O céu já era púrpuro e escurecia os campos planos e vastos. À sua frente estava a entrada de Noëma, a cidade leste dos cavaleiros de dragão, a qual estava sobre controle do segundo mestre, Blödhgarm, o Cavaleiro Selvagem. Do lado oposto eram visíveis as enormes construções de Venora, a principal cidade dos cavaleiros, sobre o controle dele, Eragon, o primeiro mestre cavaleiro.

Aquela era a ilha de Kormodra, a ilha onde Eragon instalara-se e reconstruíra a nova ordem de cavaleiros de dragão, um lugar realmente fascinante e, antes, inabitado, de ambiente pluralizado e incrivelmente contrastante para um espaço tão curto de terra.

Em Kormodra, mesmo tendo tamanho considerável, a maresia reinava em qualquer lugar, fosse nas montanhas rochosas, nas florestas negras e densas, nas planícies do coração daquelas terras, Os ventos fortes e salgados sempre eram presentes.

Eragon estava impaciente, Blödhgarm nunca se atrasava, sendo então motivo de preocupação que o fizesse. O motivo da reunião era sério, Blödhgarm estava bastante sério e preocupado quando comunicou Eragon.

Os eldunarí também estavam bastante tensos e com pressentimentos ruins sobre alguma coisa, o que aumentava ainda mais a ansiedade de Eragon. Saphira partilhava de mesmo temor que o cavaleiro, já estavam indo a procura do amigo quando avistaram um ponto cinzento no céu crescendo cada vez mais, ao mesmo tempo em que a mente do elfo selvagem tocava as suas.

O ponto cinzento foi crescendo e tornando-se cada vez mais nítido. Até Eragon ter a certeza.

Awremöm, O dragão prateado.

Eragon aliviou-se por um instante, até notar a presença de outra consciência que não fosse a do gigantesco Dragão e a de Blödhgarm, seu cavaleiro.

Era uma consciência atordoada, porem totalmente protegida, que deixava explícito o seu temor.

O dragão mergulhou em direção ao chão e varreu o vento ao abrir suas poderosas asas, impulsionando seu enorme corpo para trás. Awremöm pousou com tamanha ferocidade que os ossos de Eragon reverberaram.

–Blödhgarm-elda! – Gritou Eragon confuso. – Quem está com você?

O elfo desceu pela perna de seu dragão com um homem inconsciente em suas costas. Blödhgarm aparentava estar mais confuso que Eragon.

O elfo usava sua capa cinzenta de vôo, uma túnica preta com detalhes de prata reluzente, e botas élficas pretas. Seus cabelos estavam assanhados e seus olhos amarelos arregalados, numa expressão que Eragon não sabia dizer se era medo ou Ira, só era visível a ele sua preocupação.

– Este homem... Ele conhece a língua antiga... Ele ultrapassou nossa barreira sem dificuldade alguma. Nós temos que ocultar a sua existência dos os outros cavaleiros. – falou o elfo desordenadamente em num tom sério, que deixou Eragon ainda mais preocupado.

Ele pôs a mão no cabo de Brisingr e olhou o rosto do homem. Não era um elfo, poderia ser um humano...

...Seus cabelos totalmente brancos – apesar do homem ter a aparência de um jovem, melhor dizendo, um adulto – caíam sobre os ombros, desgrenhados. Suas expressões eram fortes, tinha o queixo largo e quadrado, sua pele era branca como a de um espectro e seus ombros, largos. Suas vestimentas eram apenas um manto branco.

– Vamos levá-lo até o salão dos mestres de Venora, temos que saber quem é este homem e como chegou até aqui. – Disse Eragon tirando o homem das costas de Blödhgarm.

– Cuidado – Disse o elfo em tom de alerta. – Não foi tão fácil detê-lo.

Eragon assentiu e carregou o homem até o dorso de Saphira, montou no dragão e olhou para Blödhgarm antes de ir. O cavaleiro acenou para Eragon com uma hesitação disfarçada.

Habilmente Blödhgarm montou Awremöm, e os dois dragões saltaram para o ar em sincronia.

Eragon ocultou a presença do estranho por meio de magia, não queria causar temor aos jovens cavaleiros, sua própria preocupação já era suficientemente irritante.

Não demorou muito e os dois dragões já estavam diante do colossal salão dos mestres, monstruosamente grande como toda as outras construções da cidade, mas essa diferente das outras não tinha porta, mas um barreira mágica, só os três mestres cavaleiros – e quem eles permitissem – podiam adentrar, o que discutia-se lá, permanecia lá.

