mão em seu ombro, com força, com um sorriso ávido no rosto. – Com certeza você é a coisa mais remota que aconteceu nesta torre no ultimo mês! Vamos, entre! Sinto que conversaremos muito.

Você hã...

Eu irei lá fora, venho até você mais tarde. Respondeu Shavaníra com prontidão, permitindo a Kewird entrar na sala.

– Então... – O homem sentou-se numa grande e rude cadeira. – Quando tornou-se Cavaleiro, Kewird? Você não me parece muito velho.

Kewird, com a permissão de Lerworth, sentou-se na cadeira de frente para o Lorde e sua grande mesa.

– Sou cavaleiro há pouco mais de dois meses. A verdade é que estou partindo para Noëma hoje, ao entardecer.

– Mesmo? – O Lorde ergueu as grossas sobrancelhas negras. – Não me parece o lugar mais adequado para você... – Ele recostou-se na cadeira. – Digo que deveria ficar aqui, Kewird, aqui é o melhor lugar para um jovem esperto, curioso e tradicional como você.

– Um dia estarei aqui, quando terminar meus aprendizados. – Kewird sorriu. – Eu... realmente estarei aqui. Acho que isto é o que gostarei de fazer, trabalhar ao lado dos humanos... então, tenho certeza que nos veremos novamente. – Kewird havia acabado de tomar aquela decisão, mas já a considerava imensamente.

Aquilo pareceu alegrar imensamente Lerworth, que a partir dali, guiou a conversa para um rumo mais descontraído sobre as histórias vividas por ele no passado, na Alagaësia.

Quando despediu-se de Lerworth e saiu da sua grande sala, Kewird era um novo homem. Tinha um rumo em sua vida, e – o melhor – lhe entusiasmava e o enchia de confiança.

Shavaníra pousou no topo da torre de Lerworth, feliz.

Vejo que conseguiu o que procurava. Ela disse tão entusiasmada quanto ele, mas por motivos diferentes. Fico contente em vê-lo assim. Nunca o vi tão feliz quanto agora, é reconfortante. Ela envolveu-o com as asas pequenas de jovem dragão que era. E os dois seguiram para aproveitar a, agora, tarde.

Eles apenas flapeavam pela cidade, em busca de algo interessante para fazer. Quando, por fim, avistaram Peön deitado sobre um telhado perto da praça. O púrpura de Amisha parecia adormecido há algum tempo. Kewird e Shavaníra mergulharam em direção a ele.

A cavaleira estava recostada em uma árvore na praça lendo um livro, sem nada melhor para fazer até a hora de voltar para Noëma. Kewird hesitou em atrapalhar a sua leitura, mas assim que a ela avistou-o, fechou o livro imediatamente.

– Onde você esteve? A hora de partir está próxima, Blödhgarm estava procurando por você.

Ele aproximou-se sorrindo.

– Estava na torre de Lerworth... Você já esteve lá? É incrível!

– Algumas vezes... O que fazia lá?!

– Apenas conhecendo antes de partir... – Ele sentou-se ao lado de Amisha. – Você não acreditaria em quem encontrei!

– Bem, não saberemos se você não me dizer...

– Jeod! – Disse ele aceso. – Falei com ele, e ele apertou minha mão!

– Jeod... e que seria este? – Disse ela sem demonstrar nenhuma surpresa.

– Jeod! O escritor... O amigo de Brom, que ajudou Eragon em tantas ocasiões. Que descobriu o túnel de Dras-Leona... – Ele estava surpreso por ela não conhecer alguém como Jeod, sendo ela da Alagaësia. – Eu... eu li alguns livros dele.

– Com certeza foi divertido. – Ela disse se levantando com o livro debaixo do braço. – Mas agora já é hora de partir, jovem!

– Você devia ler algum livro dele. – Disse ele seguindo-a. – Não acredito que não o conhece!

E os dois foram dali até o grande palácio de Venora, que era mais como um recanto de paz a céu aberto do que como um palácio. Colunas brancas abrigavam estátuas e nada mais, o piso limpo e polido era como um rio prateado. No centro uma enorme e esguia coluna erguia-se até o alto, e no seu topo agarrava-se a estátua de um dragão branco. Kewird perguntara-se quem era aquele assim que bateu os olhos no monumento.

Saphira escamas brilhantes estava enroscada no próprio corpo ocupando uma grande área ao lado de Awremöm. O dragão prateado olhava para os aprendizes com penetrantes e gigantes olhos de prata. Era impossível notar os mestres antes de seus dragões. Fírnen também estava lá. Sua cor viva era intimidadora aos olhos de Kewird.

O rapaz manteve-se um pouco distante dos mestres que conversavam entre si, olhando para os jardins e as estátuas que o circundava. Amisha também não foi até eles. Ele começou a contar as estátuas e perguntar para Amisha quem eram cada um deles.

– Aquela ali é a Linnëa. – Disse Amisha bastante séria quando Kewird apontou para a estátua de uma elfa olhando para o céu com as mãos em concha ao deslumbrar as estrelas. – Ela é o que chamamos de Menoa hoje.

– Sim... – Disse Kewird olhando para a estátua bastante tocado. – Eu li sobre isso. – Era estranho olhar... era como se a história que até então só existia consigo mesmo estivesse se concretizando.

Kewird agora sabia que o dragão do topo da mais alta coluna era Umaroth, o dragão de Vrael, o líder da antiga ordem dos cavaleiros. Conhecera também a estátua de Brom, Saphira, Glaedr, Morzan, e tantos outros...