Os Mestres adentraram o salão, lá estava sentado, de costas para a entrada, um elfo de cabelos prateados, como as escamas de Awremöm, com uma capa de vôo branca. Ao seu lado, encarava Eragon, com olhos laranjas, incandescentes e enormes, Um dragão Laranja da cor do sol poente, Tão grande que tornava o elfo ao seu lado nada mais que uma formiga, maior ainda que Awremöm, o mais velho dragão daquelas terras – depois de Saphira.

Eram Oriúmos, o tocador de almas, e seu dragão Istalrí, sol poente. Eragon estava feliz por vê-los, Há muito tempo eles não saiam de Jewän, a cidade norte dos cavaleiros que estava sobre o controle do terceiro mestre, Oriúmos. Era um bom amigo.

O cavaleiro levantou e virou-se para Os dois mestres que acabaram de adentrar o salão.

– Eragon-elda, Saphira Bjartskular, Blödhgarm-elda, Awremöm Argeskular. – Disse ele com seu típico sorriso que trouxe lembranças de velhos tempos à Eragon.

– Oriúmos! Quanto tem...

– Que bom que receberam a mensagem Oriúmos-elda, Istalrí escamas do sol, – Interrompeu Blödhgarm. – Temos um grande problema.

– Sim – Concordou Eragon. –, algo muito estranho de fato aconteceu. – Eragon murmurou um encanto, e à sua frente materializou-se o homem de cabelos brancos.

Oriúmos franziu o cenho e analisou o homem com seu olhar peculiar.

– E quem seria este humano? – Disse ele por fim.

– Bem... Vamos sentar para esclarecermos melhor essa história. – Disse Blödhgarm indo em direção a uma cadeira.

Os três sentaram-se e os dragões acomodaram-se atrás de seus cavaleiros.

Blödhgarm limpou a garganta. Sua postura era rígida e seus olhos bem abertos, como que em alerta.

– Pois bem... – Disse ele com os olhos fixos no Homem que estava preso por magia em uma cadeira paralela a mesa dos mestres. – Amisha uma de meus aprendizes me alertou de que um homem tinha ultrapassado as barreiras da cidade, e que ela não foi capaz de impedir, nem mesmo com a ajuda de seu dragão, disse que ele aparentava ter medo do dragão, mas que mesmo assim eles não foram capazes de enfrentá-lo. – Ele fez uma pausa e cerrou os olhos – E isso eu posso afirmar, ele realmente tem muita habilidade com a magia.

“Mas o que mais me intrigou foi o fato de ele conhecer a língua antiga... Tentei dialogar, mas ele não parava de revidar e eu não arrisquei parar de atacar. Tive que recorrer aos mais complicados encantamentos para pará-lo.”

“também não consegui invadir sua mente, ela é bastante protegida. Por isso o trouxe aqui, o nome dos nomes talvez seja capaz de descobrir quem é este homem.”

Eragon olhou para o humano intensamente.

– Compreendo – Disse o Matador de reis. – Quanto à sua aluna? Essa história não pode se espalhar.

– Não se preocupe, Eu a fiz jurar que não contará a ninguém. – Disse o elfo.

– Olhem! – Disse Oriúmos apontando para o homem de cabelos brancos.

O homem estava de olhos abertos, seus olhos brancos, tão claros, que deixava visível apenas as pupilas, era como se seus olhos não tivessem Iris.

O homem tentou livrar-se do encantamento, mas o nome da língua antiga era poderoso demais.

Eragon então podia dialogar com ele.

– Escute-me – Disse ele na língua dos elfos – Sei que você me entende, eu lhe soltarei se você não tentar fazer nenhuma tolice. Se o fizer, não lhe pouparei.

Eragon o livrou do encantamento. O homem levantou-se da cadeira, e com um olhar de desespero correu.

Eragon sussurou o nome... e todo o ambiente pareceu distorcer-se.

– Letta. – Disse em seguida.

O homem parou rigidamente sem conseguir mover mais que os olhos. Pareceu não notar mais a presença de Eragon, e entregou-se as lagrimas, olhando para o nada.

– Me desculpe Haraíth, tentou... Tentou, mas não conseguiu. – O sotaque era estranho, e sua voz suave mais ainda.

Haraíth?

O homem sussurrou algo inaudível e então fechou os olhos, parecendo inconsciente.

Eragon encerrou o encantamento e deixou o homem desabar no chão.

Blödhgarm e Oriúmos aproximaram-se e ajoelharam-se ao lado de Eragon. Blödhgarm pousou a mão na testa do homem caído. Fechou os olhos e permaneceu assim por alguns segundos.

Finalmente abriu os olhos e disse:

– Alguma forma de auto-envenenamento.