Ele estava empolgado com o jogo de perguntar sobre as estátuas quando um belo dragão azul escuro pousou no piso prata. Quando Líria desceu das costas de Blöh, Kewird esqueceu as estátuas imediatamente e pôs-se a observar a elfa que vinha ao encontro dos dois.

– Líria... – Cumprimentou Kewird feliz.

– Olá! – Disse a elfa cantarolando a frente dos dois.

Amisha cumprimentou a jovem elfa e seu dragão, e as estátuas foram de vez esquecidas. Falaram sobre a partida para Noëma, sobre o treinamento... Amisha explicava como as coisas aconteceriam dali em diante, tanto para Kewird quanto para Líria, mesmo que a elfa se mostrasse orgulhosa e a par de todas as instruções. Kewird contentava-se em fitar Líria disfarçadamente e pouco interferir na conversa, sorrindo quando a elfa olhava-o.

Não demorou muito e os demais aproximavam-se do núcleo daquela conversa. Niphel, a elfa dos cachos e dos olhos azuis juntou-se com seu dragão, parte rósea, parte negro, acompanha dos outros dois, Cebrus e Zelmúm, o verde cinza. Todos ouviam as palavras de Amisha, que com o decorrer da conversa haviam se tornado uma história.

– ...E então os dragões voltaram ao céu uma outra vez para presentear o jovem humano Eragon com sua forma élfica. – Completou ela com uma postura empertigada enquanto todos a observam.

Ouve um silêncio. Todos conheciam a história, mas concordavam que deveriam dar aquele momento à orgulhosa cavaleira.

– Não é bem por aí que a história termina... – Todos viraram para ver o dono da voz. Era Vigär, o cavaleiro de Baorüch. – Bem... Todos sabemos o que acontece com quem presencia o festival do juramento de sangue... A mente dos elfos... é toldada, e com Eragon Matador de Espectros não foi diferente. – Disse o elfo dos cabelos ondulados e selvagens com um sorriso zombeteiro.

– Isso pode ser uma história para outra hora, Cavaleiro. – Disse Amisha em tom de repreendimento.

E a partir daí os dois passaram a discutir entre si, livrando todos das histórias da animada Cavaleira Púrpura.

– Ansioso?

Kewird assustou-se com o pronunciamento repentino de Líria, e demorou um pouco para responder.

– Sim... – Disse ele nervoso.

Um tempo se passou sem que nada fosse dito, e quando percebeu que ela achava graça de seu nervosismo, completou:

– Já havia superado a estranheza que sentia por esta cidade... agora... outra me espera. – Ele sorriu. – Vai começar tudo de novo.

– Uma hora você se acostuma... – Disse ela. – Acalme-se... Acabou de tornar-se cavaleiro. É normal que esteja tenso.

Ele assentiu observando Amisha conversar com Vigär.

– E você? Está lidando bem com isso? Gostará de ficar aqui em Venora?

Ela franziu o cenho.

– Eu... Onde estiver, ter Blöh ao meu lado é o suficiente. – Disse com bastante seriedade.

Ele assentiu. Os dois separaram-se do restante dos cavaleiros para passear por entre as estátuas, e aproveitar o pouco do tempo que tinham. Enquanto conversava com Líria, Kewird percebia o quão havia mudado sua forma de vê-la. Ele não a via mais como uma bela mulher como quando a viu pela primeira vez, mas como uma garotinha que cada vez mais se tornava alguém próximo.

Estavam recostados na estátua de Shruikan quando Blödhgarm alertou para a partida. Arya Dröttning iria junto para conhecer a cidade, Eragon Matador de Reis também os acompanharia.

– Vamos todos pelo rio. – Blödhgarm veio chamá-lo com Zeón ao seu lado.

– Bem, isso é uma despedida... – Disse Líria com um sorriso doce.

– Talvez você esteja carregando uma espada colorida da próxima vez que nos virmos. – Disse ele também sorrindo.

– Talvez... Tenha uma boa viagem, Cavaleiro. – Ela o abraçou, fazendo-o corar.

– Nos vemos em outro tempo. – Ele despediu-se de Blöh.

Kewird acompanhou Zeón e Blödhgarm olhando para trás de vez em quando. Já distante ele fitou Líria retirar a flauta do cinto e flutuar pela música.

– Céus... – Disse Zeón despertando Kewird. – Olhe para você. Está enfeitiçado.

– Cale a boca, Zeón. – Respondeu ele montando em Shavaníra quando todos os outros montaram seus dragões.

Seguram voando baixo pelo rio das águas claras até deixar as grandes construções para trás. Quando alcançaram os campos verdes à pouca luz do crepúsculo, elevaram-se para avistar a floresta de Nöema ao longe.

Kewird sempre questionava-se sobre a comentada proximidade entre Venora e Noëma.

“Na verdade, Noëma é também o nome da floresta que cerca a cidade.” Lhe explicara Amisha. “A cidade encontra-se bem mais a fundo.” E agora ele via que aquilo era verdade. Já estavam a uma hora de vôo e tudo o que via era árvores.

Em sua frente voavam colados Saphira e Fírnen, Blödhgarm seguia bem à frente, e ele, Zeón e Amisha vinham atrás. Conversando para distraírem-se do ritmo monótono da viagem.

Enquanto conversavam, Kewird voltou a imaginar como seguiria assim que chegasse a Noëma, e não pode deixar de se lembrar do que Ariän lhe dissera. Por que ele falaria comigo daquela forma? O que ele pretendia?

Não sei, Shavaníra lhe disse. Não pense sobre isso... Estamos deixando aquela cidade, e Ariän. Não ouça o que ele tem a dizer, não sabemos nada sobre ele.