Eragon não compreendia.

–Mas por que ele faria isso? Porque se mataria?

– Não está morto – Disse o elfo selvagem. –, está morrendo. Você terá de fazer uma escolha Matador de reis. – Disse Blödhgarm em tom sério.

Eragon não poderia decidir isso... Decidir se um homem morre ou vive, era horrível.

– Eu não posso fazer nada por ele, ele próprio envenenou-se, além de ser um perigo para todos da cidade dos cavaleiros. – Explicou-se.

– Então que seja. – Disse Blödhgarm friamente.

Esta é a sua decisão? Manifestou-se pela primeira vez Glaedr, o Eldunarí.

– Mestre Glaedr... – Disse Eragon hesitante. – O que você acha que eu devo fazer?

Tome sua própria decisão. Você não é mais um aluno Eragon-elda.

Dizendo isto, a trovejante consciência do velho dragão dourado ocultou-se.

Eragon levantou o homem e o pôs brutalmente em cima da mesa dos mestres. O homem chocou-se contra a mesa com um baque que ecoou pelo salão.

– Não posso resolver isso agora, preciso pensar. – Dizendo isto, Eragon montou Saphira e saiu do salão, sem mais.

Os outros dois mestres e seus dragões o acompanharam.

O que fará pequenino? Perguntou Saphira.

Ele tomou sua decisão, não posso interferir em sua escolha.

Você está fazendo o certo, não pode colocar em risco a Ordem dos cavaleiros. Manifestou-se Istalrí, com sua voz grave e autoritária. Diga-me, quantos já matou pela derrubada de Galbatorix?

Não é a mesma coisa, aquele homem era um problema controlável. Retrucou Eragon.

De qualquer forma, não foi por suas mãos. Encerrou o dragão alaranjado.

A cidade dos cavaleiros estava movimentada, vários dragões, cavaleiros e pessoas normais, estavam no terraço central. Venora, diferente das outras duas cidades dos cavaleiros de dragão, não era composta apenas por cavaleiros, mas também por pessoas que se ofereciam para servir os shur’tugals, ou que sonhavam em um dia ser um.

É por esse motivo que o sherväen abr skulblaka também era realizado na cidade. E a lembrança veio como um raio na mente de Eragon.

– Barzul! – Sussurrou Eragon. – A celebração... Vamos mestres, vamos receber os novos cavaleiros.

O sherväen abr skulblaka havia começado.

– Aproxime-se jovem Líria, é a sua vez. – Disse Eragon com um sorriso no rosto, embora ele não fosse verdadeiro.

O festival, sempre animava Eragon, mas saber que havia um homem morrendo próximo dali, e que ele podia fazer algo para impedir sua morte, anulava a sua alegria.

Você não tem culpa alguma, pequenino. Saphira tentava confortá-lo.

Líria era a ultima da lista, o ovo não eclodira para ninguém, Eragon percebeu que a jovem estava sem esperança, mas também percebeu o fascínio da garota pelo ovo, Por isso não se surpreendeu quando o ovo rachou e um lindo dragão azul escuro saiu de lá.

O dragão abriu os olhos lentamente, seus olhos – também azuis escuros –, mais escuros que as suas escamas eram perfeitamente lindos. O azul de suas escamas não era brilhoso como o de Saphira, mas um azul escuro sem brilho e totalmente nítido.

Líria aparentava estar mais atordoada do que feliz, mas isso era normal. A jovem elfa tocou o dragão e retirou a mão como se levasse um choque.

– Parabéns Líria, você é uma de nós agora. – Disse Oriúmos com um ameno sorriso.

O gigantesco Istalrí levou sua cabeça – sempre acima de todos – ao nível do pequeno dragão e encostou o focinho em sua cabeça.

Que as estrelas o guiem, Dragão pequenino.

Saphira abriu as asas, arqueou o pescoço e rugiu ferozmente. O pequeno dragão encolheu-se, mas logo se encorajou e tentou imitar Saphira, dando um berro que fez todos sorrirem.

Aquele era um dos últimos ovos da celebração, que já tinha consumido toda a noite, e a madrugada estava quase ao fim, ali no vale sem céu nas margens de Venora, a chegada do dia não era visível, coberto pelas Montanhas vestidas de verdes e grandiosas arvores típicas da ilha, o vale era escondido de tudo.

A celebração continuou por horas, bebidas, comidas, tudo em abundancia, agora os cavaleiros formavam um circulo em uma fogueira acesa com fogo de dragão.

O centro das atenções eram Líria e os demais cavaleiros recentes. Harän, um cavaleiro ainda inexperiente, aluno de Eragon, já avia se aproximado dos novos. As comidas e bebidas vinham especialmente para eles.

– Vocês, novos cavaleiros, gostariam de ouvir uma história de épocas passadas? Sobre as aventuras de um Eragon há muito perdido, um Eragon matador de espectros? – Disse Blödhgarm lançando um sorriso um tanto irônico à Eragon.

Ninguém respondeu. Blödhgarm suspirou.

– Pois bem... – Disse ele levantando e colocando-se no centro do circulo. – Um menino, ninguém sabia ao certo o que ele era, se era um elfo, um anão ou um humano, há quem diga que ele é a junção das três raças, mas não se sabe ao certo. – Blödhgarm olhou para Eragon tentando conter o riso, mas Eragon não se conteve e começou a rir. O elfo com uma súbita vontade de rir, que foi perceptível à Eragon, continuou. – O jovem rapaz caçava nas perigosas montanhas da espinha, quando encontrou um ovo, o ovo de dragão que mudou a sua vida.

Depois disso, Blödhgarm contou toda a história de quando Eragon fugiu de Carvahall com Saphira e Brom, até quando livrou o povo de Alagaësia do reinado de Galbatorix.

A história já era conhecida pelos cavaleiros, mas sempre era incrível ouvi-la. Depois que o elfo terminou a história, todos ficaram em silêncio, pelo que pareceram vários minutos.

Eragon lembrou-se de suas velhas aventuras ao ouvir a história, lembrou-se da floresta dos elfos, de Tronjhein a montanha oca dos anões, de Carvahall, ah sim... Carvahall, o cheiro de sua humilde casa no vale Palancar veio a si juntamente com a saudade de sua velha e pacata vida, não se lembrava de tudo, mas lembrava o suficiente para querer voltar ao tempo. Tempos de quando suas orelhas ainda eram redondas, de suas aventuras na espinha, suas lutas com Roran, quando ainda usava espadas de madeira.

Também veio a ele as lembranças de seu Pai Brom, as viagens cansativas ao seu lado, cansativas, mas prazerosas e proveitosas. Os bons e curtos tempos que passou em Teirm, treinando e estudando com seu velho pai.

Aquele cheiro do passado, quinze anos atrás, veio a sua mente quase o fazendo esquecer onde estava, e o que estava acontecendo.

– Bem... Então vamos ao próximo ovo, – Disse Eragon quebrando o silêncio. – Pode trazer.

Um elfo trouxe um ovo branco, maior que os demais, era tão resplandecente! E transmitia uma sensação de pureza a Eragon.

O elfo pôs o ovo no trono, que estava ali especialmente para os ovos, e Eragon chamou o primeiro nome, o segundo o terceiro... E assim quase todos foram chamados, Eragon prosseguiu com os nomes:

– Kewird, é a sua...

– É meu – interrompeu uma voz na língua antiga, com um sotaque forte.

Eragon virou-se na direção da voz. O estomago do cavaleiro embrulhou-se, quando viu, Sua língua ficou com gosto de metal incandescente. E sua cabeça pesou.

Não era possível.

O homem de cabelos brancos que estava morrendo no salão dos mestres estava segurando o ovo com as duas mãos.

– Ele nos enganou! – disse Oriúmos furioso com as sobrancelhas unidas e o punho cerrado.

– Solte este ovo ou não pouparei sua vida. – Disse Eragon com uma voz sibilante, lançando um olhar cortante ao homem.

O homem novamente parecia não perceber ninguém ao seu redor, apenas olhava para o ovo fascinado.

Aquilo não poderia estar acontecendo, se Eragon estivesse certo...

Crack... O ovo rachou.

O dragão de escamas brancas olhava fixamente para o homem. Então o homem o tocou, como que involuntariamente. Uma explosão de sentimentos e sensações atingiu todos no local, a mente obscura e cheia de segredos, segredos que nunca deveriam ser revelados a ninguém – Eragon podia sentir – , ficaram expostos, mesmo que por poucos segundos.

O dragão caiu no chão e dobrou-se guinchando de dor, o humano apavorado o envolveu nos braços. E por algum tempo o dragão guinchou e berrou de dor, suas escamas brancas se tornaram negras. O dragão berrou por um bom tempo, até parar, e como se nada tivesse acontecido saiu dos braços do homem e observou o ambiente ao seu redor, ainda com as escamas cobertas de um negro mórbido.

O homem ficou completamente derrotado, suas pálpebras estavam pesadas, seu corpo foi inclinando aos poucos, até encontrar o chão.

As palavras na língua antiga não podiam ser distorcidas em uma mentira “É meu”. O homem falara a verdade, o ovo era seu.